Para Lula, a tentativa de golpe de Estado não vingou por causa das reações dos Três Poderes e dos governadores. Ele criticou também a insensibilidade de quem fala em responsabilidade fiscal sem se ater à responsabilidade social
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta quarta-feira (18) que teve a impressão de que os invasores das sedes dos Três Poderes estavam “acatando uma ordem e uma orientação”, disse Lula, sobre os atos terroristas ocorridos no dia 8 de janeiro.
TENTATIVA DE GOLPE
“Eu acho que a decisão de Bolsonaro de ficar quieto depois de perder as eleições, semanas e semanas sem falar nada. A decisão dele de não passar a faixa para mim, de ir embora para Miami como se estivesse fugindo com medo de alguma coisa e o silêncio dele, mesmo depois do acontecimento daqui, me dava a impressão que ele sabia de tudo o que estava acontecendo, que ele tinha muito a ver com aquilo que estava acontecendo”, disse.
“Fiquei com a impressão que era o começo de um golpe de Estado”, acrescentou o presidente. Para Lula, a tentativa de golpe de Estado não vingou por causa das reações dos Três Poderes e dos governadores. O presidente disse que houve uma união para “garantir a democracia brasileira”, o que fez com que os radicais não avançassem com a tentativa de golpe.
“Não foi nenhum analfabeto político que invadiu isso aqui. Era gente que preparou isso durante muito tempo. Eles não tiveram coragem de fazer nada durante a posse. Na verdade, nós cometemos um erro, eu diria elementar: a minha inteligência não existiu. Eu saí daqui na sexta-feira com a informação que tinham 150 pessoas no acampamento, que estava tudo tranquilo, que não iriam permitir que entrasse mais ônibus, que não iriam permitir que juntasse mais ninguém. Eu viajei para São Paulo na maior tranquilidade. E aconteceu o que aconteceu”, afirmou.
O presidente afirmou que não há dúvida que “houve negligência de quem tinha obrigação de tomar conta do palácio”.
ANDERSON SERÁ INVESTIGADO
Para Lula a atitude de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do DF, que comandava os órgãos de segurança do Distrito Federal no momento da invasão, foi grave e deve ser investigada. “[Ele] sabia o que ia acontecer, foi embora e, quando voltou, deixou o celular lá. Pra gente não fazer as investigações. Mas nós vamos fazer as investigações”, garantiu o presidente.
Lula disse que durante a crise falou com Flávio Dino e optou por fazer uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal. Ele descartou a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e citou a experiência do Rio. “Quando fizeram GLO no Rio de Janeiro, o Pezão, que era governador, virou rainha da Inglaterra. Eu tinha acabado de ser eleito presidente da República. […] O importante é que eu fui eleito presidente da República desse país. E eu não ia abrir mão de cumprir com as minhas funções e exercer o poder na sua plenitude”, destacou.
O presidente defendeu, ainda, que todos os envolvidos nos ataques sejam punidos, sejam eles quem forem. Ele destacou, no entanto, que não apoia a instalação de uma CPI. “Nós temos instrumentos para fiscalizar o que aconteceu nesse país. Uma comissão de inquérito pode não ajudar e ela pode criar uma confusão tremenda, sabe? Nós não precisamos disso agora”, afirmou.
VAMOS APURAR COM PACIÊNCIA
“Nós vamos apurar com muita paciência. Eu não quero ser precipitado, eu não quero cometer o erro que foi cometido na década de 70 contra a esquerda, que você prendia, torturava, e nós não vamos fazer nada disso. As pessoas que foram presas vão ser ouvidas, sabe? As pessoas vão ter direito à defesa, sabe? As pessoas vão ser punidas se a gente provar que eles foram culpados”, afirmou. “Senão, a gente não garante a existência, a sobrevivência da democracia. E com a democracia, a gente não pode brincar.”
De acordo com o presidente, é preciso “não politizar as Forças Armadas”. “O soldado, o coronel, o sargento, o tenente, o general, ele tem direito de voto, ele tem direito de escolher quem ele quiser para votar. Agora, como ele é um cargo de carreira, ele defende o Estado brasileiro. Ele não é Exército do Lula, ele não é do Bolsonaro, não foi do Collor, não foi do Fernando Henrique Cardoso”, continuou o presidente.
INVESTIMENTOS NAS FORÇAS ARMADAS
Na entrevista, Lula falou sobre a importância de se fazer investimentos nas Forças Armadas. “Estou chamando os comandantes para conversar, porque a primeira vez que eu conversei com os comandantes eu discuti o fortalecimento da indústria de defesa nesse País. Pedi para que cada força me apresentasse a dificuldade que eles estão vivendo do ponto de vista da estrutura funcional”.
Segundo o presidente, “precisamos ter Forças Armadas preparadas e fortalecidas para que a gente cumpra a Constituição, a defesa do povo brasileiro contra qualquer possível ataque externo”, disse.
“A primeira coisa que a gente tem que ter claro é que a extrema-direita, ela existe hoje no mundo inteiro. […] Agora, o que precisamos é derrotar essa narrativa fascista que tem no Brasil.” “Aí nós vamos ter que as forças democráticas se manifestem, não importa a qual partido político a pessoa pertença. Não importa a origem social”, afirmou Lula.
O presidente acrescentou que as instituições não precisam ter partido nem candidato. “A Suprema Corte não é do Lula. Sabe? Essas instituições que dão garantia a esse país não precisam ter partido e não precisam ter candidato, eles têm que defender o Estado brasileiro e defender a Constituição. E eu quero conversar com eles (os comandantes) abertamente. Sabe? Porque, da mesma forma que eu escolhi eles, quando eu escolhi, teve critério para escolher”, completou Lula.
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Lula aproveitou a entrevista para enfatizar que o pais precisa voltar a crescer. “Esse é o mandato da minha vida. Eu só voltei a ser presidente da República porque eu acredito que a gente pode recuperar esse país. Eu acredito que a gente pode fazer com que as pessoas possam voltar a viver bem”, afirmou.
Ele voltou a defender que os recursos direcionados para setores como Saúde e Educação são investimentos e não gastos. Para o presidente, esse dinheiro é usado para melhorar a vida das pessoas. Ele criticou também os juros altos e a inflação. Disse ,ainda, que a atual meta de inflação do BC impede o crescimento do país.
“Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando faz isso, é preciso arrochar mais a economia para atingir aquele 3,7%. Por que precisava fazer 3,7%? Por que não faz 4,5%, como fizemos [nos mandatos anteriores]? A economia brasileira precisa voltar a crescer”, repetiu o presidente.
“Nesse país, se brigou muito para ter um BC independente, que ia melhorar o quê? Eu posso te dizer com a minha experiência: é uma bobagem achar que o presidente de um BC independente vai fazer mais do que fez o BC quando o presidente [da República] era quem indicava”, afirmou Lula.
“Eu duvido que esse presidente do BC [Roberto Campos Neto] seja mais independente do que foi o [Henrique] Meirelles. Eu duvido. Por que, com o BC independente, a inflação está do jeito que está e o juros está do jeito que está?”, questionou.
“Não peçam para mim seriedade fiscal. O que eu quero é que as pessoas que pedem estabilidade fiscal tenham responsabilidade social. Assumam compromisso com o social, porque não é possível esse país ter gente na fila do osso para pegar carne, ter 30% de pessoas passando fome”, pontuou.
Lula disse, também, que um de seus objetivos é isentar do Imposto de Renda (IR) todos aqueles que ganham até R$ 5 mil mensais. “Eu defendi durante a campanha e vamos tentar colocar em prática, na proposta de reforma tributária, que até R$ 5 mil a pessoa não pague Imposto de Renda. Não é possível que a gente não faça”, afirmou o presidente.