CARLOS LOPES
Há poucos meses (v. HP 29/03/2017) nos referimos a um artigo do sr. Samuel Pinheiro Guimarães, que atribuía à Operação Lava Jato – e ao juiz Moro, apresentado como perigoso agente do imperialismo norte-americano – os problemas que a política de Dilma e Temer causaram – e estão causando – ao país. Como consequência, seu autor promovia um incensamento de candidatos a monopólios (Odebrecht e outros campeões “nacionais” do PT), mostrando surpreendente ignorância sobre o conteúdo econômico, e as consequências sociais e políticas, dos monopólios na economia capitalista.
Agora, o sr. Guimarães publicou uma vasta coleção de teses – 55 ao todo – sobre Meirelles e a sua política de devastação nacional.
É significativo que a maioria dos que reproduziram as teses do sr. Guimarães não as tenha reproduzido por inteiro (tal como publicadas originalmente), mas apenas uma pequena parte.
Diz o sr. Guimarães que Meirelles é a tragédia – ou, como disse um de seus admiradores, “o inimigo” – do país. Não é propriamente uma novidade. Não sabemos, pelo que vem a seguir, até que ponto essa convicção de Guimarães é sincera ou firme (um dos pseudo-nacionalistas do círculo do sr. Guimarães escreveu: “tenho comentado com camaradas da sombria profissão de economista que Henrique Meirelles não é mau sujeito”).
O fato é que o credo anti-meirellista do sr. Guimarães só vale para quando Meirelles está servindo a Temer (ou se servindo de Temer, o que é mais exato). Não vale para quando Meirelles está servindo a Lula (ou se servindo de Lula, o que, também, é mais exato).
No seu texto, exceto a menção de que Meirelles é “ex-Presidente do Banco Central de 2003 a 2010” (sem indicação do governo a que essas datas correspondem), não há palavra sobre esses oito anos.
Não se trata de algo que pertence ao passado: até o final do governo Dilma, o candidato de Lula para ministro da Fazenda foi Meirelles. Temer, na verdade, acolheu a sugestão de Lula.
Antes disso, Meirelles era o candidato de Lula para continuar no BC sob Dilma. Esta o nomeou, em 2011, para a Autoridade Pública Olímpica (APO), com orçamento de R$ 30 bilhões para as Olimpíadas, que Meirelles administrou com os dois outros titulares da APO: Sérgio Cabral e Eduardo Paes.
Segundo disse Lula recentemente, o problema de Meirelles é ser mal orientado por Temer. O que excitou alguns que, imediatamente, se puseram a repetir: “sob Lula, Meirelles era uma fera enjaulada”.
Não sabemos qual a utilidade de manter uma fera – enjaulada ou não – mandando no BC. E logo o sr. Meirelles, que está mais para poodle de Wall Street… Bem, talvez seja um problema para a Sociedade Protetora dos Animais. Voltemos, então, ao nosso assunto.
Lula, depois de eleito em 2002, antes da posse, anunciou que estava entregando a política financeira, a política de juros do país, a um ex-presidente do BankBoston. Assumiu com Meirelles – que, com uma chuva de dinheiro, fora eleito deputado pelo PSDB – o compromisso de não interferir no que o tucano fizesse no BC, coisa que, o agraciado com tal distinção, tornou público desde o começo.
Entregava-se a administração da moeda nacional – do seu preço, os juros – aos monopólios financeiros norte-americanos. Não poderia haver mais clara maneira de definir os limites de um governo antes que ele começasse.
O resultado é que, durante os dois mandatos de Lula, o setor público passou a esses monopólios financeiros – bancos e fundos estrangeiros ou internos – e demais rentistas, R$ 1 trilhão, 277 bilhões, 22 mil, 368 reais e 48 centavos.
Era assim que Lula mantinha Meirelles “enjaulado”: deixando-o alimentar-se com a sangria dos recursos públicos, que repassava aos seus verdadeiros donos.
A consequência mais dramática dessa hemorragia foi a crise de 2009, quando Meirelles, após a quebra do Lehman Brothers (15 de setembro de 2008), manteve a taxa básica de juros inalterada durante 135 dias – e, depois, limitou-se a diminuições cosméticas – com o país afundando na recessão e no desemprego (em poucos meses, 1 milhão e 400 mil trabalhadores ficaram desempregados, sem contar aqueles que aumentaram o contingente de subempregados).
A taxa básica de juros determinada pelo BC, a Selic, é não apenas o indexador de parte dos títulos do governo, como é, também, o piso dos juros na economia do país. Ao mantê-la nas alturas, quando todos os países (a começar pelos EUA) reduziam suas taxas, Meirelles manteve todas as taxas de juros da economia – para os empresários ou para os consumidores – numa altura muito maior. Com isso, sem que Lula interferisse para nada, estrangulou a economia, em um momento que, devido à crise externa, era mais urgente expandir o mercado interno e a produção interna.
O sr. Guimarães passa por cima de tudo isso. E diz que o “programa” de Meirelles implica em “juros de mercado” – como se algum mercado determinasse as taxas de juros. Este é, sem tirar nem por, o modo neoliberal, e falso, de tratar a questão.
Não é um descuido, pois ele também chama o desastre promovido por Meirelles de “Programa do Mercado”. A política de Meirelles é a política dos monopólios financeiros, sobretudo externos, a quem ele sempre serviu. Nada tem a ver com “mercado”, exceto para os neoliberais, que querem encobrir a ditadura dos cartéis e monopólios.
Aliás, o sr. Guimarães esclarece o que quer dizer com “mercado”, segundo ele formado por “banqueiros, rentistas, grandes empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de grandes empresas e seus representantes no Congresso”. E, logo em seguida: “O Mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram, espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos”.
Ou seja, ele incluiu os “grandes empresários” do comércio e indústria no seu “mercado” – assim como qualquer um que declare “espontaneamente” que ganha acima de R$ 75 mil (por que 75 e não 50, ou sei lá que número?). Como se a política de Meirelles, de destruição brutal da indústria – e, inclusive, do comércio, pela queda do consumo – pudesse corresponder a esses setores de classe.
Ao mesmo tempo, excluiu de sua definição as multinacionais – os monopólios estrangeiros –, pelas quais passa tangencialmente em seu texto.
O motivo é óbvio: Lula, Dilma, e sua entourage, consideraram as multinacionais o principal setor da economia do país, com as consequências que sabemos – e sentimos.
O único agente do imperialismo no país, portanto, para essa espécie de pseudo-nacionalista, é o juiz Moro. Mas apenas quando ele tem que julgar Lula ou algum outro petista.
Na medida que a luta política progride em nosso país – contra a destruição provocada pela desastrosa e subserviente política econômica neoliberal, da qual a podridão do governo atual, assim como a do anterior, é uma consequência – vão ficando mais nítidos os campos ideológicos.
Com isso, aparece, a olho nu, o que significam certas posições pseudo-nacionalistas, que, não por acaso, gravitam e são dependentes de Lula e do PT – cuja trajetória oposta ao nacionalismo, apesar de oscilações no segundo mandato de Lula, é uma constante desde 1980.