Em entrevista feita no sábado (29), na Europa, o ex-presidente Lula opinou sobre a atitude que o país deve tomar diante das ameaças à democracia e da gravidade do momento vivido pelo povo brasileiro.
Questionado sobre o que fazer diante das ameaças ao Congresso Nacional, à mídia e ao STF por parte de Jair Messias Bolsonaro, Lula defendeu que temos que “esperar quatro anos”. “Eu tenho alertado o PT a ter paciência, porque nós temos que esperar quatro anos”, disse ele.
O fato de estarmos diante de um governo que prepara abertamente a ruptura do processo democrático não interferiu na opinião do ex-presidente.
Ele disse que só se deve pensar em alguma coisa desse tipo – afastar Bolsonaro – se ele cometer alguma insanidade. “A não ser que ele cometa um ato de insanidade, cometa um crime de responsabilidade, a gente então possa fazer o impeachment dele, mas se não fizer isso, nós não podemos achar que nós podemos derrubar um presidente porque não gostamos dele. Não podemos”, afirmou o ex-presidente.
É claro que não se pode afastar um presidente simplesmente porque “não gostamos dele”. Porém, quando este presidente cometeu ou está no limiar de cometer vários crimes de responsabilidade, destacar os “quatro anos” de espera e não as manobras feitas por ele para violar a Constituição é jogar na “desmobilização popular” e no “quanto pior melhor”.
O ex-presidente Lula, que de bobo não tem nada, sabe disso muito bem. O problema da tática que ele propõe é ficarmos sem eleições no próximos 20 ou 30 anos.
Tese diferente é abraçada por amplos setores da sociedade que estão se mobilizando com vistas ao enfrentamento da gravíssima situação criada pelos ataques de Bolsonaro à democracia.
Todos eles estão decididos a barrar as ações governamentais que violam a Constituição e implicam no desmantelamento dos serviços públicos, ataque à cultura, à educação, aos índios, ao meio ambiente, o incitamento às milícias e a perseguição política mais abjeta e fascista dos últimos tempos.
O decano do STF, ministro Celso de Mello, acaba de afirmar que Jair Bolsonaro “não está à altura do altíssimo cargo que exerce”. O Supremo não aceitou o fato de Bolsonaro estar participando da convocação de um ato contra o Congresso Nacional e o STF. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, foi na mesma direção e afirmou que Jair Bolsonaro “assumiu a coautoria” da convocação do ato golpista quando “repassou pela internet a matéria”.
Essa afirmação de Celso de Mello, que representou a voz do Supremo, foi acompanhada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que protestou contra as movimentações antidemocráticas do Planalto e de seus assessores.
“Entendo que é inadmissível, o presidente está mais uma vez traindo o que jurou ao Congresso em sua posse, quando jurou defender a Constituição Federal. A Constituição e a democracia não podem tolerar um presidente que conspira por sua supressão”, afirmou Felipe Santa Cruz, presidente da OAB.
O general Alberto Santos Cruz, um dos militares mais respeitados do país e ex-ministro do governo, classificou de “irresponsabilidade gravíssima” a convocação de um ato contra o Congresso Nacional e o STF.
Para o presidente da OAB, Felpe Santa Cruz, o apoio de Bolsonaro à convocação das manifestações pode ser considerado crime de responsabilidade.
Segundo o artigo 85 da Constituição, “são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: […] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.
Governadores, personalidades, parlamentares de praticamente todos os partidos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através de seu secretário-geral, dom Joel Portella Amado, condenaram a convocação de um ato golpista por parte do presidente da República.
Ou seja, o país inteiro se mobiliza para enfrentar as ameaças que este governo representa para a democracia e para os direitos humanos. Todos sentem a urgência de se parar este processo de destruição da democracia brasileira enquanto é tempo. É praticamente unânime a convicção de que não será prudente a postura de esperar para ver o que acontece.
Parecendo distante de todas essas personalidades, o ex-presidente não vê insanidades nas medidas tomadas e nas declarações feitas por Jair Bolsonaro contra o país e a democracia.
Raciocínios semelhantes, que tendem a subestimar os interesses maiores do país, explicam, em parte, porque em momentos decisivos, como no episódio em que foi necessária a participação no Colégio Eleitoral para enterrar a ditadura, por exemplo, alguns setores preferiram não comparecer.