A fala do ex-ministro foi expressiva. Comprometeu bastante o presidente da República, pois confirmou o que antes era especulação. Bolsonaro se recusou a comandar o governo no combate à pandemia. Expressou isto por meio de carta que enviou ao chefe do Executivo
O depoimento começou com 1 hora de atraso; durou 7 horas e 30 minutos. Equilibrado, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta se manteve tranquilo e conduziu com relativa facilidade o depoimento.
Salvo melhor juízo, o ponto alto da fala dele foi quando admitiu que o presidente Bolsonaro queria que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) alterasse a bula da cloroquina, droga comprovadamente ineficaz no combate à Covid-19.
A cloroquina, de acordo com estudos científicos, é ineficaz contra a doença.
“Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele tinha esse assessoramento paralelo”, disse Mandetta.
“Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. E foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, [Antonio] Barra Torres, que disse não.”
De acordo com o ex-ministro, o presidente Jair Bolsonaro foi diretamente comunicado sobre a escalada da pandemia no Brasil. Antes de deixar a pasta, Mandetta apresentou a Jair Bolsonaro, conforme disse, estimativa de que o País poderia chegar a 180 mil mortos no final de 2020. A previsão acabou sendo superada, e o Brasil encerrou o ano passado com quase 195 mil óbitos confirmados.
Mandetta ficou à frente do Ministério da Saúde até o dia 16 de abril de 2020. No dia 28 de março, ele diz ter entregue uma “carta pessoal” a Jair Bolsonaro. No texto, ele “recomenda expressamente que a Presidência da República reveja o procedimento adotado” para evitar “colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.
AMPLA ABORDAGEM
Nada ficou sem ser respondido. O ex-ministro não tentou escapulir de nenhuma pergunta. Ele tratou do fato de que o presidente da República queria que a Anvisa mudasse a bula da cloroquina, remédio ineficaz contra a Covid.
Mandetta comentou que era “constrangedor” explicar divergências com o presidente sobre medidas de isolamento social, que até hoje Bolsonaro refuta, passados mais de ano que a pandemia consome vidas e afeta o setor sanitário nacional, sem mostras que vai arrefecer.
“Provavelmente” Bolsonaro se aconselhava sobre a pandemia com fontes de fora do Ministério da Saúde, pontificou. E acrescentou que o governo não quis fazer campanha oficial contra a Covid.
Sobre a política de testagem em massa, o ex-ministro confirmou que foi abandonada depois que ele deixou a pasta. E disse que a falta de unidade na ação do governo confundiu a população e teve impacto na pandemia. Palavras elegantes para dizer que sob Bolsonaro, o governo nunca se colocou disponível para, efetivamente, enfrentar a pandemia.
QUEM PREPAROU AS PERGUNTAS PARA OS GOVERNISTAS
Houve um fato, durante as inquirições, no mínimo inusitado, quando o senador Ciro Nogueira (PP-PI) perguntou sobre a recomendação profilática que o ex-ministro havia dado no início da pandemia, em abril passado.
“Senador Ciro Nogueira, ontem eu recebi essa pergunta, exatamente nessa íntegra, do ministro Fábio Faria [Comunicações]. Acho que ele inadvertidamente mandou para mim a pergunta; quando eu ia responder, ele apagou a mensagem. Então, vou responder para o senhor, mas também para o meu amigo, que foi parlamentar comigo, ministro Fábio Faria”, ironizou.
“Os princípios primeiros são: temos vacina? Não temos. Temos medicamento retroviral? Não temos. Como vamos conduzi-la? Vamos observar o paciente, vamos vê-lo, vamos cuidar desse paciente”, respondeu.
“Ontem [segunda-feira], até por conta dessa pergunta, eu fui ver qual era a recomendação da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde. Ela [Essa] é exatamente: entre em contato com o seu provedor de saúde imediatamente se você sentir os sinais de perigo – dificuldade de respirar, perda da capacidade de fala, confusão, dor no peito.”
“De cada 100 pessoas, senador – 100 –, 85 vão evoluir bem, vão fazer formas leves, muitas vezes formas de espirro ou assintomáticas, e vão sair tomando chá, vão sair da maneira como a gente se trata. Quinze por cento vão ter algum grau de complicação. Desses 15%, você vai ter um número aproximadamente de 90% que vai ser forma moderada, não vai precisar intubar, e 5% vão evoluir para intubação, com medicamento ou sem medicamento”, acrescentou.
ATRASO NA REUNIÃO E “TROPA DE CHOQUE”
Previsto para começar as 10 horas, o depoimento de Mandetta começou com atraso porque na abertura dos trabalhos, senadores governistas da CPI reivindicaram aprovação de pedidos para chamar à comissão autoridades ligadas aos governos estaduais.
Uma das estratégias dos governistas para atrapalhar as investigações é envolver governadores nas investigações da CPI. O objetivo disso é tirar o foco do governo federal.
O presidente da CPI, senador Omaz Aziz (PSD-AM), e o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues, reforçaram aos governistas que o repasse de verbas para Estados vai ser alvo da CPI. Aziz e Randolfe disseram que essa questão já está esclarecida e que os governistas estão tentando tumultuar os trabalhos da comissão.
“Ô tropa de choque atrapalhada. Vão para o STF [Supremo Tribunal Federal] para tentar obstruir toda vez, parece que tem uma coisa pessoal contra o relator, toda vez, tem uma paixão pelo relator, homem. Toda vez ficam querendo questionar os trabalhos do relator. Está no plano de trabalho aqui: emprego de recursos federais. Só era ler, homem. Só era se dar ao trabalho de ler o plano de trabalho. Minha questão de ordem é para gente trabalhar”, afirmou Randolfe, em meio ao debate no início da sessão.
BREVE COLETIVA
Ao final da longa oitiva, Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Mandetta concederam breve entrevista coletiva. Na qual o relator da CPI disse que o depoimento foi “consequente” e “produtivo”.
E que “vai ajudar muito” nas investigações. Sobre o fato de o ex-ministro Pazuello não comparecer na quarta-feira como estava previsto, Renan comentou com ironia: “Pazuello quer depor remotamente porque é contra aglomeração.”
“O depoimento foi além das expectativas”, disse Renan ao final da entrevista.
NELSON TEICH
O ex-ministro Nelson Teich, que substituiu Mandetta, vai depor nesta quarta-feira (5) pela manhã, às 10 horas. A expectativa é que também possa contribuir muito para elucidar dúvidas relacionadas ao período em que esteve no comando da pasta da Saúde. Ele ficou à frente do Ministério por apenas 29 dias.
O depoimento de Pazuello, depois da repentina quebra de agenda, foi agendado para o dia 19. Esse fato causou muita indignação no colegiado. Circula que Pazuello desmarcou o compromisso porque não conseguiu decorar as repostas em treinamento que teria feito com profissionais de media training, que é um processo de treinamento de porta-vozes que os prepara para uma relação direta com os veículos de imprensa em entrevistas e outros tipos de contato com a mídia.
MARCOS VERLAINE (colaborador)