A carta de Lula, divulgada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em que ele diz que “fiquei perplexo ao saber que o Moro e o Ministério Público não vão cumprir a determinação do STF. Que país é esse em que uma instância inferior desacata a superior, em que um juiz de primeira instância desacata os ministros da suprema corte?”, é mais uma confissão do que, propriamente, uma manifestação de indignação.
Moro – tampouco o Ministério Público – não desacatou ninguém, nem desrespeitou decisão alguma do STF.
Porém, comecemos pelo óbvio: Lula foi condenado, e está preso, por roubar o Erário – ou seja, o dinheiro do povo, recebendo propinas de achacadores da Petrobrás. Devido às provas, Lula foi condenado duas vezes, por quatro juízes diferentes, no caso do triplex. E esse é apenas o primeiro processo que chegou à fase de sentença. Existem outros cinco, dois deles com o juiz Moro.
No entanto, pela sua carta, é o juiz Moro e os procuradores da República que desrespeitam a Justiça e as leis. Antigamente se falava muito em “inversão de valores”. Pois aqui temos uma inversão do crime (ou, talvez, inversão da culpa).
Evidentemente, o fato de Lula estar condenado não justifica qualquer decisão contra ele que não tenha fundamento. Mas o que espanta, nesse caso, é a completa cara de pau. Em outros réus e condenados, existe alguma demonstração – ainda que possa ser encenada – de arrependimento. Em Lula, esse elemento moral está ausente, e de modo absoluto, até como encenação.
Porém, de que ele está falando?
Da decisão de Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, que, no dia 24, na segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou as confissões dos funcionários (e donos) da Odebrecht das provas que constam nos processos que ainda estão sendo julgados por Sérgio Moro – referentes ao sítio de Atibaia e à operação “casada” de aquisição de um terreno para o Instituto Lula com a compra, através de um laranja, do apartamento contíguo ao que Lula reside, para dobrar o tamanho de sua moradia.
No entanto, a decisão de Lewandowski, Mendes e Toffoli não retirou esses processos da responsabilidade do juiz Moro. Retirou parte das provas dos processos, mas não os processos.
O motivo é que até o ministro Toffoli, apesar de dizer que “a investigação se encontra em fase embrionária” (o que, se não é mentira cínica, revelaria tremenda ignorância sobre os processos que estão com Moro), sabe que os depoimentos dos funcionários e donos da Odebrecht não são as únicas provas que existem da propina recebida por Lula.
A reação de Lula, no entanto, mostra que o plano era usar a decisão dos três mosquiteiros do acordão para tirar os processos das mãos de Moro. Por isso, ele não se conformou – ou não conseguiu se segurar – quando o juiz Moro se recusou a colaborar. Não é, aliás, a primeira vez, desde a época em que era sindicalista, que Lula manifesta seu inconformismo por outros não se submeterem a seus tacanhos interesses.
Mas a verdade é que Moro não tem – nem ninguém – essa obrigação.
PRECIPITAÇÃO
No dia seguinte à decisão de Mendes, Lewandowski e Toffoli, os advogados de Lula, com base nessa decisão, entraram com pedido para que Moro enviasse à Justiça Federal de São Paulo as ações que estão sob sua responsabilidade.
Quase ao mesmo tempo, os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato entraram com pedido oposto, argumentando que “tal decisão não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto juízo para processar e julgar a presente ação penal”.
Ao decidir sobre a questão, o juiz Moro considerou:
“Entendo que há aqui, com todo o respeito uma precipitação das partes [tanto da defesa quanto dos procuradores], pois, verificando o trâmite do processo no Egrégio Supremo Tribunal Federal, o respeitável acórdão sequer foi publicado, sendo necessária a medida para avaliar a extensão do julgado do colegiado.
“Pelas informações disponíveis, porém, acerca do respeitável voto do eminente Relator Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão, não há uma referência direta nele à presente ação penal ou alguma determinação expressa de declinação de competência desta ação penal.
“Aliás, o eminente Ministro foi enfático em seu respeitável voto ao consignar que a decisão tinha caráter provisório e tinha presente apenas os elementos então disponíveis naqueles autos.
“Oportuno lembrar que a presente investigação penal iniciou-se muito antes da disponibilização a este Juízo dos termos de depoimentos dos executivos da Odebrecht em acordos de colaboração, que ela tem por base outras provas além dos referidos depoimentos, apenas posteriormente incorporados, e envolve também outros fatos, como as reformas no mesmo Sítio supostamente custeadas pelo Grupo OAS e por José Carlos Costa Marques Bumlai” (grifo nosso).
Moro lembra que o lugar de discutir a competência de um juiz para julgar um processo não é o próprio processo, mas uma ação à parte (denominada “exceção de incompetência”), e que a defesa de Lula já entrou com essa ação:
“Já foi interposta pela Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva a exceção de incompetência em relação à presente ação penal [sítio de Atibaia], pendente de julgamento. Aliás, foi a única parte, entre treze acusados, a reclamar da competência. Aqui assiste razão à Defesa ao reclamar da falta de julgamento da exceção, o que, no entanto, é produto do acúmulo de processos perante este Juízo e da própria sucessão de requerimento probatórios das Defesas na presente ação penal”.
Tudo muito tranquilo e racional – quase óbvio.
Mas Lula não se conforma com coisas (ou sentenças) racionais….
PARA INFORMAÇÃO DO LEITOR
A decisão dos três ministros que substituíram a lei pelo acordão (não confundir com “acórdão”] entre o PT, PMDB e PSDB – subtrai dos processos que estão com Moro as seguintes provas:
A) os depoimentos de Emílio Odebrecht (Termos de Depoimento nos 6, 11, 12, 17, 21, 23 e 24);
B) os depoimentos de Marcelo Odebrecht (Termos de Depoimento nos 13, 14 e 15);
C) os depoimentos de Alexandrino Alencar, principal lobista, depois de Emílio Odebrecht, do grupo junto a Lula (Termos de Depoimento nos 12, 13, 14, 15 e 20);
D) o depoimento de Carlos Armando Paschoal, superintendente da Odebrecht em São Paulo (Termo de Depoimento nº 11);
E) o depoimento de Emyr Diniz Costa Junior, engenheiro responsável pelas obras do sítio de Atibaia (Termo de Depoimento nº 2);
F) o depoimento de Paul Elie Altit, presidente da Odebrecht Realizações Imobiliárias (Termo de Depoimento nº 18);
G) o depoimento de Paulo Ricardo Baqueiro de Melo, superintendente da Odebrecht Realizações Imobiliárias (Termo de Depoimento nº 1);
H) e o depoimento de João Carlos Mariz Nogueira, diretor da Odebrecht (Termo de Depoimento nº 4).
No entanto, como dizem os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, “a decisão do STF evidentemente não impede que os mesmos colaboradores sejam ouvidos sobre fatos relevantes para instrução de outras investigações e ações penais, que tiveram e têm sua competência definida no âmbito dos canais próprios de decisão e revisão do Judiciário”.
E acrescenta o Ministério Público:
“Vários deles, aliás, já foram ouvidos na investigação que embala esta ação penal. Os depoimentos foram colhidos, no curso regular da instrução do caso, seguindo-se todas as normas procedimentais e legais atinentes, de modo plenamente regular, não sendo em nada afetados pela referida decisão”.
C.L.
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