WALTER SORRENTINO*
Os quatro blocos no governo – o clã ideológico, o mercado, a toga e os militares – não se compõem em torno de um denominador comum para um plano de governo. Antes pelo contrário, por falta de um plano. Mas também porque o presidente pôs acima de tudo e de todos não o Brasil, nem deus, mas sua agenda ideológica regressiva, emulando o clã familiar que o cerca.
Desafiado inúmeras vezes à moderação e articulação política, ele se mostra indomável e mantém a pregação antissistema para saciar sua base social de sustentação, a que custo for. Virou o governo da balbúrdia e há conflitos de agendas e interesses entre cada um e entre os próprios blocos.
Bolsonaro não tem particular interesse na reforma da Previdência, diz que “isso é deles”, do mercado; a alta burocracia de Estado na máquina de governo – militares, Judiciário – tampouco, até pede compensações pelo que eventualmente perderão.
O bloco do mercado mistifica a reforma como o “abre-te Sésamo”, mas Bolsonaro não faz a sustentação necessária e o desalento cresce entre os empresários. Quer dizer, o Brasil repicou na recessão este trimestre e as previsões são abaixo de 1% de crescimento este ano, depois de dois anos e meio de governo Temer e sua Ponte para o Futuro.
No Congresso, a agenda governamental vai sendo segurada, já que não há articulação política. Mesmo na Previdência a base congressual do governo reluta, devido à inépcia do governo e com medo da implicação social e eleitoral. Mas também para chamar o Executivo à razão: lá o jogo é de profissionais e mais sensível à voz das ruas. Do PSL não nasce nem erva daninha, perdidos em abstrações ideológicas e em luta intestinas assombrosas
O partido da Lava Jato sem rebuços confronta o STF e o próprio Congresso. O abuso de autoridade seguido já está no alvo dos congressistas, e a pauta anticrime e anticorrupção de Moro vai vazando. Viu-se também Bolsonaro queimar o filme de Moro, enquanto este contemporiza com as graves denúncias que envolvem o senador Flávio Bolsonaro e sua tropa, vários dos quais milicianos do Rio de Janeiro.
Mas o fato mais grave, de longe, foi a demarcação (justa) dos militares com a pregação escatológica de Olavo de Carvalho contra eles, e Bolsonaro mais uma vez endossou os filhos e o ex-astrólogo.
Tudo no governo é conflituoso, pura extensão da persona política do presidente. Chega uma hora em que nem é importante analisar se a loucura tem método ou não (claro que tem cálculo político). O que vale é o resultado real: popularidade em baixa recorde para cinco meses de governo, mais recessão e crise social.
As labaredas podem baixar, mas fica o fogo de monturo cozinhando a situação. A instabilidade política e institucional tarda mas não falha: exige saídas. Ninguém se sustenta no governo apenas com proclamações.
Importa lembrar que a gênese de toda essa situação anômala foi e é a negação da e criminalização da política, que levou à ruptura do pacto democrático em 2016. Nada de bom saiu daí, ao contrário, deu vazão à emergência de forças extremadas de direita e ocupação indevida de protagonismo político por parte do partido da Lava Jato. Vai ficando claro que só se sai dessa situação pela política; e que com Bolsonaro no comando essa via parece vedada – ele sempre dobra a aposta.
Tudo que puder concorrer para isolar o clã ideológico e combater a agenda do governo tem seu valor, em que tempo for, com a ajuda de quem for – adversários de ontem podem ser aliados pontuais hoje sem deixar de ser adversários amanhã.
O dado novo fundamental é a retomada das mobilizações, lastreadas no senso cívico de uma sociedade extenuada, mas que desperta. Na Educação, como na Previdência, toda a sociedade é atingida, direta ou indiretamente. O dia 15 foi um novo marco nas ruas e um novo estágio de lutas que se abre. São movimentos que se engatarão com outros, como elos que podem criar uma forte contra-onda cívica em reação ao atual estado de coisas.
Fica maior a responsabilidade da esquerda e das forças progressistas em unir-se em torno de bandeiras básicas de resistência e alternativas (que não faltam), e insistir em “fazer política” junto a vasto conjunto de forças personalidades, instituições e organizações da sociedade civil para isolar e derrotar a agenda de Bolsonaro para o país. Bem vistas as coisas, o nó ainda está aí: esses partidos e lideranças assumirem protagonismo nessa articulação e pregar a mais ampla unidade democrática para salvar o país.
*Walter Sorrentino é médico, vice-presidente e secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB.