O jornalista venezuelano Luís Carlos Díaz, foi preso na tarde de segunda-feira (11) e, depois de intensa exigência por diversos meios – desde a esposa, jornalista Naky Soto, o Sindicato Nacional de Trabalhadores de Imprensa (SNTP), até Michelle Bachelet, no exercício de sua função de Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, além de manifestação de jornalistas e uma avalanche de declarações pela internet – libertado na terça, sob a condição de que, nem ele, nem seu advogado podiam comentar sobre o que lhe aconteceu durante o período em que esteve detido.
O autor da prisão é o SEBIN (Serviço Bolivariano de Inteligência). Os funcionários que o liberaram, além de exigirem o seu silêncio, também lhe informaram que está proibido de deixar o país e de que está obrigado a comparecer à sede do SEBIN uma vez a cada oito dias.
REGIME BUSCA BODE
O braço direito de Maduro, Diosdado Cabello, que preside a Assembleia Constituinte (montada pelo madurismo depois de sua derrota nas eleições parlamentares e perda do controle da Assembleia Nacional – AN), chamara, três dias antes, através do programa de TV, “Con el Mazo Dando”, o jornalista de “fascistóide” e o acusara de participar nos apagões que afligem o povo venezuelano desde o dia 7, ao dizer que Luís Díaz organizara “uma operação junto com a direita local e a direita gringa para colapsar o país.”
Segundo as informações divulgadas por veículos venezuelanos, Díaz também foi acusado de “incitação para delinquir”.
O jornalista – que ficou preso no notório edifício Helicoide, em Caracas, prédio que agora serve de sede ao SEBIN – foi detido às 17h, quando saía de seu trabalho na Unión Radio e se dirigia a sua casa de bicicleta.
A reação à prisão de Díaz foi imediata. No dia 12, às 11h, dezenas de manifestantes se concentraram diante do Ministério Público para exigir que fosse libertado. Um deles exibia um cartaz com os dizeres: “Defender, informar, opinar são direitos humanos”.
Solto às 18h do dia 12, foi levado algemado até sua residência, onde assistiu, ainda restringido, ao confisco de material, computador e pen drivers.
A esposa, Naky, que está em tratamento contra um câncer de mama desde setembro do ano passado, relatou que também foi ameaçada de prisão. “Um membro do grupo (que veio prender seu marido) me disse que não fizesse barulho, que não me expusesse, porque havia uma ordem de apreensão contra mim também e só não me levaram agora por causa da minha condição.”
Segundo ela, era “impressionante” a dimensão do grupo que foi até sua casa. “Havia umas 16 a 18 pessoas e umas 11 ou 12 subiram, dois deles usavam armas grandes. Levaram não só os equipamentos, mas também o dinheiro que tínhamos”.
No dia 12 de março, informada da detenção do jornalista por sua esposa, Bachelet se manifestou dizendo-se “profundamente preocupada” com a detenção do jornalista: “Estou profundamente preocupada com a detenção do reputado jornalista Luís Carlos por parte dos serviços de inteligência venezuelanos, e com seu bem-estar”.
A declaração dela deve ter tido um peso especial pois, a convite do governo venezuelano, uma equipe da Comissão que dirige, na ONU, chegou a Caracas para se inteirar da condição dos direitos humanos no país.
ACUSAÇÕES SEM PROVAS
Segundo as informações do SNTP, apesar de ter sido libertado, Díaz ainda responde às acusações que lhe foram feitas sem provas.
“Vocês vão entender que não podemos testemunhar, eu tenho mil histórias, mas por enquanto não podemos dizer nada”, declarou Díaz após ser libertado. Ele agradeceu o apoio que recebeu dos cidadãos, jornalistas e organizações de direitos humanos, e ironizou quanto aos constrangimentos de que está sendo vítima, dizendo: “espero continuar fazendo jornalismo”.
O vídeo de cerca de um minuto e meio usado por Cabello para sustentar a acusação de sua participação na “sabotagem”, mostra Díaz respondendo à pergunta de um seguidor na internet, sobre os efeitos que um apagão pode ter em um país em situação de crise. Descrevendo um dos cenários hipotéticos mencionados, o jornalista fala que as pessoas podem sair às ruas para recuperar o “tecido social rompido”.
A esposa de Diaz, também afirmou, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que “ele é acusado de ser hacker, quando na verdade trabalha pelo contrário, pelos direitos digitais. Ele forma pessoas para usar as redes, não tem especialidade em mexer com códigos. Isso é uma loucura”. Naky declarou que Díaz lhe contou que foi agredido durante sua detenção.
O INCÔMODO DÍAZ
Díaz fazia parte da equipe do programa de rádio Circuitos Éxitos, junto com um jornalista muito conhecido no país, César Miguel Rondón. Em mais uma agressão à liberdade de expressão, o programa foi encerrado no dia 15 de fevereiro, segundo Rondón, “porque se tornou um incômodo para o regime”.
No momento em que foi preso, o jornalista fazia cobertura sobre o apagão, que se abateu sobre a Venezuela e se estendeu por mais e 100 horas e ainda não foi totalmente superado, para a rede Local10.
MADURO QUER INTIMIDAR
O secretário-geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Imprensa (SNTP), Marco Ruiz, que foi levar sua solidariedade ao jornalista, logo de sua soltura, denunciou que “Maduro busca, a qualquer custo, silenciar os meios de comunicação para que não se informe sobre a crise que atravessa a Venezuela”. Para ele, “se apresenta uma grande escalada de violência contra os jornalistas desde o princípio de 2019”.
A professora de pós-gradução da Universidade Simón Bolivar, Luz Mely Reyes, declarou ao jornal inglês, The Guardian, que a detenção de seu colega é parte de uma escalada de guerra declarada por Nicolás Maduro contra a imprensa.
“Penso que uma das coisas que Maduro quer atingir é intimidar os jornalistas e censurar histórias sobre o que está acontecendo na Venezuela e que não está sendo contado”, declarou Reyes.
Reyes acrescentou ainda que a detenção de Díaz não seria a última, em meio à deterioração política na Venezuela. “Isto não é brincadeira. É uma situação muito séria que nos coloca em alerta”.
De acordo com o Instituto Presan y Sociedad (IPYS), uma organização que monitora a liberdade de expressão na Venezuela, somente este início de ano, 40 jornalistas têm sido vítimas de detenções arbitrárias ou expulsões do país.