
O desabafo foi feito por uma mãe venezuelana de um bairro pobre de Maracaibo, que reconheceu, entre as centenas de deportados de Trump para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, o filho inocente. “Quando reconheci meu filho Edwar, senti como se minha alma estivesse sendo arrancada”, disse Yarelis Herrera.
Ele e mais três garotos do bairro foram ali despejados por Trump, apesar de ordem judicial para fazer o voo retornar. Sem direito ao devido processo, acusados, possivelmente por terem tatuagens, de serem da gangue Tren de Aragua – usada na campanha presidencial para assustar eleitores, espalhar xenofobia e racismo, e angariar votos – e que teria supostamente tomado o controle de uma cidade do Colorado. Arbítrio perpetrado sob uma lei anacrônica de uma guerra de duzentos anos atrás.
Los Pescadores, o bairro de casas de zinco e lata, às margens do Lago Maracaibo, no oeste da Venezuela, a 700 km da capital, se mobiliza pelo retorno de seus garotos, rechaça as acusações de Trump e se solidariza com as quatro mães, Yarelis Herrera, Mercedes Yamarte, Rosiani Camaño e Erkia Palencia.
Um protesto para exigir sua liberdade está sendo preparado no setor Milagro Norte de Maracaibo, assim como correntes de orações. Familiares e vizinhos atestam que são bons garotos, que foram para a América tentando uma vida melhor e para enviar dinheiro para casa.
Yamarte, cujo filho é Mervin, relatou à BBC Mundo ter “se jogado no chão, dizendo que Deus não poderia fazer isso com ele”, ao ver o vídeo divulgado por Nayib Bukele com a identificação dos presos, pelos quais o ditador irá receber de Trump 20.000 dólares por cabeça por ano. Mervin estava com a cabeça raspada, algemado e cercado por dezenas de policiais armados.
Mervin chegou a ligar do Texas para um de seus irmãos na sexta-feira para informá-lo de que eles haviam assinado um documento em inglês, que eles não entendiam. Pensavam que iam ser deportados para a Venezuela.
Os garotos eram conhecidos na vizinhança por seu amor pelo softball, futebol, futebol de salão e até taekwondo. O capitão e fundador de muitos dos times onde os meninos dos Pescadores jogam acrescentou que “você pode ver em seus rostos que eles estão sofrendo muito. Eu nunca os vi em situações ruins; eles nem sabem o que é uma viatura policial”.
“Eles são inocentes”, disse a mãe de Edward. “Eles não têm contas pendentes com a justiça, nem na Venezuela nem nos Estados Unidos”, afirmou.
TATUAGENS
No bairro, os moradores denunciam que as autoridades do governo Trump fizeram das tatuagens que os garotos têm pretexto para a prisão e deportação. Mervin tem os nomes da filha e do avô gravados em tinta. Ele também tem a frase “forte como uma mãe” tatuada no pulso e compartilha a mesma tatuagem com sua esposa, Yainelys Parra Morillo: um par de mãos segurando uma a outra, junto com a data de sua união como casal, “04-1-2014”.
“Ele não merece estar ali, não faz parte de nenhuma gangue”, disse a companheira de Mervin. “Só porque ele faz tatuagens não significa que ele seja um criminoso”.
Também foi graças a tatuagens que outra ex-moradora do bairro de Los Pescadores, Erkia Josefina Palencia Contreras, identificou seu filho Andy Javier em um dos vídeos postados nas redes sociais. Ela conta que o jeito dele era familiar, mas não teve mais dúvidas quando viu o nome do marido e o seu próprio tatuados no antebraço dele. Sua neta, filha de Andy, de cerca de 6 anos, não para de perguntar sobre o pai: “Ela diz que o pai está vindo. Ela me diz: ‘Vovó, o papai está vindo de avião.'”
“SEQUESTRO ULTRAJANTE”
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, descreveu a deportação de migrantes venezuelanos dos EUA para El Salvador, onde foram presos em uma prisão de segurança máxima, como um “sequestro cruel e ultrajante”.
“As ações dos governos dos EUA e de El Salvador contra nossos jovens trabalhadores constituem um ato de crueldade e injustiça, um sequestro cruel e ultrajante. Da Venezuela, exigimos que o governo dos EUA cesse a perseguição e a violação dos direitos dos migrantes venezuelanos”, disse Maduro em uma mensagem publicada nas redes sociais.
Um total de 199 venezuelanos retornaram nesta segunda-feira ao seu país em um voo de Honduras, após serem deportados do Texas, EUA.
Em 14 de março, a Venezuela anunciou a retomada dos voos dos Estados Unidos, após chegar a um acordo com o enviado especial de Washington, Richard Grenell. As viagens haviam sido suspensas após a revogação das licenças de operação concedidas pelo Departamento do Tesouro à Chevron, como parte do pacote de sanções de Trump contra Caracas.
“Imigrantes venezuelanos estão viajando de Honduras para a Venezuela, libertados e resgatados como parte do plano ‘Retorno à Pátria'”, informou o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, nas redes sociais.
O ministro do Interior, Diosdado Cabello, anunciou que estão aguardando uma resposta de El Salvador. “Nós realmente desejamos que, neste momento, o próximo chamado seja que eles vão devolver aqueles que estão em El Salvador. Que eles vão libertar as pessoas sequestradas em El Salvador. Estamos agindo diplomaticamente e de um ponto de vista legal, exigindo os direitos dos venezuelanos sequestrados”, ele afirmou.
“Deveríamos perguntar ao Sr. Bukele, o sequestrador dos venezuelanos, se algum deles cometeu algum crime em El Salvador”, acrescentou.
“Nenhum deles cometeu crimes em El Salvador, então por que estão detidos lá? Por que todos os seus direitos estão sendo violados? Se uma pessoa comete um crime em um país, esse país tem o direito de processá-la de acordo com suas leis (…) se ela tivesse cometido um crime nos EUA, ela deveria ser julgada lá”, denunciou. Cabello esclareceu na semana passada que nenhum dos deportados para El Salvador pertence ao Tren de Aragua.