Às 18h da última quarta-feira (01/07), as estatísticas do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) atingiram 60.632 mortes, no Brasil, por COVID-19 (cf. Painel CONASS – COVID-19, 01/07/2020).
A evolução foi a seguinte:
Na tabela acima não há correção ou estimativa de sub-notificação (ou atraso na notificação) de mortes. Os especialistas indicam uma correção, para atualizar as mortes, levando em consideração as que ainda não foram oficialmente registradas, por um fator mínimo de 1,67 e máximo de 2,72, o que dobraria – ou mais que dobraria – o número de mortes. Mas, aqui, preferimos não fazer correção alguma. O quadro já é algo assustador – e nosso objetivo não é assustar o leitor, mas discutir as providências para ajudar a que todos saiamos dessa pandemia.
Ou, em termos gráficos, acrescentando o total de casos identificados, assim ficariam os dados da tabela acima:
Observe o leitor que entre 1º de maio e 1º de junho, o aumento no número de mortos foi de +373% (+23.628 mortos).
Entre 1º de junho e 1º de julho, esse aumento foi de +102% (+30.675 mortos).
Parece muito – e é. Porém, tal resultado somente não foi catastrófico, somente não saiu inteiramente do controle, somente não atingiu o patamar de uma hecatombe sanitária – da magnitude, por exemplo, da gripe espanhola que empilhou cadáveres, nas ruas de cidades brasileiras, em 1918 -, devido aos esforços das autoridades estaduais (governadores, secretários estaduais de Saúde, etc.), municipais (prefeitos, secretários municipais de Saúde, etc.), às Universidades públicas, aos pesquisadores, cientistas, médicos e demais profissionais de saúde – e ao povo brasileiro, em geral.
Pois, como disse o prefeito de Salvador, ACM Neto, a atitude de Bolsonaro foi a de sabotar todo e qualquer esforço no combate à pandemia de COVID-19.
O prefeito da capital baiana tem toda razão ao indicar que o principal responsável pelo aumento do número de mortes no Brasil é o atual presidente da República.
Basta lembrar que estamos enfrentando a pior ameaça sanitária à humanidade em mais de 100 anos, sem que o Brasil tenha um ministro da Saúde. Os anteriores, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, foram demitidos (o que é mais exato do que dizer que se demitiram) por não acreditarem que a terra é plana… isto é, que a COVID-19 é uma “gripezinha” sem importância maior, ou que basta encher os pacientes de cloroquina – contra todas as pesquisas e contra toda a ciência – para que tudo se resolva.
É evidente que a alternativa de Bolsonaro significava a promoção de uma catástrofe com, pelo menos, 700 mil a um milhão de mortos no país – e, isso, somente para começar. Com a cloroquina, o provável é que, além dos mortos por falta de combate à pandemia, uma faixa não pequena de idosos, com problemas cardiovasculares, tivesse sua pena de morte decretada – sem crime e sem julgamento.
Qual o grau de consciência de Bolsonaro sobre isso, é uma questão completamente sem importância. A inibição moral de matar outro ser humano, não tem sido uma característica de Bolsonaro, desde que apareceu pela primeira vez na imprensa.
Não estamos falando apenas de sua defesa do massacre de 30 mil brasileiros (“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar [ir] para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”).
Nem apenas de que ele é o principal representante das “milícias” (isto é, dos grupos de extermínio) no meio político do país (v. HP 24/04/2019, Bolsonaro e as milícias).
O que se pode dizer sobre a consideração à vida humana de quem, no dia 14 de março de 2018, foi o único candidato à Presidência da República que recusou-se a lamentar o assassinato covarde de Marielle Franco e Anderson Gomes? Disse Bolsonaro, na época, que não iria comentar o crime porque sua “opinião seria polêmica demais”, o que equivalia – e equivale – a apoiar dois assassinatos repugnantes.
Portanto, que Bolsonaro não se importe com a morte de um milhão – provavelmente, mais – brasileiros pela COVID-19, não é uma surpresa, o que o torna mais monstruoso ainda.
VITÓRIA, AINDA QUE PARCIAL
O resultado obtido até agora no combate à COVID-19 foi devido às medidas tomadas por Estados e municípios.
Esse resultado é melhor evidenciado nos gráficos abaixo, referentes ao município de São Paulo – principal foco da epidemia – e já publicados por nós. Os gráficos foram elaborados pelo Observatório Covid-19 BR, uma associação de pesquisadores da USP, UNESP, Fiocruz e outras instituições.
No período analisado nesses gráficos, o número de infectados foi, pelo menos, 10 vezes menos, do que aquele que resultaria da política genocida de Bolsonaro.
EPIDEMIOLOGIA CLÁSSICA
No entanto, é evidente que, mesmo assim, estamos ainda com muitos mortos, muitos casos da doença, com uma expansão demasiado veloz tanto de casos quanto de mortes, e com a perspectiva de uma vacina, talvez, em abril ou maio do próximo ano.
Logo, tal situação coloca a questão: será possível fazer mais no combate à epidemia de COVID-19, além do distanciamento social, até que exista uma vacina efetiva contra a doença?
Vários especialistas, alguns entrevistados por nós, outros noticiados, apontam que, sim, é possível.
Por exemplo, o epidemiologista Eduardo de Azeredo Costa:
“Os países asiáticos tiveram enorme sucesso no controle rápido da epidemia. Além de dirigentes qualificados e respeitados pelos seus povos, usaram a epidemiologia clássica para poderem ser bem sucedidos. De um lado, o foco no isolamento geral, por recomendação a todos e desmobilização de serviços não essenciais, e, de outro, a busca ativa e o o rastreamento de casos. (…)
“Em que consistem essas duas atividades?
“O rastreamento parte de casos conhecidos que procuram atenção médico-hospitalar. A equipe de visitação sanitária (agentes de saúde ou outros profissionais de enfermagem) é comunicada imediatamente nos pontos de atendimento e vão à residência e ao trabalho (se estiver ativo) de quem adoeceu e testa todos os membros da família e seus amigos mais próximos nas comunidades para a presença do vírus na garganta (infectantes) e testes sorológicos. Todos o que tiverem febre e outros sintomas compatíveis com o diagnóstico inicial de SRAG [Síndrome Respiratória Aguda Grave] serão postos em isolamento, se tiverem condições favoráveis, em casa, com recomendações e, se possível, contato diário para saber da evolução das pessoas. E, se necessário, encaminhar para um local de isolamento comunitário qualificado. Note-se que o uso de telefonia celular e internet viabiliza que essa ação seja rápida.
“A busca ativa foca nos grupos profissionais que não podem parar, como saúde, frigoríficos, indústria de alimentos, transportes coletivos, motoristas de carga, entre outros; faz-se ‘swab’ indiscriminado nos trabalhadores, o que se repete periodicamente, para a coleta de material naso-faríngeo. Os positivos são isolados e postos em observação com o mesmo trabalho de rastreamento já descrito. A busca ativa na entrada e saída de cidades menores devem ter consequências sanitárias, não ser apenas para obter imagens. Além de desestimular a movimentação desnecessária, devem servir para que possa ser localizado e informado naquele positivo” (v. HP 17/06/2020, COVID-19: Busca ativa ou testagem de massa?).
POLÍTICA DE TESTAGEM
O epidemiologista cita o estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas como um importante fundamento para a implementação do rastreamento e busca ativa no combate à epidemia de COVID-19.
“O que mais nos chamou atenção”, disse ao HP o coordenador desse estudo, o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, “é o aumento no número de casos, que é espantoso. Mesmo que o Brasil tenha saído atrás de muitos países em relação à doença, hoje, certamente, somos o que tem maior velocidade de expansão da Covid-19 no mundo”.
O que é visível pelos dados com que iniciamos este artigo.
O professor Hallal aponta como “desdobramento natural de seu estudo epidemiológico, feito inicialmente no Rio Grande do Sul, e depois expandido para todo o país, deveria ser o aumento da testagem molecular (RT-PCR), que identifica a presença do vírus no organismo, ‘para que pudesse ser feita a busca dos contatos da pessoas positivas e fazer um rastreamento ativo’”.
No começo da epidemia, diz Hallal, “faltavam testes, agora não é este o problema, não faltam testes, falta uma política de testagem que diga: cada positivo nós vamos rastrear os cinco ou dez contatos mais próximos dessa pessoa, para poder bloquear a transmissão do vírus” (v. HP 25/06/2020, “Falta no Brasil uma política de testagem que permita o rastreio de casos”, diz Pedro Hallal).
Para essas ações – de “rastreamento” e “busca ativa” -, diz o epidemiologista Eduardo de Azeredo Costa, “não é necessário importar 42 milhões de testes. 10 a 20% já seriam muito bons se usados adequadamente. E com isso é possível racionalmente flexibilizar algumas atividades de isolamento social e ainda assim ter a supressão da epidemia. Há modelos que o demonstram, especialmente quando o objetivo é reduzir a taxa de reprodução de casos de menos de 1,5 para abaixo de 1”.
CONTACTANTES
“De nada adianta saber quem está contaminado, se não houver controle efetivo do infectado e do grupo que teve contato com ele”, diz o sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ex-secretário de Saúde do Município de São Paulo e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
“É necessário, após a identificação [de quem está contaminado], entrar em contato com os contactantes”, expõe o sanitarista.
“Tem de distribuir esses testes pelos municípios e na atenção básica para identificar os que tiverem com os sintomas. Se der positivo, pede-se para indicar cinco contactantes. Neste grupo, pela atual taxa de contágio, é provável que se encontre dois infectados, ainda nos primeiros dias de infecção. Nesse nível, normalmente, os contactantes positivos ainda não têm sintomas manifestados. Assim, cria-se uma barreira efetiva para impedir a transmissão descontrolada do vírus” (v. HP 29/06/2020, Covid-19: “é preciso localizar os contactantes e isolá-los”, defende Gonzalo Vecina).
OMS
No último dia 28, foi o próprio diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que declarou: “fazemos um apelo para que os governos sigam os exemplos de Alemanha, Coreia do Sul e Japão, que mantiveram seus surtos sob controle através de políticas que incluíram testes e rastreios rigorosos”.
O diretor – biólogo e doutor em saúde comunitária, que se tornou célebre por sua bem sucedida gestão como ministro da Saúde da Etiópia, quando assumiu o cargo em meio a uma hecatombe sanitária – reforçou as recomendações divulgadas pela porta-voz da OMS, Margaret Harris:
“Os governos só conseguirão controlar a pandemia se souberem onde está o vírus”.
Por isso, os “testes serão necessários. Testar é crucial. Saber onde o vírus está e quem tem, potencialmente, a possibilidade de ser afetado, é a forma de parar a transmissão”.
O objetivo é quebrar a cadeia de transmissão: “quando se rompe a cadeia de transmissão, aí o surto começa a cair”, disse a porta-voz da OMS. Para isso, é preciso “encontrar a todos que têm potencialmente o vírus” (v. HP 30/06/2020, “Só vamos controlar a pandemia com testes e rastreios rigorosos”, adverte OMS).
O ANDAR DA PANDEMIA
Até quarta-feira (01/07), segundo a OMS, haviam sido identificados 10 milhões, 357 mil e 662 casos de COVID-19 no mundo, com 508 mil e 55 mortos pela doença.
O país mais afetado são os Estados Unidos, com 2 milhões, 573 mil e 393 casos – e 126 mil e 573 mortes (cf. OMS, Situation Report – 163, 01/07/2020).
O segundo, em termos absolutos, é o Brasil.
Mas, aqui, é necessário consultar os dados relativos.
A taxa de mortalidade da COVID-19, no Brasil (28,9 mortes/100 mil habitantes), é a 14ª do mundo, abaixo da Bélgica (85,4 mortes/100 mil habitantes), Inglaterra (66,2 mortes/100 mil habitantes), Espanha (60,7 mortes/100 mil habitantes), Itália (57,6 mortes/100 mil habitantes), Suécia (52,7 mortes/100 mil habitantes), França (44,6 mortes/100 mil habitantes), EUA (39,1/100 mil habitantes), Irlanda (35,8 mortes/100 mil habitantes), Holanda (35,6 mortes/100 mil habitantes), Peru (30,8/100 mil habitantes) e Chile (30,7/100 mil habitantes), além de San Marino (124,3 mortes/100 mil habitantes) e Andorra (67,5 mortes/100 mil habitantes).
Portanto, é evidente que o combate à epidemia, por parte, sobretudo, de Estados e municípios, teve efeito positivo.
A questão, agora, parece ser a passagem a uma nova fase, em que o rastreamento e a busca ativa, sem descuidar de outras providências, ocupem o lugar central.
Os exemplos principais, nesse caminho, estão sendo países como a China (0,3 mortes/100 mil habitantes), o Vietnã (zero mortes/100 mil habitantes), Coreia do Sul (0,5 mortes/100 mil habitantes), Cuba (0,7 mortes/100 mil habitantes) e Japão (0,7 mortes/100 mil habitantes).
CARLOS LOPES
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