
Presidente do México repeliu o “intervencionismo” dos EUA que envia navios de guerra à costa venezuelana depois do chefe do Departamento de Estado oferecer US$ 50 milhões a quem trouxer “informações que levem à captura do presidente Maduro”
A informação da agência de notícias britânica Reuters, na segunda-feira (18), de que três destróieres dos EUA com mísseis guiados Aegis chegariam à costa da Venezuela nas próximas 36 horas como parte de um suposto esforço contra os cartéis de drogas latino-americanos, confirmada no dia seguinte pela porta-voz do governo Trump, gerou reações, com a presidente do México Claudia Sheinbaum repelindo o “intervencionismo”, o governo de Cuba pedindo “respeito à zona de paz declarada pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC)”, e o presidente Nicolás Maduro lembrando que a Venezuela é um território livre de plantações ou laboratórios de drogas e que “nenhum império vai tocar seu solo sagrado.”
“Está claramente estabelecido em nossa Constituição e é sempre nossa posição: a autodeterminação dos povos, a não intervenção e a resolução pacífica de controvérsias”, reiterou a presidente do México.
Ainda segundo a Reuters, ao todo seriam 4.000 marines envolvidos na operação, à qual poderiam se juntar ainda aviões-patrulha e até um submarino, por vários meses.
A ameaça é um desdobramento de recente determinação de Washington declarando cartéis de drogas e outras organizações criminosas como “terroristas globais”, contra os quais alega poder intervir militarmente e à revelia da soberania alheia. Declaração já repudiada por governos latino-americanos, inclusive o Brasil.
Na mesma linha de provocação, na semana passada, o gusano à frente do Departamento de Estado, Marco Rubio, anunciou que estava dobrando, para US$ 50 milhões de dólares, a recompensa por “informações” que levassem à “captura do presidente Maduro”, acintosamente acusado por Washington nada menos de “chefiar o Cartel de Los Soles” e de “enviar drogas” para os EUA.
Em discurso em Caracas transmitido pela tevê estatal, o presidente Maduro se referiu à “ameaça extravagante, bizarra e absurda de um império em decadência” e disse que enviaria 4,5 milhões de “milicianos” armados para “proteger a nação”.
Ele alertou que incursões não autorizadas em território venezuelano não serão toleradas. “Defendemos nossos mares, nossos céus e nossas terras, nós os libertamos, os monitoramos e os patrulhamos”.
Na terça-feira, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, descreveu as “ameaças e difamações” de Washington como um ato de “desespero” dos Estados Unidos.
“A acusação de Washington à Venezuela por tráfico de drogas revela sua falta de credibilidade e o fracasso de suas políticas na região”. Ameaças que “não afetam apenas a Venezuela, mas também colocam em risco a paz e a estabilidade de toda a região”.
“A verdadeira eficácia contra o crime é alcançada pelo respeito à independência dos povos”, acrescentou Gil, destacando as conquistas da Venezuela no combate ao crime organizado desde a expulsão da Agência Antidrogas dos EUA (DEA) em 2005, o que inclui “prisões bem-sucedidas, desmantelamento de redes e controle efetivo de fronteiras e costas”.
RESPEITEM A ZONA DE PAZ NA AMÉRICA LATINA
Por sua vez, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, denunciou nas redes sociais a “presença das forças navais e aéreas dos EUA no sul do Caribe” e acrescentou que “sob falsos pretextos eles estão respondendo à agenda corrupta do Secretário de Estado. A América Latina e o Caribe devem ser respeitados como uma zona de paz”, instou.
O presidente colombiano Gustavo advertiu contra “essa aventura violenta, que não só perturbaria Maduro, mas também deixaria uma ferida aberta na América Latina”, que ele atribuiu às pressões de setores de extrema direita nos EUA, Colômbia e Venezuela.
As declarações ocorreram após a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, asseverar que o presidente Trump estava disposto a usar “todos os elementos de poder” para impedir que “as drogas inundem” seu país e “levar os responsáveis à justiça”.
DIRETIVA SECRETA, DIZ NYT
No início deste mês, como revelou o The New York Times, Trump assinou secretamente uma diretiva do Pentágono autorizando o uso de força militar contra cartéis de drogas latino-americanos que o governo declarou serem organizações terroristas. Em fevereiro, ele havia nomeado a gangue Tren de Aragua, supostamente venezuelana, a gangue MS-13 salvadorenha e seis cartéis mexicanos como organizações terroristas estrangeiras (e alvos).
“O regime (de Nicolás) Maduro não é o governo legítimo da Venezuela. É um cartel de drogas. E Maduro não é o presidente legítimo. Ele é o líder foragido desse cartel, que foi acusado nos Estados Unidos de tráfico de drogas para seu território”, alucinou Leavitt em sua coletiva de imprensa semanal.
“PEGA TODO ESSE PETRÓLEO”
Mas, como é público e notório, a maior fixação de Trump é outra – é com o petróleo, que o diga seu slogan “drill baby drill” – e a Venezuela tem as maiores reservas comprovadas do planeta e, como ele já observou, fica logo ali do outro lado do Golfo.
Em seu livro “The Threat” (A Ameaça), lançado em 2019, o ex-diretor interino do FBI, Andrew McCabe, relatou um encontro do então presidente Donald Trump em julho de 2017, com funcionários da inteligência, em que este questionou porque os EUA não estavam em guerra com a Venezuela para pegar “todo esse petróleo”.
“Eu não entendo porque não estamos olhando para a Venezuela. Por que não estamos em guerra com a Venezuela? Eles têm todo esse petróleo e estão na nossa porta dos fundos”, foi o que Trump disse nessa reunião, como registrado no livro.
Em janeiro de 2013, Trump tuitou: “Ainda não posso acreditar que saímos do Iraque sem o petróleo”. Três anos depois, em debate da disputa presidencial com Hillary, Trump disse que o costume [do século XIX] era que “ao vencedor pertenciam os espólios. Agora não há mais vencedor … mas eu sempre disse: tome o petróleo”.
OS DISCÍPULOS DA GUERRA DO ÓPIO
Mas, quanto ao “combate às drogas”, uma arte que Washington parece ter aprendido dos mestres ingleses da “Guerra do Ópio”, é verdadeiramente impressionante o histórico dos EUA na questão, começando pelo tráfico de heroína no Triângulo Dourado na Ásia, contra a revolução chinesa, e no sudeste asiático, no tempo da Guerra do Vietnã, até à invasão do Afeganistão, que tornou o país recordista no assunto por 20 anos.
Ou como bandidos de quinta categoria colombianos foram bem assessorados na década de 1980 para se tornarem cartéis, levando cocaína a rodo para os EUA e ajudando a financiar as operações encobertas na guerra suja na América Central.
Verdade revelada pelo ex-agente da DEA, Michel Levine, com 25 anos na agência, que denunciou em seu livro “A DEA Lava Mais Branco”, como a CIA armou em 1980 um golpe de estado na Bolívia, juntando generais e os narcos do cartel La Corporación, que ele chamou de “General Motors da Cocaína. Ele estava na área atuando no combate às drogas e quase foi morto.
O CARTEL DE FORT BRAGG
No momento em que Trump desencadeia sua provocação, o jornalista Seth Harp está lançando o livro “O Cartel de Fort Bragg: Tráfico de Drogas e Assassinato nas Forças Especiais”. “Há pelo menos 14 casos que estou acompanhando de soldados treinados em Fort Bragg que foram presos, apreendidos ou mortos durante o tráfico de drogas nos últimos cinco anos ou mais”, disse Harp. O livro também analisa “como a intervenção militar dos EUA muitas vezes estimula a produção de drogas”, inclusive no Afeganistão, que ele diz ter se tornado o maior narcoestado do mundo durante os 20 anos de ocupação dos EUA.
“A maior parte do tráfico e da produção de drogas estava sendo realizada e feita por senhores da guerra, chefes de polícia, comandantes de milícias, que estavam na folha de pagamento dos EUA em uma estrutura corrupta”, acrescentou.
Aliás o problema dos opióides, que Trump diz querer enfrentar, começou com o viciamento em heroína em massa de soldados norte-americanos com a invasão do Afeganistão em 2001. Brecha a que depois o cartel farmacêutico se juntou, com os opióides sintéticos, gerando a atual crise de mortes por overdose nos EUA.