A declaração feita pelo presidente francês sobre a “morte cerebral da Otan” foi recebida com sarcasmo pelo chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, que se comprometeu com uma visita à enferma “assim que se recuperar”.
“Eu não gostaria de me arrastar para uma discussão sobre o lado médico desta questão”, acrescentou Lavrov a repórteres, em um evento de controle de armas em Moscou.
A declaração de Macron foi feita em entrevista à revista The Economist, motivada pela próxima cúpula da Otan em Londres, no dia 4 de dezembro.
Ainda segundo o chanceler russo, “Se Macron achava que o diagnóstico que ele fez [da Otan] era tão evidente – ele tinha todo o direito de declará-lo. Ele conhece a Otan melhor do que eu, pois representa uma nação que é membro da aliança”.
Lavrov afirmou que a Rússia continua interessada em construir “relações mutuamente benéficas” com o bloco encabeçado pelos EUA, relações em pé de igualdade.
O chamado bloco militar atlântico, constituído para levar a Guerra Fria à Europa em 1949, destinava-se, na precisa definição de seu primeiro secretário-geral, o britânico Lorde Hasting Ismay, “a manter os EUA dentro, os russos fora, e os alemães por baixo”. Após o fim da Guerra Fria, foi inchado com a anexação de repúblicas ex-socialistas e serviu de puxadinho para as agressões no Iraque, Afeganistão e Líbia. Nos últimos meses, seus membros têm sido achacados pelo regime Trump para que paguem mais pela ‘proteção, isto é, pela ocupação.
“O que estamos assistindo é a morte cerebral da Otan”, disparou Macron.
“O presidente Trump, tenho muito respeito por isso, levanta a questão da Otan como um projeto comercial. Segundo ele, é um projeto no qual os Estados Unidos fornecem uma espécie de guarda-chuva geopolítico, mas em contrapartida deve haver exclusividade de mercado, é uma condicionante para comprar americano. A França não se inscreveu [na Otan] para isto”, advertiu o chefe de Estado francês.
“Não há coordenação da decisão estratégica dos Estados Unidos com os parceiros da Otan”, acrescentou Macron, que reclamou da “agressão liderada por outro parceiro da Nato, a Turquia, numa área em que os nossos interesses estão em jogo, sem coordenação”, se referindo à invasão de uma faixa do território sírio. “O que aconteceu é um grande problema para a Otan”.
Para Macron, é necessário agora “clarificar quais são os objetivos estratégicos da Otan”. Ele também conclamou a “reforçar” a defesa da Europa. Em 1966, o presidente Charles de Gaulle retirou a França do Estado Maior da Otan, em nome da soberania e por se recusar a deixar as armas nucleares francesas sob controle de Washington. Decisão revogada 43 anos depois por Nicolas Sarkozy.
As declarações de Macron sobre a Otan foram contestadas pela primeira-ministra alemã Angela Merkel, ao lado do secretário-geral do bloco, Jens Stoltenberg – este, uma espécie de relações públicas, já que quem manda mesmo é um general ianque. Os dois consideraram que Macron havia exagerado a luta interna do bloco. “O presidente francês escolheu palavras drásticas. Esse não é o meu ponto de vista em relação à cooperação dentro da Otan. Acho que um golpe tão vasto não é necessário”, asseverou Merkel.
A repercussão do comentário em Moscou incluiu o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que brincou com a opinião de Macron sobre o estado atual da Otan. “Se a Otan está viva ou morta, e quais de suas partes estão em coma – não cabe a nós decidir. Nós não somos patologistas”. Ele reiterou que a aliança militar transatlântica foi projetada para confronto desde o início.”
De acordo com Macron, essa deriva na Otan conduz a uma questão que ele vem levantando, a criação de um sistema de defesa europeu. “Uma Europa que deve adquirir autonomia estratégica e de capacidade no domínio militar”, enfatizou. Macron mostrou-se, ainda favorável a um diálogo estratégico com a Rússia. O que, destacou, deve ser feito “sem qualquer ingenuidade” e “levará tempo”.
A.P.