Após se solidarizar com a família da pequena Ágatha, morta por ação da PM. “Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Ágatha e sabe o tamanho dessa dor”, afirmou o presidente da Câmara
A enorme comoção causada pelo brutal assassinato da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de oito anos, em uma ação policial na última sexta-feira (20) no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, repercutiu na Câmara dos Deputados, onde o grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime enviado ao Congresso pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, pode decidir nesta semana se retira do texto a parte que trata do excludente de ilicitude.
O dispositivo, que abre brecha para que os agentes de segurança não sejam punidos por excessos durante sua atuação, foi alvo de críticas do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
No domingo (22), ao postar em uma rede social mensagem de apoio à família da menina, ele defendeu uma avaliação cuidadosa do “excludente de ilicitude” que integra o projeto, apontado por parlamentares e especialistas como uma licença para matar.
“Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Ágatha e sabe o tamanho dessa dor. Expresso minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento. É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no Parlamento”, tuitou Maia.
Moradores do Complexo do Alemão relataram que a menina foi atingida por uma bala disparada por policiais militares, que abriram fogo contra uma moto que passava pelo local. A menina foi baleada ao lado do avô e da mãe dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
A família recebeu a notícia da morte da criança com desespero e criticou duramente a atuação da PM. “Foi a filha de um trabalhador, tá? Ela fala inglês, tem aula de balé, era estudiosa. Ela não vivia na rua não. Agora vem um policial aí e atira em qualquer um que está na rua. Acertou minha neta. Perdi minha neta. Não era para perder ela, nem ninguém”, disse o avô da criança.
A Polícia Militar alega que os policiais reagiram a uma agressão, versão desmentida por testemunhas. Ler Indignação e protestos contra Witzel marcaram enterro de Ágatha
“Não teve tiroteio nenhum. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!”, gritava, muito abalado, um homem que seria o motorista da Kombi (que ajudou a socorrer a menina) e que viu um policial atirando.
Ágatha é a 5ª criança morta a tiros este ano no estado do Rio de Janeiro e a 16ª baleada pela polícia do governador Wilson Witzel (PSC). Ao contrário da solidariedade e da repulsa de todos ao crime, o governador apareceu para avalizar a ação policial e o assassinato, dizendo que a culpa foi do narcotráfico.
O caso ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais. Para o líder do PCdoB, deputado Daniel Almeida (BA), o excludente de ilicitude “abre precedentes para que ações policiais sejam cada vez mais violentas”. “Não podemos aceitar essa impunidade”, afirmou no Twitter.
De acordo com a proposta de Moro, o juiz poderá reduzir a pena pela metade ou até mesmo não aplicá-la se o agente de segurança argumentar que o excesso decorreu “de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O texto também amplia as situações que podem ser consideradas como “legítima defesa”.
Os policiais podem ser perdoados da pena ou tê-la reduzida se “o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem” e ainda se “o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
O grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime pode concluir na terça-feira (24) a análise do relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP). A reunião será dedicada à análise das emendas supressivas, ou seja, que pretendem excluir pontos apoiados pelo relator. Após a bárbara morte de Ágatha, a tendência é que o trecho relacionado ao excludente de ilicitude seja suprimido.
“Não podemos permitir que uma mudança na lei ultrapasse os limites da proteção policial para se tornar uma ameaça à sociedade. Em nome da legítima defesa, abre-se caminho para a execução sumária”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), que faz parte do grupo.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), é outro integrante do colegiado que se manifestou. Para o parlamentar, a política de segurança do governador Wilson Witzel é “genocida” e crimes dessa natureza devem ser punidos.
“O governador do Rio de Janeiro pratica uma política de segurança genocida. Não há outro nome quando forças policiais são instruídas a sobrevoar ou adentrar comunidades atirando antes de perguntar. Deve ser denunciado e pagar por seus crimes contra a Humanidade. Quando uma criança de 8 anos é morta a tiros pelo Estado todos nós morremos um pouco. É inumano não se condoer”, disse.
O ministro Sérgio Moro também usou as redes sociais, mas para defender o contestado excludente de ilicitude. Em um post no domingo (22), ele tentou evitar que a morte de Ágatha reforçasse os argumentos dos opositores da medida. “Lamentável e trágica a morte da menina Agatha. Já me manifestei oficialmente. Os fatos têm que ser apurados. Não há nenhuma relação possível do fato com a proposta de legítima defesa constante no projeto anticrime”, tentou escamotear.
WALTER FÉLIX
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