Lula foi empossado, representando o Brasil, presidente do G20, com mandato que vai até o final de 2024, e afirmou que dará prioridade ao combate à fome, à transição energética e à reforma das instituições de governança global, com presença dos países em desenvolvimento.
Em entrevista, Lula voltou a criticar a atuação dos Estados Unidos na guerra da Ucrânia, açulando com dezenas de bilhões o conflito. O presidente declarou que os “EUA estão diretamente envolvidos na guerra”.
Em discurso feito no encerramento da 18ª Cúpula do G20, o presidente do Brasil informou que criará no grupo duas forças-tarefas: “a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza; e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima”.
Para Lula, “precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos”. Ele ainda ressaltou que os países vão precisar investir nesse tipo de política.
Além disso, “queremos maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional [FMI]”.
“A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada”, enfatizou. “A OMC [Organização Mundial do Comércio] tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar”.
Ainda no tema dos órgãos de governança global, Lula disse que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) “precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes” para “recuperar sua força política”.
Vivemos em um mundo “em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado”, criticou.
Em novembro de 2024, o Rio de Janeiro sediará a próxima Cúpula do G20, encerrando o mandato do Brasil na Presidência do grupo.
PUTIN SERÁ CONVIDADO PARA G20 NO BRASIL
Em entrevista ao jornal indiano FirstPost, Lula afirmou que convidará o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para a reunião do G20 no Brasil e que “não existe a possibilidade” dele ser preso durante a viagem.
“O Putin pode ir tranquilamente para o Brasil. Eu posso lhe dizer, se eu for o presidente do Brasil e ele for ao Brasil, não há por que ele ser preso”, disse.
“Ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil. É preciso as pessoas levarem muito a sério isso”, continuou.
Putin já deixou de comparecer em reuniões por conta de uma condenação pelo chamado Tribunal Penal Internacional (TPI). O Kremlin considera o órgão “uma marionete nas mãos do Ocidente coletivo, que está sempre pronto para exercer pseudo-justiça sob encomenda”.
“Antes do G20 no Brasil, teremos o Brics na Rússia, e eu vou ao Brics na Rússia no próximo ano. Todo mundo vai para a reunião do Brics e espero que também venham para o G20 no Brasil”.
A Cúpula do G20, segundo Lula, “não é o fórum apropriado para discutir a guerra na Ucrânia. O lugar é a Assembleia Geral da ONU, para que chamemos Putin e Zelensky quando estiverem prontos para a mesa de negociações”, defendeu.
O presidente Lula tem criticado a postura dos países que estimulam a guerra com armamentos e dificultando qualquer tratativa de paz. “Os EUA estão diretamente envolvidos na guerra. Outros países não estão e não querem discutir a guerra. Querem discutir a paz”, declarou.
O presidente brasileiro ainda criticou duramente o bloqueio dos EUA contra Cuba. “É inimaginável que Cuba tenha um bloqueio por 60 anos”, disse, criticando as sanções norte-americanas à ilha caribenha. “A primeira oportunidade que tiver com Biden vou dizer a ele que é necessário parar de penalizar Cuba. Não é um país que tem terroristas,” reforçou o presidente.
Na entrevista, Lula repeliu a hostilidade dos Estados Unidos contra a China. “Não vejo bem essa briga entre EUA e China. Não é uma coisa boa. É uma tentativa de criar uma nova guerra fria, que não foi boa para a humanidade,” afirmou.
Leia o discurso de Lula na íntegra no encerramento do G20:
Bem, primeiro gostaria de dizer às autoridades aqui presentes, suas altezas, aos presidentes, aos primeiros-ministros, de que a natureza continua dando demonstração de que nós precisamos cuidar dela com muito mais carinho.
Essa semana, há três dias atrás, no Brasil, um ciclone, no estado do Rio Grande do Sul – nunca tinha havido ciclone –, matou quarenta e seis pessoas e tem quase cinquenta pessoas desaparecidas. Isso nos chama a atenção porque fenômenos como esse têm acontecido nos mais diferentes lugares do nosso planeta.
Bem, eu quero, primeiro, cumprimentar o primeiro-ministro Narendra Modi pela condução eficaz da Presidência indiana do G20, e pelo excelente trabalho na preparação dessa Cúpula e no carinho que foi dedicado a todos nós, convidados, nesses dia que nós passamos aqui.
Agradeço os esforços da Índia em dar voz a temas de interesse dos países emergentes. Por isso, eu quero me solidarizar aqui com o nosso querido companheiro, representante da União Africana, que agora faz parte do G20.
Há 15 anos, este grupo se consolidou como uma das principais instâncias de governança global na esteira de uma crise que abalou a economia mundial.
Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo.
A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas.
Novas urgências surgiram. Os desafios se acumularam e se agravaram.
Vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada.
Em que milhões de seres humanos ainda passam fome.
Em que o desenvolvimento sustentável está sempre ameaçado.
Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado.
Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade.
A desigualdade de renda, de acesso a saúde, educação e alimentação, de gênero e raça e de representação está na origem de todas essas anomalias.
Se quisermos fazer a diferença, temos que colocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.
Por isso, a presidência brasileira do G20 terá três prioridades:
(i) a inclusão social e o combate à fome
(ii) a transição energética e o desenvolvimento sustentável em três vertentes (social, econômica e ambiental) e
(iii) a reforma das instituições de governança global
Todas essas prioridades estão contidas no lema da Presidência brasileira, que diz: “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”.
Duas forças-tarefas serão criadas: a Aliança Global contra a a Fome e a Pobreza; e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
Precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos.
Agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes, e também recursos e transferência de tecnologia.
Queremos maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada.
A OMC tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar.
Para recuperar sua força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com a presença de novos países em desenvolvimento entre seus membros permanentes e não permanentes.
A comunidade internacional olha para nós com esperança, porque reunimos no G20 economias de países emergentes e países desenvolvidos.
Representamos 80% do PIB global, 75% das exportações e cerca de 60% da população mundial.
Para assegurar que o G20 atue de forma inclusiva e coerente, o Brasil pretende organizar os trabalhos em torno de três orientações gerais:
Primeiro, nós vamos fazer com que as trilhas política e de finanças se coordenem e trabalhem de forma mais integrada.
Não adianta acordarmos a melhor política pública se não alocarmos os recursos necessários para sua implementação.
Segundo, nós temos de ouvir a sociedade.
Não existem governos sem sociedade.
A Presidência brasileira vai assegurar que os grupos de engajamento tenham a oportunidade de reportar suas conclusões e recomendações aos representantes de governo.
Terceiro, nós não podemos deixar que questões geopolíticas sequestrem a agenda de discussões das várias instâncias do G20.
Não nos interessa um G20 dividido.
Só com uma ação conjunta é que podemos fazer frente aos desafios dos nossos dias.
Precisamos de paz e cooperação em vez de conflitos.
O caminho que nos levará de Nova Delhi ao Rio de Janeiro exigirá de todos muita dedicação e empenho.
Os grupos técnicos e as reuniões ministeriais preparatórias serão sediadas em várias cidades de todas as cinco regiões do nosso país.
Por isso, nós acolheremos os integrantes do G20 de braços abertos e precisamos, efetivamente, do apoio de todas as pessoas, inclusive a experiência dessa bem-sucedida Cúpula feita no nosso querido país que é a Índia.
Terei a honra de receber todos vocês na Cúpula do Rio de Janeiro em novembro de 2024. E quero, antes de bater o martelo, eu quero agradecer ao presidente Modi e agradecer ao povo indiano pela competência da organização.
E eu quero dizer, presidente Modi, que eu, particularmente, fico muito emocionado quando estou em uma homenagem ao nosso querido Gandhi. Todo mundo sabe que, na minha vida política, Mahatma Gandhi tem muito significado, porque a luta pela não violência é um exemplo que, por muitas décadas, eu segui quando estava no movimento sindical. Por isso, eu fiquei emocionado e quero agradecer a oportunidade de ter ido prestar homenagem ao Gandhi e quero dizer a todos vocês que o Brasil assumirá o G20 e vamos fazer um esforço muito grande para conseguirmos fazer, pelo menos, igual os companheiros da Índia fizeram.
Muito obrigado.