O Ministério Público de Goiás pediu, na quarta-feira (12), a prisão do médium, ou suposto médium, João Teixeira de Faria, o João de Deus. O MP-GO apura as denúncias de abuso sexual contra ele, incluindo um depoimento da própria filha, gravado em 2016, em que relata ter sido abusada sexualmente dos 10 anos aos 14 anos (Filha de João de Deus relatou em 2016 ter sido abusada pelo pai).
No levantamento mais recente do Ministério Público de Goiás (MP-GO), 206 mulheres entraram em contato com o órgão para relatar denúncias de abuso sexual contra João de Deus. Segundo as denúncias, o médium se utilizava dos atendimentos espirituais realizados na cidade de Abadiânia para cometer os abusos.
João Teixeira de Faria, de 76 anos, conhecido como João de Deus, que gostava de usar jalecos com o nome “John of God” impresso, está sendo investigado pela suspeita de crimes sexuais cometidos durante atendimentos feitos na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), local onde realizava as “cirurgias espirituais” pelas quais adquiriu fama internacional.
O nome do lugar onde “John of God” atendia é devido a que o médium, segundo ele mesmo, recebia o espírito de Santo Inácio de Loyola, o fundador da Ordem dos Jesuítas.
O MP-GO abriu um canal direto para as denúncias. Até às 17h da terça-feira (11), 156 denunciantes fizeram contato por meio desse canal, criado exclusivamente para este fim, pelo e-mail denuncias@mpgo.mp.br.
As mulheres se identificaram como sendo de dez estados: Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
As primeiras denúncias de abuso contra o médium foram reveladas nos programas jornalísticos da TV Globo na noite de sexta-feira (07). Após o relato do caso de Zahira Leeneke Maus, coreógrafa holandesa, outras mulheres sentiram-se incentivadas a denunciar João de Deus.
Um dos casos, ocorrido na Casa de Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), é o de uma jovem, que diz ter sido violentada pelo menos dez vezes quando tinha apenas 11 anos.
“Ele pediu para eu colocar a mão para trás e eu senti uma coisa estranha e comecei a chorar e disse: ‘O que é isso?’. Ele falou: ‘É o que vai te curar’. Aí, ele veio na minha frente e fez o que fez comigo. Tudo o que você pode imaginar”, disse a mulher, hoje com 41 anos. A ameaça, segundo ela, era tanto física quanto psicológica. “Fica de costas, fecha os olhos e não abra em hipótese alguma. Se você abrir, vai ficar cega, porque a luz é muito forte”.
“Eu falava o tempo todo: ‘Quero a minha mãe. Tá doendo’. E ele mandava eu ficar quieta: ‘Fica quieta, senão eu mato a sua família’”, lembrou ela, chorando.
Segundo os relatos, os crimes ocorriam desde a década de 80. Uma delas revela ter sido vítima de João de Deus, quando tinha 15 anos. Os pais foram pedir ajuda para o médium porque a menina estava depressiva e não saía da cama. Na primeira consulta, ele teria pedido para ficar sozinho com a adolescente. “Ele mesmo pegava a mão dele e fazia eu manipular o seu pênis. De repente, pegou na minha cabeça e a abaixou para que eu fizesse sexo oral nele”.
O delegado-geral de Polícia Civil de Goiás (PCGO), André Fernandes de Almeida, declarou que a PCGO está com uma investigação em curso para apurar todas as denúncias de abuso sexual contra o médium João de Deus. “Todas as denúncias serão investigadas. São fatos graves”, ressaltou o policial. O delegado disse, ainda, que o caso será apurado pela Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), com sede em Goiânia. Explicou que, devido à complexidade da situação e à possibilidade de intimidação das vítimas, as investigações serão conduzidas pela delegacia especializada da capital goiana e não ficarão em Abadiânia, no Entorno do Distrito Federal, onde João de Deus fazia suas “operações espirituais”.
O Ministério Público de Goiás confirmou que João de Deus vinha sendo investigado desde o primeiro semestre de 2008, quando a delegacia de Abadiânia começou a receber as primeiras denúncias. Há pelo menos dois procedimentos abertos contra ele no órgão. Em 2012, o médium foi denunciado pelo MP por abuso sexual, mas, por falta de provas, a Justiça o considerou inocente.
Em São Paulo, o Ministério Público estadual também criou uma força-tarefa com seis promotores e uma equipe de apoio para apurar denúncias de abusos sexuais do médium João de Deus.
O caso de João de Deus é interessante, também, sobre outro aspecto.
Houve, recentemente, no país, uma indústria da defesa judicial fundamentada na sagaz teoria de que depoimentos não são prova.
Especialmente nos casos da Operação Lava Jato – e especialmente no caso de Lula – essa alegação foi quase única.
Realmente, quando se tem um ou dois depoimentos, dificilmente se pode considerar que se trata de uma prova.
A situação é completamente diferente quando aparecem vários depoimentos – e de pessoas de diversas posições e origens – dizendo essencialmente a mesma coisa.
No caso de “John of God”, só existem depoimentos. Nem por isso deixa de ser evidente que eles são verdadeiros – e são uma prova.
Como disse a delegada Marcella Orçai, da Polícia Civil de Goiás:
“Esse médium já foi investigado em procedimentos entre 2008 e 2011 pela Polícia Civil, que foram concluídos e encaminhados ao Judiciário, mas que não geraram condenação. Desde 2016, a polícia já investiga, com inquéritos em aberto. Em meados de 2018 outros dois inquéritos já tinham sido instaurados pela Delegacia de Investigações Criminais. O que aconteceu agora foi uma visibilidade nacional do caso, e muitas vítimas, que não tinham coragem de procurar as delegacias, estão procurando”.
Porém, há outro aspecto do caso que, embora secundário nesse momento, não deixa de ter importância – e importância policial.
PASSIFLORA
O que Faria, vulgo João de Deus, fazia não era apenas, como disseram alguns, “exercício ilegal da medicina”, através do qual descarregava suas taras.
Havia, também, outro problema: isso não era gratuito.
Portanto, era charlatanismo.
Vejamos o seguinte relato:
“Uma parte importante do tratamento oferecido na Casa de Dom Inácio são as pílulas de passiflora. Vendidas em frascos de 50 unidades, devem ser tomadas todos os dias pela manhã e pela tarde, de forma que cobram-se R$ 100 pelos dois frascos necessários para os 50 dias de tratamento. Na farmácia da Casa também são vendidos remédios que seriam indicados para emagrecimento, xarope e uma pomada para cicatrização. Tudo vem de um laboratório posicionado nos fundos do complexo hospitalar, fora da casa onde circulam os pacientes. Ali, uma moça de salto alto e longos cabelos lisos e pretos veste um uniforme branco diferente: jaleco, touca e um protetor que cobre nariz e boca. A farmacêutica Ângela Queiroz, de 33 anos, é uma das coordenadoras da produção dos remédios” (Helena Borges, Dez dias em Abadiânia, a cidade que vive em torno de João de Deus, Época 10/12/2018).
Passiflora é um extrato de maracujá – como a antiga Maracugina (com “g”), inventada no início do século XX por algum talentoso farmacêutico.
É apenas um leve sedativo. O preço referido pela repórter é absolutamente extorsivo.
Mas a equipe de “John of God” tem uma explicação:
“Durante todo o tempo das sessões, é repetido aos frequentadores que o importante é a energização e que, por isso, a passiflora vendida ali é diferente da encontrada em farmácias comuns – nas quais o preço chega a ser metade do cobrado na Casa. Também é explicado que, como cada frasco seria energizado especificamente de acordo com a receita apresentada, duas pessoas não podem tomar o remédio do mesmo frasco. Deve-se tomar cuidado para não confundir os frascos caso alguém retire remédios para mais de uma pessoa, alertam.”
Porém. há mais:
“Do lado de fora do hospital espiritual, as casas de massagem são destino dos pacientes que, após a consulta espiritual, recebem um cartão de visitas do profissional específico que deverá atendê-lo. Uma massagem dura de 40 minutos a uma hora e custa R$100.”
A pergunta inevitável é: por que esse sujeito não está já na cadeia há mais tempo?
o sujeito exerce ilegalmente os ofícios de um médico que estuda durante 6 anos,e a Justiça fecha os olhos,e agora ,será que vão prendê-lo?