A imitação de Donald Trump parece ser o credo de Bolsonaro.
Entre tantos presidentes dos EUA, ele escolheu o mais desclassificado de todos para imitar. Mas, para Bolsonaro, Trump tem um atrativo: é o presidente que, no momento, está no poder.
Entretanto, não é só isso: Trump é um manipulador, tão sem pedigree quanto sem limite, patrocinador de esquemas ilegais na Internet, com laços mal explicados que vão até a atual cúpula israelense, etc. & etc.
Trump é um lúmpen da política, tanto quanto antes foi um lúmpen dos negócios.
Portanto, um modelo perfeito, ou quase perfeito, para Bolsonaro.
A presença do marketeiro de Trump, Steve Bannon, no Brasil, durante a campanha eleitoral, frisou o quanto a imitação de Trump por Bolsonaro vai além da pura macaqueação. Em uma entrevista em São Paulo, disse ele:
“Eles [Eduardo Bolsonaro e assessores] me encontraram em Nova York. E eu acompanho Bolsonaro há anos. Então nós sentamos e conversamos sobre a corrida eleitoral, eles me mostraram coisas da campanha e o que estavam tentando conquistar como partido” (v. Valor Econômico, 26/10/2018, grifo nosso).
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Então, se Trump foge da imprensa, para não dar satisfações a ninguém, e se comunica pelo Twitter – Bolsonaro faz a mesma coisa.
Se Trump passa a escrever seu nome, no Twitter, como “Donald J. Trump”, Bolsonaro passa a escrever seu nome, no mesmo Twitter, como “Jair M. Bolsonaro”.
Se Trump usa, na mesma rede, o título “45º presidente dos Estados Unidos da América”, com uma bandeira americana ao lado, Bolsonaro passa a se intitular “capitão do Exército Brasileiro, eleito 38º Presidente da República Federativa do Brasil”, com uma bandeira brasileira ao lado.
Mas não é apenas nesses aspectos aparentemente superficiais – e, a bem dizer, ridículos – que Bolsonaro imita Trump.
Se Trump desrespeita os países do mundo, a comunidade internacional, e muda a embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém – Bolsonaro promete fazer a mesma coisa com a embaixada do Brasil.
Se Trump estabelece medidas econômicas contra a China – Bolsonaro promete fazer o mesmo (disse ele na campanha eleitoral que era preciso conter os chineses, pois “a China está comprando o Brasil”; quanto aos EUA, ele não tem a mesma preocupação; aliás, não tem preocupação alguma).
Se Trump hostiliza o Mercosul (não é outra coisa a sua tentativa de acordo com a União Europeia, com o objetivo de substituir os países sul-americanos pelos EUA nas importações agrícolas europeias), imediatamente Bolsonaro – aliás, Paulo Guedes – diz que o Mercosul “não é prioritário” (o desmentido posterior de Bolsonaro é tão pouco convincente, que ele mesmo, nesse desmentido, disse que “é possível fazer acordos bilaterais com outras nações”, ou seja, acordos por fora do Mercosul, acordos, evidentemente, antes de qualquer outro, com os EUA).
Se Trump cancela o acordo firmado por Obama com Cuba, Bolsonaro declara que “não vê sentido em manter relações diplomáticas” com a nação do Caribe, ameaçando um retrocesso de 54 anos em nossa política diplomática.
COMÉRCIO
A retórica de Bolsonaro é aquela, da época de Campos Salles, há 120 anos, de que o Brasil é um país demasiadamente “fechado”.
Deve ser algum prodígio, pois há décadas o país está sob governos que escancaram nossa economia para todo tipo de importação – inclusive, provocando uma brutal desindustrialização.
A história do “país fechado” é uma fraude – ultimamente expelida aos borbotões, tanto por Bolsonaro quanto por Paulo Guedes, o escroque que ele pretende nomear para o exumado (da época de Collor) Ministério da Economia, repetindo a ladainha do chamado “mercado financeiro” (uma abordagem sucinta dessa fraude foi realizada em recente artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., Abertura da economia?, Carta Capital, 29/10/2018).
Pelo contrário, o Brasil é um dos países mais desprotegidos, mais escancarados do mundo (v., por ex., o artigo de Carlos Drummond, A economia do Brasil não é uma das mais fechadas do mundo).
No entanto, a macaqueação de Trump, por Bolsonaro, ameaça nos isolar política e economicamente – ou seja, tornar o país “aberto” somente aos EUA, Israel e alguns outros poucos do mesmo time.
Tomemos, por exemplo, nosso comércio exterior, isto é, nossas exportações, que têm como produtos principais a soja e o minério de ferro.
Não estamos, aqui, discutindo se isso é bom ou não – até porque o leitor sabe que não achamos bom. Mas Bolsonaro – ao contrário de Geisel durante a ditadura – não está propondo a substituição desses produtos por produtos industrializados, em nossa pauta de exportação.
Então, qual, dentre os países, é o maior comprador de soja em grão e minério de ferro brasileiros?
A China, em 2017, absorveu 61% das nossas exportações de minério de ferro e 80% das exportações de soja em grão.
Pois Bolsonaro, na imitação de Trump, quer hostilizar logo o principal comprador das exportações brasileiras.
ISOLAMENTO
Bolsonaro declarou a um jornal de Israel – um desses panfletos, existentes naquele país, que parecem à direita de Hitler – que irá transferir a embaixada do Brasil, de Tel Aviv para Jerusalém.
Ou seja, irá reconhecer Jerusalém como capital de Israel – algo que nem a ONU, nem país algum do mundo, com duas exceções, reconhece, porque a anexação de Jerusalém por Israel é ilegal diante das leis internacionais, tão ilegal quanto a anexação de parte da Polônia pelos nazistas, em 1939, e pela mesma razão, porque foi um ato de força, consequente a uma invasão e ocupação.
A Resolução nº 478, do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 20 de agosto de 1980 (nem os EUA votaram contra, preferindo a abstenção), determinou que a anexação de Jerusalém é uma violação do direito internacional – e proíbe aos estados-membros da organização manter embaixadas naquela cidade.
Pela Carta da ONU, todos os estados-membros são obrigados a acatar as resoluções do Conselho de Segurança.
Por isso, nem mesmo os EUA estabeleceram, até Trump, embaixada em Jerusalém, diante do repúdio de todos os países.
Depois de Trump anunciar que irá transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém, um único outro país o acompanhou: a Guatemala.
E, agora, Bolsonaro quer se juntar à Guatemala, nesse ato de servilismo.
O que significa que está querendo acabar com o respeito do Brasil ao direito internacional, transgredindo uma resolução da ONU – tão irretorquível, tão justa, que nem os EUA votaram contra – para seguir Trump.
O que significa isolar o Brasil da comunidade internacional para ficar debaixo dos EUA – ou nem isso, debaixo de Trump.
Nem insistiremos no fato, já apontado por outros, que, do ponto de vista de nossas relações comerciais, se essa decisão é levada a efeito, será outro desastre, pois nosso comércio com os países árabes levará um golpe.
Ou no fato de que existem, entre os brasileiros, 10 milhões de descendentes de árabes – e apenas 120 mil judeus.
ESTATURA
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que Bolsonaro afetará negativamente a imagem do Brasil no exterior, mencionando a sua imitação de Trump: “Se formos por esse caminho, vamos levar o Brasil para uma posição como se fosse os Estados Unidos, mas sem ser os Estados Unidos” (v. Bolsonaro será um impacto negativo nas relações internacionais, prevê FHC).
No entanto, esse não é o principal problema. O principal problema é que a macaqueação de Trump por Bolsonaro afetará o Brasil. A imagem, se verdadeira, é uma consequência.
Bolsonaro não acha que o Brasil é os EUA. O que ele acha é que o Brasil deve se submeter aos EUA. Por isso, ele deve ser um sub-Trump.
Por consequência, o que transparece, em sua imitação de Trump, é essa desgraça de que o melhor destino possível para o Brasil é ser uma sub-nação.
Daí, o incensamento de Bolsonaro à ditadura. Em um texto que publicamos, o general Nelson Werneck Sodré mostra que a ditadura do período Médici, no Brasil, era uma expressão do capitalismo monopolista dos países centrais. Daí o cunho submisso do regime de 64 – ainda que breve e incompletamente quebrado durante o governo Geisel (v. Nelson Werneck Sodré: a radiografia da ditadura).
A ditadura foi implantada para impor a submissão ao país. Se não foi exatamente assim que as coisas aconteceram, em todos os 21 anos que durou, é porque há mais coisas entre o céu e a terra – inclusive a Nação, o povo – que a vã filosofia de alguns capachos.
Houve época, em um passado não muito distante – tanto assim que o autor destas linhas, que não é tão velho assim, lembra-se perfeitamente – que era comum, nas famílias brasileiras, possuir um exemplar de “A Imitação de Cristo”, obra de Tomás de Kempis, publicada no século XV, e traduzida várias vezes para o português.
Entretanto, Bolsonaro prefere a imitação de Trump.
Cada um escolhe o seu modelo de acordo com a sua estatura.
C.L.