Histeria sobre ‘interferência da Rússia para eleger Trump”, que é usada para amordaçar sites progressistas nos EUA e a RT, foi desencadeada com dossiê fake encomendado e pago por Hillary
O Washington Post afirmou na segunda-feira (23) que aquele famoso dossiê que imputava aos russos ações encobertas para “eleger Trump” – e que serviu de mote para a deflagração do macartismo-2 nos EUA – foi na verdade encomendado e pago pela campanha de Hillary. Dossiê que apimentou o suposto conluio com o conto da “filmagem de Trump com prostitutas” em um hotel de Moscou.
Como o Post tem sido, ao lado do New York Times e da CNN, porta-estandarte do “Russiagate”, a admissão de que o dossiê fora pago por Hillary leva a crer que era iminente que isso se tornasse público. Foi a campanha de Clinton e o Diretório Nacional Democrata, através do advogado Marc Elias, que contrataram em abril de 2016 a empresa Fusion GPS, de Washington, para “examinar” as relações de Trump com a Rússia.
A Fusion acionou Christopher Steele, ex-espião do MI6 (serviço secreto britânico), que fabricou o dossiê que depois virou alvo de investigação no Congresso americano. Foi pago antes das eleições de novembro. Não se sabe ao certo quanto custou o dossiê. O escritório de advogados Perkins Coie, para o qual Marc Elias atua, recebeu US$ 5,6 milhões da campanha de Hillary e US$ 3,6 milhões do Partido Democrata. A Fusion vem tentando impedir na justiça a quebra do seu sigilo bancário. O dossiê em grande parte é composto de “ouvir dizer”, mas procurando envolver figuras ligadas a Putin para aparentar credibilidade.
Em outubro, a revista Mother Jones fez referência ao dossiê e sabe-se que políticos tiveram acesso a ele, mas só vazou ao público em janeiro, pouco antes da posse de Trump. Quando foi vazado, o clima em Washington já era de histeria, com as viúvas de Hillary asseverando que ela só perdera as eleições, não porque era farsante, criminosa de guerra e pró-Wall Street e enfiara o pé na jaca na Fundação da família, mas porque “Putin fez isso” e “elegeu Trump”.
Então, Obama já havia feito a provocação de expulsar do país dezenas de diplomatas russos. Aos russos também eram imputados os vazamentos dos e-mails do DNC realizados pelo WikiLeaks, apesar de Julian Assange garantir que a fonte era outra e depois ficar provado que não foi hackeamento, mas trabalho interno, com cópia no local.
POKÉMON E FACEBOOK
A tentativa de provar que “Putin do it” cada vez mais se transformou numa corrida de absurdos, em que nas últimas semanas até o Pokémon Go foi citado e as “contas no Facebook”. O cerco a quadros importantes para Trump, como o general Michael Flynn, que acabou exonerado em tempo recorde, logo desandou para a situação em que pode virar alvo qualquer um que conteste em algum sentido as profundas desigualdades da sociedade norte-americanas, que foram agravadas pelo crash de 2008 e o socorro aos bancos, depois de duas décadas de desindustrialização, empobrecimento, violência e racismo, além de guerras intermináveis.
Como o site wsws registrou, sete décadas depois do macartismo dos anos 1950, “um novo período de caça às bruxas político começou, liderado pelo Partido Democrata e a mídia associada, principalmente o New York Times e o Washington Post. A dissidência política está sendo associada à traição. A frase notória dos McCarthistas, ‘você é agora ou já foi membro do Partido Comunista?’ está em processo de revitalização e revisão: ‘Você é agora, ou já foi, um crítico dos EUA? Do governo?’” Se a resposta é ‘sim’, adverte o site, “isso equivale a admitir que você é um escravo, se não um agente, da Rússia e do Vladimir Putin”.
“Pessoas familiarizadas com a campanha de influência secreta”, afiançou recentemente o Post, dizem que a Rússia buscou promover “grupos de direitos afro-americanos, incluindo o Black Lives Matter”[a Alt Right jura que é o Soros]. Já o NYT asseverou que agentes russos também ajudaram a promover o apoio a “jogadores da NFL que não se perfilam para o hino do país”, espalhando hashtags como “#boycottnfl”e “#takeaknee”. A CNN aloprou: os russos “criaram um amplo ecossistema on-line onde as mensagens políticas divisórias foram reforçadas em várias plataformas, ampliando uma campanha que parece ter sido executada de uma fonte – uma sombria fazenda de troll vinculada ao Kremlin”.
Do nada, organizações de fachada que ninguém conhecia começaram a divulgar listas de sites “perigosos”, que compreendiam alguns dos jornalistas mais conceituados do país – como Robert Parry, Chris Hedges e Paul Craig Roberts-, sites anti-guerra e blogs alternativos.
“NOVO ALGORITMO”
Logo a coisa degringolou ainda mais, com a Google adotando um “novo algoritmo” em seu agregador de notícias Google News, que reduziu em mais da metade os retornos dos sites progressistas, o que na prática implica em lista negra e censura. Agora, estão querendo que a RT – portal russo de notícias que tem uma franquia nos EUA – se registre como “agente estrangeiro”, o que, naturalmente, não é exigido da BBC e nem da Deutsche Welle ou da Al Jazeera.
Uma das histórias mais fantasiosas do atual frenesi é a de que, com “estímulos” de US$ 100.000 em anúncios pró e contra no Facebook numa campanha presidencial que custou bilhões, os russos teriam decidido a eleição. O executivo-chefe, Mark Zuckerberg, que não acreditava nisso, mudou de idéia depois de visita do líder democrata no Comitê de Inteligência do senado, Mark Warner, tido como porta-voz da CIA. Após a prensa, o Facebook produziu uma lista de 3.000 contas com as quais a empresa faturara US$ 100.000, e que teriam o “objetivo de semear divisões”.
O mote sobre “semear divisões” também se tornou preferido do New York Times, em sua caça às bruxas aos “agentes de Putin”. Nem sempre as pressões de Warner funcionam – a Twitter afirmou que nenhuma das 450 contas que o Facebook lhe transferira estava envolvida em qualquer propaganda e assinalou que foram “promovidas pela RT com tweets em notícias”. Em seguida, Warner ameaçou de convocar os executivos do Twitter para deporem no Senado.
Mas nem dentro das fileiras democratas há unanimidade sobre prosseguir nessa vereda de revisar o macartismo. Em entrevista ao NYT, o ex-presidente Jimmy Carter afirmou “não achar que haja qualquer evidência de que os russos hajam mudado votos o bastante – ou quaisquer votos”. Ele disse ainda que Obama não entregou a “mudança e esperança” que prometera “ao país dividido pela política partidária”. “Pelo contrário, ele tornou-o pior”.
ANTONIO PIMENTA