“Em 2019, pelo sétimo ano consecutivo, vamos liderar o crescimento econômico da região”, comemorou o ministro da Economia e Finanças Públicas da Bolívia, Luis Arce, frisando que a “nacionalização dos recursos naturais e a industrialização têm sido essenciais para o êxito do processo de transformação comandado pelo presidente Evo Morales”.
Em entrevista exclusiva dada no salão ministerial, em La Paz, Arce registrou que a lógica do modelo adotado pelo seu partido, o Movimento Ao Socialismo (MAS), é “completamente contrária à neoliberal”, uma vez que está focada “principalmente no crescimento do mercado interno, na melhoria da qualidade de vida das pessoas”. Luis Arce assegurou que foi a construção de bases econômicas sólidas o que permitiu avanços sociais extremamente importantes, como o da geração e elevação de renda, da diminuição da taxa de desemprego – de mais de 8% para 4% -, de eliminação do analfabetismo e redução da diferença entre ricos e pobres de 128 para 40 vezes.
Para o ministro, nas eleições deste domingo os bolivianos decidirão “entre continuar com este processo de industrialização, para gerar empregos e fontes de renda diversificadas, ou retornar ao passado neoliberal, quando tivemos experiências como as do senhor Macri na Argentina, de Bolsonaro no Brasil e Lenin Moreno no Equador”.
LEONARDO WEXELL SEVERO, de La Paz – Bolívia
Às vésperas da eleição a oposição e setores da mídia alertam para a catástrofe, caso Evo continue à frente da Presidência. Na verdade, os números da economia boliviana apontam para que direção?
Os números da Bolívia talvez sejam os melhores da região, apontam que nosso país vai continuar crescendo. Inclusive nesta gestão, em 2019, vamos liderar mais uma vez o crescimento econômico da região. Serão sete anos em que a Bolívia lidera o crescimento sob a condução do presidente Evo Morales.
Isso em que pese um contexto de crise internacional, que está afetando a vários países e que fez com que muitos organismos internacionais tendam a baixar as suas projeções, inclusive para a Bolívia. Ainda assim, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) o nosso país continuará liderando nesta gestão 2019.
Por outro lado, os resultados sociais continuarão sendo bons. Seguimos reduzindo a pobreza, seguimos reduzindo o desemprego, seguimos reduzindo a distância entre ricos e pobres, continuamos com o processo redistributivo de renda, portanto seguimos melhorando os indicadores sociais.
Uma realidade totalmente diferente daquela pintada pelos catastrofistas.
Bom, este é o panorama real que temos para a Bolívia, com estabilidade de preços. Tenho escutado, querem nos comparar com outros países da região onde a inflação é alta. Nunca iremos chegar a estes indicadores, não há problemas.
Temos a inflação e a dívida externa controladas, temos os indicadores macroeconômicos sob absoluto controle e estão entre os melhores níveis.
A Bolívia teve uma inflação anual de 1,5% em 2018 e neste ano não vamos ultrapassar os 2%. A relação dívida externa/Produto Interno Bruto (PIB) não ultrapassa 24,5%. São indicadores extremamente cômodos para a economia nacional, e vamos continuar assim.
Uma das questões chaves para o desenvolvimento tem sido o forte investimento na industrialização a partir da nacionalização das riquezas nacionais, fale um pouco sobre isso.
Claro, a estratégia do modelo tem sido precisamente gerar excedentes a partir dos recursos naturais e começar o processo de industrialização para construir uma nova base econômica mais ampla e mais diversificada. E isso nós temos feito pouco a pouco.
Os excedentes que geramos são redistribuídos, na parte social. A parte propriamente econômica da nacionalização, determinada pelo presidente Evo em Primeiro de Maio de 2006, é chave para entender o que está se passando. Se não tivesse ocorrido a nacionalização dos hidrocarbonetos, jamais poderíamos ter chegado aos níveis de crescimento que tivemos. Por quê? Escutei comentaristas neoliberais falarem: é que os altos preços internacionais beneficiaram a Bolívia.
Em relação a isso a resposta é bem simples: o que teria ocorrido se não tivéssemos nacionalizado, se os preços estavam altos e fossem as transnacionais que continuassem no comando? Tudo continuaria igual, simples. Não é preciso fazer muitos modelos econométricos para poder entender isso.
Sem a nacionalização, o saque continuaria e as riquezas seguiriam sendo sangradas.
Exatamente. Então fizemos nós mesmos. Nos apropriamos do excedente que ficava com a transnacionalização dos hidrocarbonetos, que agora fica no país, um dinheiro que começou a ser distribuído entre os bolivianos com a Renda Dignidade (que ganham todos bolivianos com mais de 60 anos), o Bônus Juancito Pinto (que estimula o desenvolvimento escolar), com as políticas redistributivas de renda que temos gerado para que as pessoas melhorem a sua qualidade de vida. Isso aumentou a demanda interna, isso fez com que os empresários privados do país também sejam beneficiados, porque à medida que a demanda interna melhora, pois as pessoas mais humildes têm capacidade de compra, a produção aumenta. Por isso subimos o Produto Interno Bruto de US$ 9,5 bilhões em 2005 para mais de US$ 40 bilhões no ano passado e este ano vamos ultrapassar os US$ 42 bilhões. Então esse processo inicial de nacionalização dos hidrocarbonetos teve este efeito dinamizador.
Adicionalmente, o governo boliviano, encabeçado pelo presidente, o que tem feito é industrializar. Hoje temos unidades separadoras de líquidos no Rio Grande, para a exportação de gás para o Brasil e em Yacuiba, a Carlos Villegas, para a Argentina. Nós ainda estávamos fazendo um mau negócio, um mau negócio feito pelos neoliberais, que era vender o gás rico [que tem componentes nobres misturados ao gás].
Brasil e Argentina recebiam o nosso gás e faziam a separação e muitas vezes os produtos desta separação voltavam pelo outro lado da porta. Agora não, estes produtos ficam na Bolívia, estou falando da parte líquida. O gás seco se exporta para o Brasil e para a Argentina, que necessitam para as suas termoelétricas. E nós fazemos petroquímica com o que sobra. Adicionalmente, fizemos nossa planta de ureia, que está funcionando 100%, e estamos exportando. Temos vários projetos mais de industrialização, como a produção de plástico.
Temos outras indústrias com base nos nossos recursos naturais. A Bolívia vai entrar na produção de baterias de lítio, já está assinada a parceria com uma empresa alemã para produção e exportação de baterias de lítio. Nós temos feito a mineração e separamos o carbonato de lítio para as unidades, para produzir as baterias, e o potássio é um fertilizante. Então temos o nitrogênio com a ureia, o potássio, o fósforo, e assim vamos entrando gradualmente na petroquímica, para gerar a indústria química básica e dar o salto qualitativo da industrialização.
Adicionalmente estamos criando as condições para termos um setor agropecuário sumamente forte, já não necessitando mais de insumos importados, pois tudo estaremos produzindo nós mesmos. Se produzimos sementes, temos os fertilizantes, está em formação a fábrica de produção de agroquímicos que necessitamos, a Bolívia vai ser soberana e com uma capacidade exportadora. Esta é a Bolívia que estamos construindo.
Então temos a petroquímica, o lítio que nos dá derivados para a industrialização, estamos entrando na química básica, temos investimentos em eletricidade, temos siderúrgicas como a de Mutún, então estamos diversificando. Não seremos mais conhecidos como o país que somente exportava gás natural, hoje temos ureia, vamos ter siderurgia, exportar eletricidade, vamos exportar em grande quantidade alimentos, vamos ter o lítio para exportação de baterias e seus derivados. Estamos diversificando nossa base produtiva. É neste contexto que estamos enfrentando estas eleições.
Nas eleições deste domingo há nitidamente dois campos em disputa.
Sim. Entre os que querem continuar com este processo industrializador, para gerar empregos e fontes de renda diversificadas, ou retornar ao passado neoliberal, quando tivemos experiências como a do senhor Macri na Argentina, de Bolsonaro no Brasil e Lenin Moreno no Equador, só para dar esses exemplos.
Para esta Bolívia soberana, qual a relevância que vem tendo o investimento na educação, na formação e capacitação em ciência e tecnologia? Como a juventude vem sendo incorporada ao processo?
Já estamos há 14 anos à frente do governo e o primeiro que fizemos em 2006 foi a reforma educacional. Portanto os bacharéis que hoje estão saindo dos colégios fizeram parte desta revolução. Os jovens de hoje, que buscam mais tecnologia, que buscam mais conhecimento, que melhoraram suas capacidades intelectuais e acadêmicas, são basicamente o resultado deste nosso modelo.
A Bolívia, logo depois de Cuba, é o país que mais tem investido na educação e isso não somos nós quem diz, mas a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Somos um dos poucos países da América Latina que tem a certificação de ser livre do analfabetismo.
Essas pessoas que não sabiam ler, agora sabem ler. Agora temos a necessidade imperiosa de institutos tecnológicos, de universidades, pois para aí se está canalizando todo esse potencial gerado durante esses anos. Isso no passado era impossível. Para isso muito tem contribuído o bônus Juancito Pinto, que teve um êxito rotundo ao reduzir a taxa de deserção escolar, que era a mais alta da região. O êxito se deve a termos implementado e, o mais importante, a jamais termos eliminado as políticas sociais durante todos esses anos. As políticas sociais seguem, se mantêm, e é por isso que a Bolívia é exitosa.
Há uma herança, um passado neoliberal doloroso. Bolsonaro chegou e acabou com o Ministério do Trabalho. Aqui vocês vão por outro caminho. Li nos jornais de hoje que estão implementando uma nova lei para proteger a saúde dos trabalhadores da construção e os resultados positivos do crescimento econômico.
Nosso modelo adota a lógica completamente contrária à neoliberal, que está baseado no aumento das exportações. Nós fundamentos nosso crescimento principalmente no mercado interno. Porque tínhamos 38% da nossa população mergulhada na pobreza extrema. E o que fizemos? Melhorar a qualidade de vida destas pessoas. Tiramos mais de dois milhões de bolivianos da extrema pobreza.
No passado, 65% da população recebia baixos salários, hoje temos 62% com salários médios. Houve uma melhora qualitativa no mercado interno, na demanda interna, que evidentemente tem repercutido em todos os indicadores. Há mais consumo não só nos supermercados e nos restaurantes, em que houve um crescimento de mais de 930% (novecentos e trinta!) no seu faturamento. Também tivemos um crescimento impressionante nas passagens de avião, que hoje não é mais um privilégio dos ricos.
Adicionalmente, houve uma elevação importante no consumo de eletricidade que, como todos sabemos, é um parâmetro para medir a qualidade de vida das pessoas. Hoje as pessoas consomem mais eletricidade porque têm mais eletrodomésticos.
Sem ter de pagar mais de 1.000% de reajuste, como no caso da Argentina.
Contamos hoje com gás domiciliar e a vida das pessoas mudou. Vou te dar alguns exemplos bem simples: antes para comprar gás tinhamos que sair de casa com um botijão de 25 quilos e esperar que passasse o caminhão. Isso exigia uma mobilização da dona de casa, de toda a família. Hoje o gás chega a domicílio. Já não precisas perder tempo. E baixou o preço. Se antes custava 25 bolivianos o botijão, hoje paga-se nove bolivianos pelo fornecimento de todo o mês. Uma melhora qualitativa não só na vida, mas na economia das pessoas.
Outro exemplo: o fato de que tenham aparecido nos lares liquidificadores, lavadoras de roupa e diferentes tipos de eletrodomésticos na família é muito importante. Na família em que se incorpora uma lavadora, o que antes se lavava manualmente, em longas e tediosas jornadas, hoje se faz numa máquina. Isso possibilita uma vida melhor para as mães e pais, que não precisam mais estar usando seus finais de semana. Isso ocorre porque hoje tem a oportunidade de comprar estas máquinas e têm acesso à eletricidade. Esta família pode fazer outras coisas, vivendo e convivendo melhor. Tem havido nestas pequenas coisas, nestas micro coisas, uma amostra clara da melhoria de vida dos bolivianos.
Quais os efeitos dessa política sobre a desigualdade social ?
A Bolívia não é só o país que mais reduziu o índice de pobreza extrema na região, mais de 22%, nestes 13 anos de governo, não só reduzimos a diferença entre ricos e pobres – que era de 128 vezes para 40 vezes – diminuímos a taxa de desemprego, que era de mais de 8% no período neoliberal e hoje é de 4%, somos o país da região que tem a menor quantidade de desempregados. Quero concluir toda essa análise da parte social com a expectativa de vida.
O Brasil de 2005 até 2019 melhorou a expectativa da população em quatro anos e meio, de acordo com o Banco Mundial. Neste mesmo período, a expectativa de vida dos bolivianos aumentou em dez anos. Dez anos! Aí se traduz na realidade tudo isso que venho dizendo sobre a melhora da educação, da saúde, na maior expectativa de vida da região. Coloquei o exemplo do Brasil porque é o segundo que mais aumentou a expectativa de vida. E o Chile, que é o terceiro, aumentou três anos. Tínhamos a expectativa de vida mais baixa: 63 anos, hoje temos 73 anos. Esta é uma melhora qualitativa importantíssima.
Como avalias o papel da comunicação, da manipulação realizada por conglomerados que não permitem que as pessoas tenham acesso à informação, que saibam o que está acontecendo dentro dos nossos próprios países…
Isso é terrível. Temos aqui jornais como o Página 7 que de forma grosseira demonstra sua tendência política, que só falta colocar como manchete “Votem pelo senhor Mesa”, todos os dias. E nem ficariam vermelhos, pois é isso o que tem feito durante todo o tempo. A todo o momento tudo o que fazem é publicar más notícias sobre o governo, sempre com destaque, na primeira página, enquanto minimizam ou simplesmente desaparecem com as boas.
E vitaminando o racismo, acirrando o regionalismo preconceituoso e as divergências, como pude constatar em Santa Cruz.
Exatamente. E isso com o objetivo único de exacerbar os ânimos no país, particularmente no período eleitoral. Ocorreu o mesmo com vários jornais em Santa Cruz. Temos meios de comunicação, impressos especialmente, muito radicais, que vestiram demasiadamente a camiseta e, portanto, em nada imparciais. Portanto, este discurso de que a imprensa reflete objetivamente, isso é um discurso, patranhas que não compartilho, porque há uma clara tendência nos meios de comunicação. Há mais moderação nas rádios, ainda que não em todas, e muito mais moderação na televisão, que parece ter se dado conta de que iriam expor muito o jornalismo, que parece que compreenderam que o alinhamento compromete demasiadamente os veículos e a seu público. Isso não quer dizer que não tenha havido inclinação ou tendência na televisão, mas é mais moderada.
Dizem haver 45 mil bolivianos no Brasil com direito ao voto. Qual a sua mensagem a eles?
Na verdade deveria ter ido ao encerramento da campanha em São Paulo mas tive problemas com o voo em Buenos Aires que me impediram de chegar. Quero dizer aos meus compatriotas no Brasil o mesmo que disse aos meus compatriotas na Argentina: a Bolívia nestes últimos 13 anos fez o que nenhum governo, em nenhum período, jamais fez pelo nosso país. Fizemos nosso país crescer e temos mudado a visão que tinham de nós no exterior. Antes ser boliviano era ser o último, era ser embaraçoso e hoje nos dignificamos. Hoje já não se vê a Bolívia como um país que está à margem, mas como um país com um enorme potencial para seguir crescendo. Este é o país que eles tiveram de abandonar quando aqui não havia oportunidades, quando não havia esperança. Foi neste período que eles tiveram de abandonar em busca de melhores oportunidades, que hoje estão sendo geradas, pois estamos revitalizando o país, dando um futuro ao país.
E somente poderemos garantir a continuidade deste processo se o presidente Evo continuar à frente destas transformações. Porque tanto o senhor Mesa como Ortiz, como quaisquer dos candidatos de oposição, o que querem é mudar o modelo, mudar as coisas que estão sendo feitas e trazer de volta o velho modelo neoliberal, o mesmo que os povos brasileiro e argentino estão enfrentando, o mesmo do senhor Moreno, no Equador, que adotam medidas tão drásticas contra a população, fazendo o jogo do Fundo Monetário Internacional.