“É o primeiro orçamento italiano que a União Europeia não gosta. Não estou surpreso. Este é o primeiro orçamento italiano que foi escrito em Roma e não em Bruxelas”, afirmou o vice-primeiro-ministro italiano, Luigi di Maio, diante do veto, pela Comissão Europeia, da proposta apresentada pela Itália, que mantém um déficit de 2,4% do PIB, ao invés dos 0,8% prometidos pelo governo que os italianos despacharam nas urnas. O veto foi anunciado pelo comissário [ministro] de Economia, Pierre Moscovici, e pelo vice-presidente, Valdis Dombrovskis, sob alegação de que fere as normas da UE para os gastos públicos.
Esta é a primeira vez que a Comissão Europeia exige que um Estado membro da UE reescreva e reapresente seu orçamento. A Comissão deu um prazo de três semanas para Roma se enquadrar no arrocho exigido, ou ser punida com pesadas multas e cortes das verbas comunitárias. A pressão de Bruxelas ameaça empurrar a Itália para um pânico financeiro, dada a frágil situação dos bancos italianos e o repique do ágio dos títulos italianos pelos abutres de mercado, sob risco de atingir o limiar de 4% acima dos papeis alemães, visto como prenúncio de crash.
Com o PIB da Itália ainda abaixo do patamar pré crise, desemprego geral de 9,7% e de 31% entre os jovens, depois dos governos da Troika se sucederem cortando direitos trabalhistas e previdenciários, o governo Di Maio-Salvini admite alguns retoques mas não “mexer na substância do orçamento”. Registre-se que o orçamento está dentro dos critérios de Maastricht. Em resposta a Dombrovskis e Moscovici, o ministro da Economia italiano, Giovanni Tria, afirmou que seu governo está consciente de não atender às normas do Pacto de Estabilidade [o programa de arrocho ditado por Merkel], acrescentado que foi “uma decisão difícil, mas necessária à luz do persistente atraso na recuperação”.
Moscovici também criticou o novo chefe do Eurogrupo de ministros das Finanças, o português Mário Centeno, por ter considerado “construtivas” as alterações já feitas por Roma, ao invés de defender a ditadura da austeridade. Moscovici também brandiu sobre as cabeças em Roma a ameaça de explosão da dívida italiana, que já é de 130% do PIB, e do colapso da banca italiana, a que se atribui 260 bilhões de euros em empréstimos impagáveis. No dia 19, dia seguinte da primeira advertência da UE sobre o orçamento italiano, o ágio em relação aos títulos alemães chegou a 3,41%.
Cinicamente, Moscovici, ao defender que o arrocho tem que ser mantido para evitar que a dívida vá mais longe, disse que no ano passado a Itália gastou no serviço da dívida “tanto quanto com educação”. Já Dombrovskis se mostrou muito preocupado com os pobres agiotas: “o governo italiano está consciente e abertamente contra os compromissos assumidos. É tentador curar dívidas com mais dívidas, mas em algum momento a dívida pesa demais”.
O jornal de economia alemão, Handelsblatt, aconselhou o regime Merkel a não entrar publicamente na discussão do veto para “não atiçar” os italianos a resistir, explicando que essa é a hora de esconder Berlim e deixar Bruxelas em evidência, apesar da preocupação com a possibilidade de “estarmos à beira da eurocrise 2.0”. Já o diretor gerente do fundo de resgate da zona do euro (Mede), Klaus Regling, asseverou que “nada de pânico, a Itália não é a Grécia”. É verdade: é bem maior, a terceira maior economia da zona do euro.
O também vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, que tem se tostado perseguindo refugiados quase afogados no Mediterrâneo, aproveitou para se cacifar, dizendo que o veto europeu “não muda nada, não vamos voltar atrás”. “Essas são coisas que vão irritar ainda mais os italianos. E depois essa gente reclama que a popularidade da União Europeia está em seu nível mais baixo”. E note-se que as concessões que Roma pede são bastante modestas – como a renda mínima de 780 euros.
A. P.