(HP 18/03 e 20/03/2015)
Nos últimos tempos tornou-se comum – até mesmo um lugar-comum – ver políticos e economistas declararem que a solução para o crescimento econômico do Brasil, assim como de quase todos os nossos problemas, é a educação. Se somos atrasados, ora, é porque nosso povo não tem educação. Se estamos em recessão, não é devido a uma política econômica antinacional, mas porque falta educação ao povo.
A coisa chega ao ponto da presidente da República dizer que aprendeu com Henry Adams que a chave da riqueza de um país é “educação, educação e educação” (o livro de Adams, “The Education of Henry Adams”, é sobre como a educação falhou no próprio caso do autor, mas a presidente não percebeu).
Todas essas afirmações, absolutamente rasas, têm uma matriz: a chamada “teoria do capital humano”, que tem origem na Universidade de Chicago (a “universidade do Rockefeller”, como a denominou o escritor norte-americano Upton Sinclair).
Lembro-me quando o então professor Carlos Geraldo Langoni – depois presidente do Banco Central no último governo da ditadura – lançou um livro, pretendendo explicar a tremenda desigualdade que havia (e ainda há) no Brasil, através dessa teoria.
Em suma, a desigualdade não era fabricada por um modelo econômico concentrador de renda, mas pelas diferenças educacionais – o brasileiro, por consequência, era pobre porque não tinha curso universitário.
Foi no início da década de 70 – e Langoni apanhou feito boi ladrão. Até Pedro Malan, que depois seria ministro da Fazenda de Fernando Henrique, tirou uma casca (em conhecido artigo, escrito com um professor da Universidade de Cambridge, John Wells – aliás, um artigo demolidor para Langoni).
Os economistas (ou não economistas) mais à esquerda foram ainda mais incisivos: mostraram que era evidente que o desenvolvimento levava à uma maior educação formal das pessoas – e não o inverso; a prova maior era a própria História do Brasil. E foi quase um consenso, talvez com algumas exceções na USP, que Langoni omitia completamente a política econômica da ditadura, atribuindo à falta de educação do povo o que era resultado dessa política.
Essa teoria, sepultada na época, foi exumada pelos neoliberais na década de 90. Até sujeitos que se diziam – e se dizem – muito de esquerda (que Deus perdoe sua falsa crença) apareceram, repetindo os lugares-comuns neoliberais sobre a educação.
O que, na prática, significa promover uma farsa no lugar da educação – Pronatecs, Ciências “Sem Fronteiras” e descarregamento de dinheiro público em arapucas estrangeiras.
O texto que publicamos, do economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor em Cambridge, aborda a questão nos termos em que neoliberais e submissos aos neoliberais – isto é, à banca de Wall Street – do tipo Dilma e outros heróis ou heroínas desse naipe, o colocam hoje. Constitui o capítulo 17 do livro de Chang, “23 Coisas Que Não Nos Contaram Sobre o Capitalismo”, tradução de Claudia Gerpe Duarte, Cultrix, 2013.
Poucas vezes, leitor, considerando o que se ouve neste país, um texto foi tão necessário – e tão agradável de ler.
C.L.
HA-JOON CHANG
O que eles dizem
Uma força de trabalho instruída é absolutamente necessária para o desenvolvimento econômico. A melhor prova disso é o contraste entre o sucesso econômico dos países do Leste Asiático, com o seu famoso desempenho na área da instrução superior, e a estagnação econômica dos países da África subsaariana, que têm um dos registros educacionais mais baixos do mundo. Além disso, com o aumento da chamada “economia do conhecimento”, na qual o conhecimento se tornou a principal fonte de riqueza, a instrução, especialmente a instrução superior, tornou-se a chave para a prosperidade.
0 que eles não dizem
Existem pouquíssimas evidências que demonstrem que um povo mais instruído acarrete uma maior prosperidade nacional. Grande parte do conhecimento adquirido na escola na realidade não é relevante para o aumento da produtividade, embora isso possibilite que as pessoas tenham uma vida mais gratificante e independente. Além disso, a concepção de que o surgimento da economia do conhecimento tenha aumentado decisivamente a importância da instrução é enganosa. Para começar, a ideia da economia do conhecimento em si é problemática, já que o conhecimento sempre foi a principal fonte de riqueza. Além disso, com a crescente desindustrialização e mecanização, as exigências de conhecimento talvez tenham até mesmo diminuído na maioria das ocupações nos países ricos. Mesmo quando se trata da instrução superior, que se presume seja mais importante na economia do conhecimento, não existe um relacionamento simples entre ela e o crescimento econômico. O que realmente importa na determinação da prosperidade nacional não é o nível de instrução das pessoas e sim a capacidade da nação de organizar pessoas em empreendimentos com uma elevada produtividade.
Educação, educação, educação
“Educação, educação, educação” – foi como o ex-Primeiro-Ministro britânico Tony Blair resumiu quais seriam as suas três principais políticas de governo durante a campanha das eleições de 1997, a qual levou o seu “Novo’’ Partido Trabalhista ao poder depois de quase duas décadas afastado.
O subsequente sucesso ou não da política educacional do Novo Partido Trabalhista pode ser questionado, mas o que é indiscutível é que o comentário captou com perfeição a excepcional capacidade do Sr. Blair de dizer a coisa certa no momento certo (ou seja, antes de ele perder a cabeça por causa do Iraque). Muitos políticos antes do Sr. Blair tinham falado a respeito da escolaridade e a defendido com insistência, mas ele estava falando em uma ocasião na qual, depois de presenciar o surgimento da economia do conhecimento a partir da década de 1980, o mundo inteiro estava ficando convencido de que a instrução era a chave para a prosperidade econômica. Se a instrução fora importante para o sucesso econômico nos dias das indústrias das chaminés, um número cada vez maior de pessoas estava ficando convencido de que ela seria tudo na era da informação, quando a principal fonte de riqueza são os cérebros, não os músculos.
O argumento parece óbvio. A maioria das pessoas instruídas parecem mais produtivas, como é evidenciado pelos salários mais elevados que recebem. Portanto, é uma questão de lógica matemática que uma economia com um maior número de pessoas instruídas será mais produtiva. O fato de os países mais pobres terem um menor suprimento de pessoas instruídas – ou “capital humano” no jargão de alguns economistas – também prova o argumento. A duração típica da vida escolar gira em torno de nove anos nos países da OCDE, ao passo que não chega a três nos países da África subsaariana. Também bastante conhecido é o desempenho escolar excepcionalmente elevado das economias “milagrosas” do Leste Asiático, como o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura. O desempenho escolar desses países se manifesta não de um modo quantitativo, mas também nas elevadas taxas de alfabetização ou de matrícula em vários níveis de instrução. A qualidade da instrução também é muito alta. Esses países estão classificados nos primeiros lugares nos testes estandardizados como o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) ou Tendências no Estudo Internacional de Matemática e Ciências, para alunos da quarta e da oitava séries, e o Program for International Student Assessment (PISA) ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que avalia a capacidade de jovens com 15 anos de idade de aplicar o conhecimento de matemática a problemas do mundo real. É preciso dizer mais?
Não precisamos de instrução
Por mais que a importância da instrução no aumento da produtividade de uma economia possa parecer dispensar explicações, existem na verdade muitos indícios que questionam essa sabedoria convencional.
Vamos examinar primeiro o caso das economias milagrosas do Leste Asiático, em cujo desenvolvimento a instrução supostamente desempenhou um papel fundamental. Na década de 1960, Taiwan tinha uma taxa de alfabetização de apenas 54%, enquanto a das Filipinas era de 72%. Apesar do seu nível educacional inferior, Taiwan a partir de então alcançou um dos melhores desempenhos econômicos da história humana, enquanto o desempenho das Filipinas tem sido bastante precário. Em 1960, a renda per capita anual das Filipinas era quase o dobro da de Taiwan (200 dólares versus 22 dólares), mas hoje a renda per capita de Taiwan está em torno de dez vezes a das Filipinas (18 mil dólares versus 1.800 dólares). Nesse mesmo ano, a Coreia tinha uma taxa de alfabetização de 71% – comparável com a das Filipinas mas ainda assim abaixo dos 91% da Argentina. Apesar da taxa de alfabetização significativamente inferior, a Coreia cresceu a partir de então muito mais rápido do que a Argentina. A renda per capita anual da Coreia era pouco mais de um quinto da da Argentina em 1960 (82 dólares versus 378 dólares). Hoje, ela é três vezes mais elevada (cerca de 21 mil dólares versus aproximadamente 7 mil dólares).
Obviamente, existem muito mais coisas além da instrução que determinam o desempenho de crescimento econômico de um país. No entanto, esses exemplos debilitam o mito habitual de que a instrução foi a chave para o milagre do Leste Asiático. As economias do Leste Asiático não tinham um desempenho escolar excepcionalmente elevado no início dos seus milagres econômicos, ao passo que países como as Filipinas e a Argentina se saíram mediocremente apesar de ter uma população significativamente mais instruída.
Na outra extremidade do espectro, a experiência da África subsaariana também mostra que investir mais em instrução não garante um melhor desempenho econômico. Entre 1980 e 2004, as taxas de alfabetização dos países africanos subsaarianos aumentaram substancialmente, de 40 para 61%. Apesar desses aumentos, a renda per capita da região na realidade apresentou uma redução de 0,3% ao ano nesse período. Se a instrução é tão importante para o desenvolvimento econômico, como acredita a maioria, uma coisa assim não deveria acontecer.
A aparente ausência de efeitos positivos da instrução sobre o crescimento não é encontrada apenas nos casos extremos que escolhi, com o Leste Asiático de um lado e a África subsaariana do outro. Trata-se de um fenômeno mais geral. Em um artigo de 2004 amplamente citado: “Where has all the education gone?” [Tradução literal: “Para onde foi toda a instrução?” (N. da trad.)], Lant Pritchett, um economista de Harvard que trabalhou para o Banco Mundial durante um longo tempo, analisou as informações de dezenas de países ricos e em desenvolvimento ao longo do período entre 1960 e 1987 e realizou uma extensa análise de estudos semelhantes, a fim de definir se a instrução influencia positivamente o crescimento. A sua conclusão é que existem muito poucas evidências de que mais instrução conduza a um maior crescimento econômico.
Não sei muito a respeito de história, não conheço muito biologia
Por que existem tão poucas evidências que respaldem o que parece ser uma proposição tão óbvia, ou seja, que um povo mais instruído deve tornar o país mais rico? Simplificando, é porque instrução não é um elemento tão importante no aumento da produtividade de uma economia.
Para começar, nem toda instrução ao menos se propõe aumentar a produtividade. Muitas disciplinas não causam nenhum impacto, nem mesmo indiretamente, na produtividade da maioria dos trabalhadores: literatura, história, filosofia e música, por exemplo. A partir de um ponto de vista rigorosamente econômico, o ensino dessas matérias é uma perda de tempo. Nós as ensinamos aos nossos filhos por acreditar que com o tempo elas enriquecerão a vida deles e também os tornarão bons cidadãos. Embora essa justificativa para o dispêndio educacional esteja cada vez mais sendo atacada em uma época na qual se espera que tudo justifique a sua existência a partir da perspectiva da sua contribuição para o crescimento da produtividade, ela continua a ser uma razão muito importante – na minha opinião, a mais importante – para investir na instrução.
Além disso, nem mesmo disciplinas como a matemática ou ciências, que são supostamente importantes para o aumento da produtividade, são relevantes para a maioria dos trabalhadores – os banqueiros de investimento não precisam de biologia e nem os figurinistas de matemática para ser competentes no que fazem. Até mesmo para as ocupações nas quais essas matérias são relevantes, grande parte do que aprendemos na escola ou até mesmo na universidade com frequência não é diretamente relevante para o trabalho prático. Por exemplo, o elo entre a física que um operário da linha de produção de uma fábrica de automóveis aprendeu na escola e a sua produtividade é bastante tênue. A importância do aprendizado e do treinamento no trabalho em muitas profissões é uma prova da relevância limitada da educação escolar para a produtividade dos trabalhadores. Desse modo, até mesmo as partes da instrução supostamente voltadas para a produtividade não são tão relevantes para o aumento da produtividade quanto imaginamos.
Análises estatísticas realizadas em vários países não conseguiram encontrar nenhuma relação entre a pontuação em matemática dos alunos do país com o desempenho econômico dele. Mas vou apresentar exemplos mais concretos. No segmento de matemática do TIMSS de 2007, estudantes americanos da quarta série ficaram atrás não apenas das crianças dos países do Leste Asiático, famosas pelo seu talento matemático, mas também dos seus equivalentes em países como o Cazaquistão, a Letônia, a Rússia e a Lituânia. As crianças em todas as outras economias europeias ricas incluídas no teste, com exceção da Inglaterra e da Holanda, obtiveram uma pontuação mais baixa do que a das crianças americanas. Os alunos da oitava série da Noruega, o país mais rico do mundo (do ponto de vista da renda per capita calculada à taxa de câmbio do mercado), ficaram atrás dos seus equivalentes não apenas em todos os outros países ricos mas também em países muito mais pobres, entre eles a Lituânia, a República Tcheca, a Eslovênia, a Armênia e a Sérvia (é interessante observar que todos são países anteriormente socialistas). Os alunos da oitava série de Israel, país famoso pelo seu zelo educacional e excepcional desempenho na área de pesquisas avançadas, ficaram atrás da Noruega e também da Bulgária. Histórias semelhantes foram observadas nos testes de ciências.
E a economia do conhecimento?
Mesmo que o impacto da instrução no crescimento tenha sido pequeno até agora, você talvez esteja se perguntando se o recente surgimento da economia do conhecimento talvez não tenha mudado tudo isso. Pode ser argumentado que, com as ideias se tornando a principal fonte de riqueza, a instrução a partir de agora se tornará muito mais importante na determinação da prosperidade de um país.
Contrariando essa hipótese, devo, em primeiro lugar, salientar que a economia do conhecimento não é nenhuma novidade. Sempre vivemos em uma economia assim, no sentido de que sempre foi o domínio do país sobre o conhecimento (ou a falta dele) que o tornou rico (ou pobre). A China foi o país mais rico do mundo durante o primeiro milênio porque ela possuía um conhecimento técnico que os outros não tinham, com o papel, os tipos móveis, a pólvora e a bússola sendo os exemplos mais famosos, mas de modo algum os únicos. A Grã-Bretanha tornou- se o poder hegemônico do mundo no século XIX somente porque passou a liderar o mundo na área das inovações tecnológicas. Quando a Alemanha ficou tão pobre quanto o Peru e o México logo depois da Segunda Guerra Mundial, não passou pela cabeça de ninguém sugerir que ela fosse reclassificada como um país em desenvolvimento, porque as pessoas sabiam que ela ainda tinha o domínio do conhecimento tecnológico, organizacional e institucional que a tornara uma das maiores potências industriais antes da guerra. Nesse sentido, a importância (ou não) da instrução não mudou no período mais recente.
E claro que o acervo de conhecimento que a humanidade controla hoje coletivamente é muito maior do que no passado, mas isso não quer dizer que todo mundo, ou mesmo a maioria das pessoas, tenha que ser mais instruída do que no passado. Na verdade, a quantidade de conhecimento relacionado com a produção que um trabalhador típico precisa ter diminuiu no caso de muitas ocupações, especialmente nos países ricos. Isso pode soar absurdo, mas vou explicar.
Para começar, tendo em vista o contínuo aumento da produtividade da fabricação, uma maioria da força de trabalho nos países ricos agora trabalha em ocupações do setor de serviços com baixas qualificações, repondo mercadorias nas prateleiras dos supermercados, fritando hambúrgueres em restaurantes fast-food e fazendo faxina em escritórios. À medida que a proporção de pessoas nessas profissões for aumentando, poderemos lidar com uma força de trabalho cada vez menos instruída, se só estivermos interessados nos efeitos da instrução sobre a produtividade.
Além disso, com o desenvolvimento econômico, uma proporção maior do conhecimento é incorporada às máquinas. Isso significa que a produtividade na economia como um todo aumenta apesar de os trabalhadores entenderem individualmente menos o que estão fazendo do que os seus equivalentes no passado. O exemplo mais impressionante é o fato de que a maioria dos balconistas nos países ricos nem mesmo precisa saber somar – habilidade de que outrora os seus equivalentes decididamente precisavam – já que as máquinas de leitura do código de barras fazem isso para eles hoje em dia. Outro exemplo é que os ferreiros nos países pobres provavelmente sabem mais a respeito da natureza dos metais no que diz respeito à fabricação de ferramentas do que a maioria dos funcionários da Bosch ou da Black & Decker. Um terceiro exemplo é o fato de que as pessoas que trabalham nas pequenas lojas de eletrônica espalhadas pelas ruas dos países pobres conseguem consertar muito mais coisas do que os funcionários individuais da Samsung ou da Sony.
Grande parte disso se deve ao simples fato que a mecanização é a maneira mais importante de aumentar a produtividade. No entanto, uma influente escola de pensamento marxista argumenta que os capitalistas deliberadamente “reduzem a qualificação” dos seus funcionários usando as tecnologias de produção mais mecanizadas possíveis, mesmo que não sejam as mais econômicas, a fim de tornar os trabalhadores mais facilmente substituíveis e, portanto, mais fáceis de controlar. Independentemente da causa exata do processo de mecanização, a consequência é que as economias mais desenvolvidas tecnologicamente podem na realidade precisar de um número menor de pessoas instruídas.
O paradoxo suíço
No entanto, é possível argumentar que, embora o desenvolvimento econômico possa não exigir que o trabalhador típico seja mais instruído, ele precisa de pessoas com um grau de instrução mais elevado nos cargos mais elevados. Afinal de contas, como ressaltei anteriormente, a capacidade de gerar um conhecimento mais produtivo do que outros é o que torna um país mais rico do que os outros. Portanto, alguém pode argumentar, é a qualidade das universidades, e não a das escolas primárias, que determina a prosperidade de uma nação.
No entanto, mesmo nesta era supostamente voltada para o conhecimento, o relacionamento entre a instrução superior e a prosperidade não é direto. Tomemos o exemplo impressionante da Suíça. Ela está entre os poucos países mais ricos e mais industrializados do mundo, mas tem, surpreendentemente, a menor taxa – na realidade, a menor taxa por uma grande diferença – de matrículas universitárias dos países ricos; ainda no final de 1996, a taxa de matrícula universitária na Suíça continuava a ser menos da metade da média da OCDE (16% versus 34%). A partir de então, a Suíça aumentou consideravelmente essa taxa, elevando-a para 47% em 2007, segundo dados da UNESCO. Entretanto, a taxa suíça ainda permanece a mais baixa entre os países ricos do mundo e está muito abaixo da que encontramos na maioria dos países intensamente voltados para o ensino universitário, como a Finlândia (94%), os Estados Unidos (82%) e a Dinamarca (80%). Curiosamente, a taxa suíça também é muito inferior à de muitas economias consideravelmente mais pobres, como a Coreia (96%), a Grécia (91%), a Lituânia (76%) e a Argentina (68%).
Como é possível que a Suíça tenha permanecido no topo da produtividade internacional apesar de proporcionar aos seus cidadãos uma instrução de nível superior muito menor não apenas do que a dos seus principais concorrentes como também do que a de muitas economias consideravelmente mais pobres?
Uma possível explicação é que a qualidade do ensino universitário é diferente em cada país. Portanto, se as universidades coreanas ou lituanas não são tão boas quanto as universidades suíças, pode ser possível que a Suíça seja mais rica que a Coreia ou a Lituânia, mesmo que uma proporção muito menor de suíços do que coreanos ou lituanos tenha instrução universitária. No entanto, esse argumento perde grande parte da sua força quando comparamos a Suíça com a Finlândia ou os Estados Unidos. Não podemos, em sã consciência, sugerir que as universidades suíças sejam tão melhores do que as finlandesas ou as americanas a ponto de a Suíça poder se sair bem com uma taxa de matrícula universitária 50% menor.
A principal explicação para o “paradoxo suíço” deve ser encontrada, uma vez mais, no baixo componente da produtividade na instrução. Entretanto, no caso da instrução superior, o componente da não produtividade não consiste tanto em ensinar às pessoas disciplinas que irão ajudá-las com coisas como a realização pessoal, a boa cidadania e a identidade nacional, como no caso da instrução primária e secundária. Ele consiste no que os economistas chamam de função de “classificação”.
É claro que a instrução superior transmite um certo conhecimento relacionado com a produtividade aos alunos, mas outra função importante dela é definir a posição de cada pessoa na hierarquia da empregabilidade. Em muitas atividades profissionais, o que conta é a inteligência genérica, a autodisciplina e a capacidade de a pessoa se organizar, e não o conhecimento especializado, grande parte do qual ela pode, e na realidade precisa, assimilar no emprego. Desse modo, mesmo que o que você aprende na universidade ao se especializar em história ou química possa não ser relevante para o seu trabalho como um possível gerente de uma companhia de seguros ou como um funcionário público do Departamento de Transportes, o fato de você ter um diploma universitário informa aos seus possíveis empregadores que você provavelmente é mais inteligente, tem mais autodisciplina e é mais organizado do que aqueles que não têm esse diploma. Ao contratar você como uma pessoa com grau universitário, o seu empregador o estará contratando por causa dessas qualidades genéricas, e não pelo seu conhecimento especializado, o qual não raro é irrelevante para o trabalho que você irá executar.
No entanto, com a crescente ênfase na instrução superior que vem tendo lugar ultimamente, uma dinâmica nada saudável se estabeleceu com relação a ela em muitos países de renda elevada e média-alta que podem se dar ao luxo de expandir as universidades (a Suíça não ficou imune a isso, como o demonstraram os percentuais que apresentei anteriormente). Uma vez que a proporção de pessoas que frequentam a universidade ultrapassa um limite crítico, elas passam a ter que frequentar a universidade para conseguir um emprego digno. Quando, digamos, 50% da população tem nível universitário, se você não for para a universidade estará implicitamente declarando que se encontra na metade inferior da distribuição de habilidades, o que não é a melhor maneira de começar a procurar um emprego. Portanto, as pessoas vão para a universidade sabendo perfeitamente que vão “perder tempo” estudando coisas que nunca precisarão no trabalho. Com todo mundo querendo ir para a universidade, aumenta a demanda pela instrução superior, o que conduz então à oferta de mais vagas universitárias, o que aumenta ainda mais a incidência de matrículas universitárias, o que por sua vez eleva ainda mais a pressão para o ingresso nas universidades. Com o tempo, isso conduz a um processo de inflação de graus. Agora que “todo mundo” tem grau universitário, você precisa fazer um mestrado, ou até mesmo um doutorado, para poder se destacar, mesmo que o conteúdo de produtividade desses cursos mais avançados possa ser mínimo para o seu futuro emprego.
Considerando-se que a Suíça foi capaz de manter, até meados da década de 1990, uma das taxas de produtividade nacional mais elevadas do mundo com uma taxa de matrícula universitária entre 10 e 15%, poderíamos afirmar que percentuais de matrícula muito mais altos do que isso são na realidade desnecessários. Mesmo que aceitemos que as exigências de qualificação aumentaram de tal maneira com o surgimento da economia do conhecimento que o percentual de matrícula de pelo menos 40% que a Suíça tem hoje seja o mínimo necessário (o que eu seriamente duvido), isso ainda significa que pelo menos metade da instrução universitária em países como os Estados Unidos, a Coreia e a Finlândia é “desperdiçada” no jogo da classificação essencialmente de soma zero. O sistema da instrução superior nesses países tornou-se semelhante a um teatro no qual algumas pessoas decidiram ficar em pé para ver melhor, levando as outras que estavam atrás a lazer o mesmo. Quando um número suficiente de pessoas fica em pé, todo mundo precisa ficar em pé, o que significa que ninguém está enxergando melhor, ao passo que todo mundo ficou submetido a um desconforto maior.
Instrução versus empreendimento
Se não apenas a instrução básica como também a superior não é muito importante na determinação da prosperidade de uma nação, precisamos seriamente repensar o papel da escola na nossa economia.
No caso dos países ricos, a sua obsessão pela instrução superior precisa ser restringida. Essa obsessão conduziu a uma perniciosa inflação de grau e ao consequente investimento excessivo em grande escala na área da instrução superior em muitos países. Não sou contra o fato de que os países tenham uma incidência de matrícula universitária muito elevada – ou até mesmo de 100% – por outras razões, mas eles não devem se iludir achando que isso terá um efeito significativo na produtividade.
No caso dos países em desenvolvimento, uma mudança de perspectiva ainda mais radical se faz necessária. Embora eles devam expandir a escolaridade para preparar os seus jovens para uma vida mais significativa, quando se trata da questão do aumento da produtividade, esses países precisam olhar além da instrução das pessoas e se dedicar mais a construir as instituições e organizações certas para o aumento da produtividade.
O que realmente distingue os países ricos dos mais pobres é bem menos o quanto os seus cidadãos são individualmente instruídos e bem mais a maneira como os seus cidadãos estão bem organizados em entidades coletivas com uma elevada produtividade — sejam as empresas gigantes como a Boeing ou a Volkswagen, ou as empresas menores de nível internacional da Suíça e da Itália. O desenvolvimento dessas empresas precisa ser amparado por uma gama de instituições que estimulem o investimento e os riscos – um regime de comércio que proteja as empresas nas “indústrias que estão na infância”, um sistema financeiro que forneça um “capital paciente” necessário para investimentos a longo prazo que aumentem a produtividade, instituições que deem uma segunda chance tanto para os capitalistas (uma boa lei de falência) e para os trabalhadores (um bom estado do bem-estar social), subsídios públicos e uma regulamentação relacionada com a P&D e o treinamento, e assim por diante.
A instrução é valiosa, mas o seu principal valor não reside em aumentar a produtividade e sim na sua capacidade de nos ajudar a desenvolver o nosso potencial e viver uma vida mais gratificante e independente. Se expandirmos a instrução por acreditar que isso tornará a nossa economia mais rica, ficaremos seriamente desapontados, porque o vínculo entre a instrução e a produtividade nacional é bastante tênue e complicado. O nosso excessivo entusiasmo pela instrução deve ser restringido e, especialmente no países em desenvolvimento, uma atenção muito maior precisa ser prestada à questão de estabelecer e aprimorar os empreendimentos produtivos e as instituições que os amparam.