“Creio que as decisões que serão tomadas no 20° Congresso Nacional do PCCh estarão de acordo com as complexas e desafiadoras necessidades do desenvolvimento da sociedade chinesa e da humanidade”, assinala a vice-governadora de Pernambuco e presidente nacional do PCdoB, em entrevista à agência de notícias Xinhua.
A vice-governadora de Pernambuco e atual presidente nacional do Partido Comunista do Brasil, Luciana Santos, concedeu esta semana entrevista à agência de notícias Xinhua sobre a próxima realização do 20° Congresso do Partido Comunista da China, que se instalará no dia 16 de outubro, em Pequim. Segue, na íntegra, a entrevista.
Como você avaliaria as conquistas da China na área de desenvolvimento econômico e social nos últimos 10 anos? E a posição atual da China no mundo em comparação com 10 anos atrás?
Luciana Santos – Em primeiro lugar gostaria de parabenizar a agência Xinhua que neste mês de novembro comemora 91 anos de funcionamento contínuo – já que foi fundada em novembro de 1931 — com a importante missão de elaborar e distribuir conteúdos sobre a construção do socialismo na República Popular da China. Agradeço o interesse da Xinhua em conhecer alguns aspectos da realidade brasileira e das posições do nosso Partido Comunista do Brasil, além de outras questões relacionadas às relações da China com o Nordeste do país na atualidade.
Poderia desta forma lembrar, de maneira resumida, alguns pontos que nos parecem importantes sobre estes últimos 10 anos de desenvolvimento econômico e social neste grande país asiático que atualmente é o maior parceiro comercial do Brasil, tanto como importador, quanto de fornecedor de mercadorias para o nosso país. Além disso, o investimento de empresas chinesas no Brasil, só em 2021, mais do que triplicou retornando ao patamar pré-pandemia e fazendo do Brasil o principal destino do capital chinês no ano que passou.
Sob a liderança do Partido Comunista da China e de seu presidente Xi Jinping, foi possível cumprir em 2020 o objetivo do Plano Quinquenal de erradicar a pobreza no país, dando uma contribuição decisiva ao combate à pobreza no mundo, uma das metas do Desenvolvimento do Milênio da ONU. Mais de 600 milhões de pessoas foram retiradas da linha da pobreza. A expansão da demanda interna na China, ao mesmo tempo, e a ampliação do consumo não somente beneficiaram a economia chinesa como também a economia global, compensando de certa maneira os problemas do desenvolvimento dos países como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, que enfrentam o crescimento da inflação e o fenômeno da recessão.
A China, nestes 10 últimos anos, não apenas cresceu economicamente, como também melhorou notavelmente o nível de vida do povo chinês. Nesta década, os cidadãos e cidadãs chineses gozam de acesso à saúde, à educação de qualidade e empregos bem remunerados. A China é hoje um líder mundial em conectividade através do desenvolvimento da tecnologia 5 G, e se prepara celeremente para a implantação do 6 G. Assim o país conseguiu construir a maior rede de banda larga de fibra ótica do mundo. O número de usuários de internet tem crescido rapidamente até superar o contingente de 1 bilhão de pessoas, que significa 73% da população do país com acesso à internet.
Na verdade, o Governo chinês se destacou na busca e no investimento na inovação. Podemos perceber nas viagens que realizamos à China que essa iniciativa pela inovação é o motor do desenvolvimento do país, tendo como exemplos os setores da esfera espacial, do aprimoramento dos transportes públicos como os trens de alta velocidade e do desenvolvimento do transporte aéreo com a construção de aviões de grande porte, tanto de carga como de passageiros. O transporte hidroviário, da mesma maneira, passa por grandes reformas e desenvolvimento, com a construção de barragens gigantes, tendo em vista maior navegabilidade e uma integração intermodal. Várias iniciativas no desenvolvimento de energia limpa contribuem decisivamente para a redução do CO2 na atmosfera e da poluição nas indústrias.
O PIB chinês atingiu cerca de 18% do PIB global, com um aumento de 11% em comparação com 2012. Com sua economia aberta, a China tem conseguido realizar acordos de livre-comércio, especialmente com a implementação da nova Rota da Seda, chamada de “Belt and Road” (Cinturão e Rota). A China vai se consolidando como a segunda maior economia do mundo, sendo que pelo sistema de paridade do poder de compra já assumiu a liderança global.
Em 28 de setembro último, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China mostrou os avanços conquistados no plano quinquenal em vigor de desenvolvimento rural na China. A produção de cereais se manteve estável em 65 milhões de toneladas por ano. Mais de 72% das atividades de cultivo e colheita estão automatizados hoje em dia. 70% das zonas rurais têm acesso a todos os serviços necessários para os trabalhadores do campo. De 2017 a 2021, a renda per capita dos que moram no campo aumentou 28,9 % e as diferenças de renda entre os trabalhadores das cidades e do campo estão se reduzindo.
Ao mesmo tempo o nível da agricultura ecológica melhorou consideravelmente contribuindo assim para as metas estabelecidas para redução da poluição e da qualidade dos produtos agrícolas do país.
No plano da questão democrática podemos também registrar avanços importantes. O Partido Comunista da China tem fortalecido sua liderança política geral e o trabalho da Assembleia Popular Nacional (APN) que fomenta a Inovação, introduzindo melhorias no sistema socialista com características chinesas. A APN promulgou leis para aprimorar o sistema eleitoral da Região Administrativa de Hong Kong proporcionando maior solidez ao Estado de Direito para o avanço da prática sintetizada na consigna: “Um país, dois sistemas”. A APN e as Assembleias populares locais em todos os níveis são as instituições através das quais o povo pode exercer seu poder estatal.
Em sua opinião, quais são as conquistas que a China alcançou na área da diplomacia de um país grande com características chinesas? Quais conquistas foram alcançadas na cooperação amistosa entre a China e o Brasil?
Luciana Santos – Podemos considerar as conquistas da República Popular da China na esfera das relações internacionais em primeiro lugar por ter persistido numa política externa de independência em favor da paz mundial. Como bem situou o Ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, no debate geral da 74º Sessão das Nações Unidas, a China nem subordinou suas posições às de outras potências, assim como também não subordinou outros países às suas próprias políticas. Disse ele naquela ocasião que a China é contra o abuso de poder, e que o país está comprometido com os princípios básicos do respeito à soberania e à não-interferência nos assuntos internos dos outros países, com base na Carta das Nações Unidas.
Outro aspecto que achamos muito importante nas relações entre os povos é a consideração de que a China tem colocado sempre a questão do respeito à igualdade entre os países. Neste sentido temos acompanhado as relações que a China tem estabelecido com os países no sudeste da Ásia, na África e na América Latina, fortalecendo a articulação dos Brics – composta pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e a OCS, a Organização de Cooperação de Shanghai – que se reuniu recentemente na cidade de Samarkand, no Uzbequistão, quando foi comemorado o 20º Aniversário da assinatura da Carta da OCS. Nessas oportunidades, a China tem colocado à disposição dos países irmãos a troca de experiências na esfera comercial e tecnológica, e contribuindo para a cooperação numa política de ganha-ganha e de solidariedade em casos de tragédias e epidemias, como foi o enfrentamento da covid-19.
Também apreciamos a política chinesa de equidade e justiça, tendo como referência a Carta das Nações Unidas, as salvaguardas dos interesses comuns dos países em desenvolvimento, o direito desses mesmos países ao crescimento econômico e a uma participação maior nos fóruns internacionais e na governança global. Por fim, vamos continuar apoiando os esforços da China no sentido de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento econômico global com base na cooperação, tendo como necessário o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio, procurando estabelecer os acordos e políticas centralizadas por este organismo internacional do comércio.
Destaco como exemplo deste tipo de cooperação o trabalho realizado entre a China e o Consórcio de Governadores do Nordeste durante a pandemia do Corona-vírus nos últimos 3 anos. A cooperação entre a China e o Nordeste foi fundamental para barrarmos a pandemia em sua fase mais aguda, enfrentando inclusive uma posição contrária do próprio governo brasileiro — que atuou com uma política contrária ao enfrentamento da doença e atrasando uma série de medidas para impedir a morte de brasileiros. Mesmo assim mais de 600 mil foram mortos devido à pandemia, e se não fosse a ação destemida de setores avançados da sociedade no Brasil em cooperação com a China, poderíamos ter chegado próximos à tragédia que se verificou nos Estados Unidos. Exatamente neste ponto é que a República Popular da China e o Partido Comunista da China dão um grande exemplo a todos os países, desenvolvendo a ciência na elaboração de vacinas contra o vírus e organizando o povo para o combate sem tréguas à pandemia.
Em sua opinião, nos últimos 10 anos, como a China contribuiu, como um grande país responsável, para a governança global, especialmente nas áreas de combate ao Covid-19, mudanças climáticas, globalização etc?
Luciana Santos – Na verdade a China, nesta última década, abriu novas perspectivas para as relações internacionais neste novo século XXI. As políticas colonialistas e imperialistas praticadas pelas grandes metrópoles capitalistas do mundo não servem como referência para a atual política externa chinesa. Ao contrário, a China ampliou as parcerias globais e procurou estabelecer um novo tipo de diplomacia baseada na defesa da soberania nacional, na segurança e nos interesses nacionais do povo chinês.
Sem dúvida esta nova política tem como base toda a história recente do século XIX e XX quando as grandes potências imperialistas dominaram o grande país da Ásia, humilhando a dignidade nacional e impondo políticas de exploração e submissão aos interesses do capital. Hoje, a China se apresenta no cenário mundial como defensora dos interesses nacionais, tendo em vista a justiça internacional e a Carta das Nações Unidas. A República Popular da China mantém relações com 181 países na atualidade e firmou parcerias com mais de 100 países e organizações regionais.
Outro grande exemplo de atividade no plano global é a iniciativa do Cinturão e Rota, estabelecendo um novo tipo de modelo para o multilateralismo nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que contribui para a construção de grandes infraestruturas entre os países cooperados, promove o desenvolvimento destes países configurando a iniciativa do desenvolvimento global, a iniciativa de segurança global e criando o Banco de Investimento de Infraestrutura (AIIB), propondo inclusive a expansão dos BRICS plus e da Organização de Cooperação de Shanghai.
Com a Iniciativa do Cinturão e Rota, a China assinou mais de 200 acordos de cooperação com 149 países e 32 organizações internacionais. Essa cooperação do Cinturão e Rota abriu várias vias expressas para a África Oriental, uma ponte marítima para as Maldivas, inaugurou recentemente uma linha férrea China-Laos até a capital Vientiane e está construindo a linha do Expresso ferroviário China-Europa, que é uma grande conquista para manter a logística global mais estável, entre outros grandes projetos em andamento.
Como você comentaria o conceito da China de promover os valores comuns de toda humanidade e construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade?
Luciana Santos – No informe do secretário geral do PCCh, Xi Jinping, ao encontro da Organização de Cooperação de Shanghai em Qingdao, na China, pode-se ler que segundo o líder chinês foi forjado nesse trabalho de cooperação internacional uma série de condutas de parceria que pregam a não-confrontação, o não estabelecimento de alvos de terceiras partes e a não aliança de duas partes contra uma terceira dentro da Organização. Isto representou uma quebra de paradigmas na teoria e na prática das relações internacionais, um novo modelo de cooperação regional e uma nova contribuição para a paz e o desenvolvimento na região.
Enquanto a política de poder e a busca da hegemonia persistirem no mundo, o chamado por uma ordem internacional mais justa e equânime deverá ser enfatizada, explicou Xi Jinping naquela reunião. Minha opinião é de que deveremos – como propõe o presidente da China – persistir na ideia de promover uma cooperação aberta e inclusiva com o objetivo de ganha-ganha, ou seja, buscar um desenvolvimento comum compartilhado, coordenado, sustentável, e trabalhar por um progresso social e econômico de nossos países, e resolver os problemas causados pela desigualdade.
O nosso Programa Socialista afirma que a nova luta pelo socialismo se dá num mundo em mudanças nas suas relações de poder no século XXI. Está em curso uma transição do quadro de dominação unipolar que marcou o imediato pós-Guerra Fria, com a intensificação de tendências à multipolarização e à instabilidade no sistema internacional. Transição cuja essência é marcada pelo declínio relativo e progressivo dos EUA e pela rápida ascensão da China socialista. Essas tendências são fomentadas e alimentadas pela dinâmica de desenvolvimento desigual do capitalismo que tende a se intensificar com a crise internacional desse sistema. Portanto devemos nos colocar como os campeões da equidade, do aprendizado comum, do diálogo e da coexistência harmoniosa entre as Nações, no sentido de construir um futuro compartilhado para a humanidade.
Como você classificaria os esforços da China para melhorar a governança global e praticar o verdadeiro multilateralismo?
Luciana Santos – Estes esforços da China são justos e razoáveis no sentido de se cuidar da governança global e de aprimorar o multilateralismo. Na última reunião da Organização de Cooperação de Shanghai todos os países participantes da organização foram unânimes em apoiar o multilateralismo. O trabalho de formação de grupos para atacar outros países, como foi o grupo formado chamado Quad (Japão, Austrália, Estados Unidos e Índia) promovem a divisão e a confrontação. Devemos em sentido oposto, fortalecer a Organização das Nações Unidas e o sistema interestatal baseado nas leis internacionais aceitas pelos seus países membros. Precisamos fortalecer e ampliar os Brics e a própria Organização de Cooperação de Shanghai, assim como o Mercosul.
Como afirmou o diretor do Instituto de Assuntos Internacionais da Universidade Renmin da China, Wang Yiwei, na última década, a China evoluiu de participante, beneficiário e contribuinte, para líder em governança global. A China acredita que o mundo está passando por mudanças profundas não vistas em um século, uma percepção que a China nunca teve uma década atrás.
Como você avaliaria os esforços da China na construção de uma parceria mais estreita e avançar a iniciativa do Cinturão e Rota com alta qualidade?
Luciana Santos – Enquanto grandes potências tentam exercer uma hegemonia unilateral que concretamente minam o multilateralismo – dizendo que a China é um “rival sistêmico” — o governo chinês constrói uma ampla rede de acordos de cooperação especialmente através da iniciativa do Cinturão e Rota, onde os países envolvidos se unem através de contratos de ganha-ganha, de troca de know how na área de tecnologia e inovação, promovendo o desenvolvimento econômico e social de seus respectivos povos.
Ao longo da última década a China abriu um novo caminho de diplomacia e na esfera comercial impulsionou a política de Cinturão e Rota, ampliando as parcerias globais, defendendo a soberania nacional, a segurança e o desenvolvimento de todos os países envolvidos na Ásia, África e América Latina.
O que você esperaria da atuação diplomática da China após o 20° Congresso Nacional do PCCh?
Luciana Santos – Creio que as decisões que serão tomadas neste importante evento do 20° Congresso Nacional do PCCh, estarão de acordo com as complexas e desafiadoras necessidades do desenvolvimento da sociedade chinesa e da humanidade. Sem dúvida a China e seu comandante Xi Jinping estarão comprometidos em realizar os avanços consagrados no novo plano quinquenal em gestação, vão continuar combatendo sem tréguas os problemas criados pela pandemia do Covid 19, promovendo a estabilidade econômica e o desenvolvimento da segurança nos planos nacional, regional e global. Desta forma, a China poderá contribuir decisivamente para a recuperação da economia mundial e ao mesmo tempo criar novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento de outros países.