
“Ele pode falar comigo quando quiser”, recuou Trump, mas o Itamaraty, em se tratando do atual inquilino da Casa Branca, age com cautela
Acossado pela crônica decadência da economia norte-americana – esta semana os dados divulgados sobre o desempenho do mercado de trabalho nos EUA são bastante desanimadores, o bufão da Casa Branca que atende pelo nome de Donald Trump, num claro recuo depois da mitigação das medidas tarifárias contra o Brasil, disse à TV Globo, questionado sobre a possibilidade de conversar com o presidente Lula: “Ele pode falar comigo quando quiser”.
Há uma semana, o tom era outro e estava mais sintonizado com as bazófias lançadas recorrentemente pelo “03” do clã Bolsonaro, que continua conspirando contra os interesses nacionais em território americano, tendo como parceiro número 1 o jornalista Paulo Figueiredo, neto do último ditador brasileiro.
Em resposta, Lula afirmou aquilo que os brasileiros já ouviram dele diversas vezes: o país está “aberto ao diálogo”, depois que Trump afirmou que o mandatário brasileiro pode ligar para ele “quando quiser”.
“Sempre estivemos abertos ao diálogo. Quem define os rumos do Brasil são os brasileiros e suas instituições. Neste momento, estamos trabalhando para proteger a nossa economia, as empresas e nossos trabalhadores, e dar as respostas às medidas tarifárias do governo norte-americano”, escreveu Lula em sua página do X (ex-Twitter).
O Itamaraty ainda estuda se a declaração do norte-americano representa um gesto de abertura para o diálogo. O problema é que um telefonema entre chefes de Estado requer uma preparação muito cuidadosa, como sempre, principalmente, diante de um mandatário imprevisível como Trump, mas, cuja imprevisibilidade, faz parte da estratégia da Casa Branca de manter um clima de ameaça e chantagem a quem considera que não está alinhado ao seu projeto geopolítico.
O interesse dos EUA com Trump na Casa Branca é confesso. Bolsonaro é puro pretexto, embora prefiram um golpista do estilo trompista no Palácio do Planalto do que um presidente defensor da soberania nacional, como tem se postado Lula.
O olho gordo americano está mesmo na defesa dos interesses mesquinhos e perversos das megacorporações digitais que financiaram a campanha bilionária de Trump, que agora, na Casa Branca, precisa retribuir, sob a cínica narrativa da “liberdade de expressão”, valor que já foi para o ralo nos Estados Unidos há muitas décadas e o maior exemplo disso é a perseguição a jornalistas que divulgam os podres da política externa norte-americana, as ações criminosas da CIA, entre outras canalhices promovidas mundo afora.
A meta é impedir o uso de lei nacional e, no caso, da maior delas, a Constituição, para regular as big techs e impedir que elas exerçam sua atividade deletéria como se estivessem num faroeste americano.
O objetivo é acabar com um instrumento como o PIX para transferir esse sistema de pagamento trilionário, que não custa nada ao usuário brasileiro, aos sistemas de pagamento das big techs, os pays que cobram tarifas nos EUA e em várias partes do mundo.
E mais: a lupa está nas terras raras e nos minerais críticos do Brasil, como o lítio, o titânio, o grafeno, o urânio, entre outras preciosidades necessárias à indústria de tecnologia de ponta.
O resto é conversa fiada e a ficha só não caiu para alguns golpistas brasileiros alinhados ao bolsonarismo que erguem as bandeiras dos EUA e de Trump sem nenhuma vergonha cara. Se pudessem, transformariam o Brasil no 52º estado americano e rasgariam a bandeira nacional, embalada por eles hipocritamente ao longo desses últimos anos em que posaram de “patriotas”, falsos patriotas, como denunciou em seu pronunciamento o ministro Alexandre de Moraes na abertura dos trabalhos do Judiciário.
A nova fala de Trump foi interpretada por diplomatas brasileiros como uma sinalização, mas interlocutores do Itamaraty afirmam que uma conversa entre os presidentes exige preparação política e diplomática prévia. O clima na diplomacia brasileira é de “conferir se a porta está mesmo aberta”.
Chamou atenção do governo a última frase da declaração de Trump: “As pessoas que estão comandando o Brasil fizeram a coisa errada”.
O “erro”, segundo Trump, foi utilizar a lei e a Constituição para punir os golpistas do 8 de janeiro e outros, capitaneados por Bolsonaro, que tentaram um golpe de Estado e urdiram um plano para matar Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Moraes. O “erro” é submeter os amiguinhos das big techs do inquilino da Casa Branca ao interesse nacional.
Apesar disso tudo, Lula reafirmou a posição soberana do Brasil nas redes sociais, sinalizando os elementos que continuam presidindo a ação do seu governo diálogo, soberania, contingência para reduzir danos e reciprocidade.
O Planalto entende que as medidas dos EUA já foram colocadas e que sinalizar um diálogo agora não muda a prioridade do governo do momento de conter os danos. Cenários estão sendo analisados do que será feito a partir do dia 6 de agosto. O foco será proteger a economia, as empresas, os trabalhadores, mas também avaliar possíveis respostas.
MARCO CAMPANELLA