Dos mais de dois milhões tangidos para fora da Venezuela pela miséria, fome e desemprego, “Volta à Pátria” promete trazer de volta 140 nesta semana.
Após sucessivamente ter dito, primeiro, que não existia imigração em massa, pois era “tudo encenação” da direita, depois, que quem saía “ia para o exterior lavar privada”, o governo Maduro, diante do vulto tomado pela crise dos refugiados venezuelanos na América do Sul, resolveu anunciar um programa band-aid, pomposamente batizado pelo marketeiro de plantão no Miraflores de “Volta à Pátria”.
E assim, dos mais de dois milhões tangidos para fora da Venezuela pela miséria, fome, desemprego e desesperança quase completa, estarão voltando da Colômbia nesta semana 140, o que mal arranha o êxodo que já ocorreu. O número de inscrições nos consulados nem chegou a 6 mil.
Foi o organismo da ONU para a Imigração (OIM) que explicitou o que já vinha sendo visto de forma dramática nos países vizinhos, inclusive no estado brasileiro de Roraima: multidões diariamente chegando, com uma mão à frente e outra atrás, muitos deles doentes, inclusive crianças, e carentes de tudo.
A OIM advertiu que estava se abrindo uma chaga que poderia atingir a gravidade do êxodo de refugiados da Síria e da Líbia no Mediterrâneo. Com grupos xenófobos recém saídos dos esgotos, e milhares e milhares de refugiados venezuelanos sobrevivendo praticamente na praça, ou em improvisados abrigos, não custou para ocorrerem os primeiros episódios de intransigência e humilhação aos quais o “Volta à Pátria” supostamente visaria atender.
Países vizinhos, como o Peru e Equador, tornaram mais duras as normas de ingresso para venezuelanos, autoridades de países latino-americanos se reuniram para debater a crise e a ONU decidiu nomear um enviado especial para a questão na região, o ex-vice-presidente guatemalteco Eduardo Stein.
Com aquela mesma compostura com que se fartou de suculentos bifes em um restaurante de luxo na Turquia, enquanto seu povo passa fome diariamente, Maduro prontamente convidou Stein a Caracas: “Vou pedir que traga US$ 500 milhões (cerca de R$ 2 bilhões). Todos os imigrantes que saíram da Venezuela querem regressar”. Aliás, a imensa maioria nem queria partir, mas a devastação causada pela incúria, entreguismo e corrupção do madurismo os deixou sem rumo.
A governadora de Roraima, Suely Campos, cujo estado está abarrotado de refugiados venezuelanos em condições degradantes, não perdeu a oportunidade para ir ao Miraflores assinar com Maduro um ‘acordo’ – que inexiste do ponto de vista do direito internacional – para que leve de volta, o quanto antes, os venezuelanos “que queiram regressar ao seu país”. Até abril deste ano, mais de 51 mil venezuelanos tinham atravessado a fronteira com o Brasil, sendo que mais de 37 mil permaneceram no estado, o que equivale a 15% da população de Roraima.
E os refugiados que se decidirem por voltar, como vão sobreviver, se a política econômica do governo Maduro continua na essência exatamente a mesma, raspar o fundo do tacho, para manter os pagamentos aos bancos internacionais, enquanto tudo mais se desmancha, até mesmo a produção de petróleo. Conforme estudo das principais universidades venezuelanas (Pesquisa das Condições de Vida 2017), a miséria alcança 87% da população (era 81,8% um ano antes), cada adulto perdeu em média 11 quilos, a mortalidade materna aumentou 30% e 1 milhão de crianças estão sem ir à escola.
Uma dimensão do arrocho a que os venezuelanos já foram submetidos pode ser avaliada pelo fato de que, sob as sanções decretadas por Trump, as importações caíram mais 24% – sendo que remédios e alimentos já haviam desabado 70% em 2014-2017. Como o imperialismo é mau, muito mau, não se comove com o jogo de cena de Maduro e o secretário de Estado Mike Pompeo prometeu “ações” contra a Venezuela nesta semana.
No último congresso de seu partido, Maduro perguntou de quem era a culpa sobre o salário mínimo de trezentos dólares deixado por Hugo Chavez ter virado um salário mínimo de um (1!) dólar. E olhou em torno procurando o “culpado” que, claro, não era ele. E o pior é que arrombaram a Venezuela utilizando os dólares da própria Venezuela, via tenebrosas transações. Em suma, para a Venezuela se safar da crise, vai ser preciso muito mais do que o corte de cinco zeros encenado por Maduro, a falcatrua da criptomoeda fantasiada de ‘petro’ ou a farta distribuição de “Carnês da Pátria” para famintos diante de prateleiras vazias e bônus para quem for votar. E ainda há débeis mentais que dão algum fôlego a Maduro asseverando que a saída é ir ao FMI, privatizar tudo e dolarizar a economia.
A.P.