(HP 27/02/2015)
O ex-presidente Lula, no ato de terça-feira, referindo-se ao descomunal roubo contra a nossa maior, mais importante e mais estratégica empresa – a Petrobrás – disse que era necessário transformar “o financiamento privado nas eleições em crime inafiançável”.
Apesar do atual sistema eleitoral – e especialmente o financiamento privado nas campanhas – ser muito ruim, ele não obriga ninguém a ser ladrão. Aliás, ninguém vira ladrão se não quiser roubar.
O ex-presidente pode não ter percebido, mas remeter o assalto à Petrobrás para a reforma eleitoral é apenas diversionismo. Uma coisa não tem a ver com a outra – até mesmo porque o dinheiro roubado de uma empresa estatal não é financiamento privado, mas assalto ao que é público.
De nada adianta pregar mudanças na lei sob o altissonante nome de “crime inafiançável”. Não há carência de leis para punir os ladrões da Petrobrás. O que falta, não são leis. O que falta em certos setores, já dizia o velho Capistrano de Abreu, é vergonha na cara.
INDEPENDÊNCIA
Em suma, não é possível apresentar a própria falta de independência ideológica como padrão moral. O caso de agora não é um caso de caixa dois de campanha, como o mal chamado “mensalão” – onde não havia dinheiro público e as quantias eram exíguas. Igualar abacaxis com pneus de bicicleta somente serve para escamotear o pior atentado contra a Petrobrás, desde que Getúlio Vargas a fundou.
Porém, diz Lula que tem “orgulho” da Petrobrás. Pois então deveria se preocupar mais com aqueles que a saqueiam, pilham e tentam arrastá-la para o esgoto. São esses que colocam a Petrobrás em perigo.
No entanto, diz ele: “qual a vergonha que a gente pode ter quando numa família de 86.000 funcionários, um deles comete um erro, faz uma caca?”.
Temos o maior respeito pela inteligência do ex-presidente. Por isso, temos certeza que ele sabe que a questão nada tem a ver com isso. Mas, se não sabe, vamos repetir: trata-se de um esquema monstruoso, em que um cartel de empreiteiras assaltava a Petrobrás, jogando os preços para cima e tornando infinitas as obras – do que decorriam aditivos de contrato cada vez mais extorsivos – através de propinas a funcionários e a políticos, esquema que envolvia vários partidos, inclusive o de Lula, através do tesoureiro João Vaccari Neto e de Renato Duque, então diretor da estatal. Sobre isso não faltam testemunhos – ou seja, provas testemunhais.
Não se pode, evidentemente, reduzir esse esquema, que roubou bilhões em propinas, subornos, sobrepreços e superfaturamentos, a alguns funcionários transviados que urinaram fora do penico. Até porque seria uma injustiça com os funcionários da Petrobrás.
Diz Lula que “o objetivo é criminalizar a política”. É outro equívoco. O objetivo é criminalizar o crime. Não é sábio colocar as mentiras de certa mídia no mesmo balaio do roubo na Petrobrás – o motivo é que o criminoso esquema que a assaltou não é uma mentira, exceto se Lula provar que os bilhões roubados – e o dinheiro já devolvido – assim como todos os depoimentos que já se mostraram verdadeiros, são uma alucinação. Portanto, a que (e a quem) serve essa mistura da mentira com a verdade?
A defesa da engenharia nacional não pode ser a defesa de um cartel de ladrões. No Brasil não faltam empresas capazes de levar à frente os projetos necessários ao país, que estão sufocadas por esse cartel. Então, para que defender meia dúzia de monopólios vagabundos, cuja relação com o país – com o Estado, o Tesouro, com as empresas públicas e com o povo – é de parasitismo, pilhagem e corrupção?
Em benefício de quem defender o esquema de atravessamento do sr. Duque – as “empresas epecistas” – que impede as empresas idôneas de estabelecerem contratos diretamente com a Petrobrás?
Só aos viciados em propina interessa manter esse esquema repugnante que hoje eterniza obras públicas – refinarias, hidrelétricas ou transposições de rios – arrastando-as de aditivo em aditivo, para obter mais sobrepreços e superfaturamentos.
A questão é a seguinte: não é normal roubar em política, muito menos é aceitável – pois seria a falência moral do país. Quem acha que em política o roubo é normal – ou, como disseram alguns: ‘se os tucanos podem roubar, por que nós não podemos?’ – está se candidatando à cadeia, mas não porque faça política, e sim porque roubar a coletividade é crime.
Mas, disse Lula que “toda vez que tentaram isso, o resultado foi sempre pior. Na Itália, foi Berlusconi”. Exceto se o ex-presidente acha que os corruptos da velha máfia e os fascistas da República de Salò deviam ser deixados impunes, essa frase não é uma amostra muito boa de sua sagacidade.
No entanto, segundo ele, “a ideia é criminalizar antes de ser julgado. Se eu conto uma inverdade muitas vezes ela vira verdade”.
Essa era uma das ilusões dos nazistas. Mas a verdade continua a ser a verdade, e a mentira continua a ser a mentira, não importa quantas vezes seja repetida.
Mas, nesse caso, não são os que denunciam o assalto que estão repetindo uma mentira na esperança de que se torne verdade. Ou será que os bilhões roubados da Petrobrás não existem?
Quanto a criminalizar antes de ser julgado, será que Lula acha que um assassino pego em flagrante não está “criminalizado”, somente porque a sentença ainda não foi prolatada? Certamente que não. Ele deve saber que o fundamento da sentença condenatória são as provas, assim como o fundamento da absolvição é a ausência de provas. Então, porque acha que ladrões – inclusive ladrões confessos que roubaram a propriedade pública – não devem ser criminalizados? Por que razão acha que seu partido não deve investigar as atividades de seu atual tesoureiro, se, em relação a Delúbio Soares, que era evidentemente inocente das acusações que lhe faziam, ele, Lula, agiu de forma oposta?
Confundir a exigência social de que os ladrões da Petrobrás sejam punidos – inclusive os políticos – com ataque à empresa, é contribuir para sua ruína, pois é defender a impunidade dos criminosos.
PROVA
Disse Lula que “nós ganhamos as eleições e parece que temos vergonha de ter ganhado”.
A vergonha de ter ganho é a prova que dentro do PT há forças saudáveis, que sentem vergonha de ganhar uma eleição através da mentira despudorada, de acusar os adversários de crimes que se planeja cometer, de trair os eleitores, e cada compromisso, logo assim que as urnas foram recolhidas ao depósito.
Lula talvez ainda não perceba isso. Mas vai perceber, pois igualar-se à Dilma nesse constrangedor padrão moral significa abdicar de qualquer pretensão, seja eleitoral ou de liderança política.
Mas, disse Lula que Dilma deveria dizer “eu ganhei as eleições e eu vou cuidar do meu país”.
Dilma está destruindo o país, inclusive destruindo a obra do próprio Lula, com a política mais reacionária, antinacional, antipopular – e, portanto, antidemocrática – que já houve desde que nos livramos de Fernando Henrique.
Politicamente – ou eleitoralmente – Dilma não existe. Quem existe é Lula. Portanto, quem Dilma coloca em risco é ele. Ela, pelo contrário, não tem nada a perder.
CARLOS LOPES