(HP, 14-18/07/2017)
A sentença do juiz Moro que condenou Lula a nove anos e meio de cadeia é baseada, sobretudo, em provas documentais. As provas testemunhais – os depoimentos – são complementares, mas não são o fundamento da sentença, extremamente minuciosa em suas 260 páginas.
A propósito, diante do que Moro descreveu em sua sentença, a ladainha de que Lula estaria sofrendo uma “perseguição política” quer dizer apenas que esses indivíduos consideram que ele deveria estar acima da lei. Qualquer aplicação da lei a Lula seria, portanto, “perseguição política”, mesmo em um caso de crime comum onde as provas materiais são escandalosas.
Aliás, vendo (ou ouvindo) os corifeus lulistas sobre a condenação de seu paraninfo, o máximo que se pode dizer é que a burrice e o servilismo são tão desumanos – ou desumanizantes – quanto a desonestidade, a corrupção, o assalto ao dinheiro da coletividade meramente para “se arrumar”.
Pois existem os que dizem que “não há provas” porque querem se arrumar – ou já se arrumaram, mas querem mais – e existem aqueles que repetem o que dizem os que querem se arrumar. Entre estes, existem os que foram iludidos em sua boa fé.
PROPOSTA
Mas o que Lula e seus corifeus querem esconder?
1) Na residência de Lula, a PF apreendeu um termo de adesão e compromisso de aquisição do apartamento 174 (depois renumerado para 164-A, o famoso triplex), no Residencial Mar Cantábrico, depois renomeado para Condomínio Solaris, em Guarujá.
2) Também na residência de Lula, a PF apreendeu uma cópia carbono de uma “Proposta de adesão sujeita à aprovação”, assinada por Dª Marisa Letícia Lula da Silva, com a data de 12/04/2005.
3) Na sede da Bancoop – a “cooperativa” do sr. Vaccari, que construía o condomínio de Guarujá, depois passado para a OAS – a PF aprendeu o original dessa “Proposta de adesão”. O número do apartamento, nessa “proposta”, estava rasurado – e havia, no lado esquerdo do documento, outra rasura.
4) Essa “Proposta de adesão” foi periciada pela PF (Laudo Pericial 1576/2016). Depois, a pedido da defesa de Lula, foi realizada perícia complementar. A conclusão dos peritos foi que a proposta foi preenchida originalmente com o número ‘174’ no espaço reservado para o apartamento. Depois, houve uma falsificação, que sobrepôs no mesmo lugar o número ‘141’ – o número do apartamento simples que Dª Marisa tinha começado a pagar.
5) O apartamento 174 é o mesmo que, renumerado para 164-A, tornou-se o triplex que a OAS reservou para Lula. Portanto, a rasura para sobrepor o número 141 tinha o objetivo de esconder que a “aquisição” de que tratava essa proposta era a do triplex.
6) O laudo complementar, requerido pela defesa de Lula, e o parecer do assistente técnico “não divergiram quanto a esta conclusão”. Quanto à rasura do lado esquerdo do documento, constatou-se que, nela, antes de rasurada, encontrava-se a palavra “TRIPLEX”.
7) Conclusão: “Nos documentos de aquisição, já se fazia referência à unidade 174, o que se depreende não só das rasuras na ‘proposta de aquisição’, como do ‘termo de adesão e compromisso de participação’ apreendido na residência do ex-Presidente e no qual se fazia referência à unidade 174, a correspondente, posteriormente, ao triplex” (cf. pp. 52 a 54 da sentença do juiz Moro).
Lula e sua família não protestaram quando o jornal “O Globo”, em 2010 (portanto, com Lula na Presidência), publicou matéria, relatando que “o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, são donos de uma cobertura na praia das Astúrias, no Guarujá (…). Procurada, a Presidência confirmou que Lula continua proprietário do imóvel. (…) É nele que a família Lula da Silva deverá ocupar a cobertura triplex, com vista para o mar” (Tatiana Farah, “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado”, O Globo, 10/03/2010, grifos nossos).
Como é que, em 2010 – quando não havia investigação alguma sobre Lula – a Presidência da República confirmou a propriedade de um triplex que o mesmo Lula, em seu depoimento ao juiz Moro, afirmou que só em 2013 ouvira falar dele?
As versões de Lula sobre o mesmo ponto – há várias – e sua ausência de explicações são, aliás, recorrentes nesse processo. Vejamos algumas coisas objetivas:
1) Quando Vaccari passou o condomínio da Bancoop para a OAS “todos os cooperados tiveram que optar, no prazo de trinta dias contados de 27/10/2009, por celebrar novos contratos de compromisso de compra e venda”. Lula e Marisa Letícia não optaram nem retomaram o pagamento das parcelas e afirmaram, em ação cível promovida em 2016, que só requereram a desistência em 26/11/2015.
2) A acusação dos procuradores foi que “o ex-Presidente, quando o empreendimento imobiliário estava com a BANCOOP, teria pago por um apartamento simples, nº 141-A, cerca de R$ 209.119,73, mas o Grupo OAS disponibilizou a ele, ainda em 2009, o apartamento 164-A, triplex, sem que fosse cobrada a diferença de preço. Posteriormente, em 2014, o apartamento teria sofrido reformas e benfeitorias a cargo do Grupo OAS para atender ao ex-Presidente, sem que houvesse igualmente pagamento de preço. Estima o MPF os valores da vantagem indevida em cerca de R$ 2.424.991,00, assim discriminada, R$ 1.147.770,00 correspondente à diferença entre o valor pago e o preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221,00 em benfeitorias e na aquisição de bens para o apartamento”.
3) Também isso está baseado em provas materiais: as notas das várias empresas em que os bens para as “benfeitorias” foram adquiridos e as mensagens de texto nos celulares dos executivos da OAS.
4) A OAS ou a BANCOOP jamais tomaram qualquer medida para que Lula e família realizassem a opção entre formalização da compra ou da desistência, nem cobraram as parcelas pendentes.
5) A OAS vendeu a outra pessoa o apartamento 131-A, correspondente ao antigo 141-A, indicado no contrato de aquisição de direitos subscrito por Marisa Letícia Lula da Silva.
6) A OAS jamais colocou a venda o triplex 164-A.
7) Documentos internos da OAS apontam que o apartamento 164-A estava reservado.
8) A “vantagem indevida” de R$ 2.424.991,00 equivale a 15% da propina que a OAS passou ao PT por conta do sobrepreço e superfaturamento nas obras das refinarias Abreu e Lima e Getúlio Vargas (R$ 16 milhões, em números redondos).
REFORMAS
Há uma obervação importante do juiz Moro: além dos funcionários da OAS – que testemunharam que, antes de vendê-los, a empresa jamais fez reformas em apartamentos do porte que fez no apartamento 164-A – o próprio caráter das reformas aponta que o triplex estava sendo “personalizado”:
“… não se amplia o deck de piscina, realiza-se a demolição de um dormitório ou retira-se a sauna de um apartamento de luxo para incrementar o seu valor para o público externo, mas sim para atender ao gosto de um cliente, já proprietário do imóvel, que deseja ampliar o deck da piscina, que pretende eliminar um dormitório para ganhar espaço livre para outra finalidade, e que não se interessa por sauna e quer aproveitar o espaço para outro propósito”.
É verdade.
CARLOS LOPES