O filósofo e ex-ministro Mangabeira Unger anunciou sua desfiliação do PDT, criticando a adesão do partido a uma linha política no país que não leva em conta “uma alternativa nacional, produtivista e capacitadora”.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Mangabeira Unger afirmou que está deixando a legenda “fundamentalmente por [ela] não representar hoje a alternativa nacional, produtivista e capacitadora de que o Brasil precisa”.
“Esta decisão de participar passivamente de um governo Lula que não tem projeto algum é a pedra de cal, é a abdicação de qualquer projeto que mantenha continuidade e coerência com o que foi o nosso projeto inicial”, argumentou.
Em 2022, Mangabeira Unger apoiou a candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República e, no segundo turno, pediu votos para Lula, reconhecendo “os riscos inerentes à decisão”.
Unger condenou a política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificando-a como um “antiprojeto” nacional que se traduz em “compor-se com o mercado financeiro, aceitando a ascendência do rentismo financeiro”. Disse também que, em vez de um projeto nacional, a via do atual governo é “distribuir esmola aos pobres” e “vender soja, carne e minério de ferro”.
Segundo o filósofo, Haddad foi seu amigo há muitos anos, mas hoje “é um dos arquitetos dessa política, que afirma o casamento do financismo e do pobrismo em que as contas são pagas pela agricultura, pela pecuária e pela mineração. Se elas não estivessem pagando as contas, nós já estaríamos no chão, numa crise econômica decisiva”.
“Com realismo, o PDT não poderia participar do governo”, enfatizou.
Questionado se sua decisão estava alinhada com Ciro Gomes, Mangabeira Unger negou. “Não. A decisão é minha. Ciro Gomes não precisa de porta-vozes e ninguém precisa representá-lo. É uma decisão de consciência para lutar por uma alternativa nacional, produtivista e capacitadora”.
Ele ainda criticou a “tendência de desviar a atenção do País desse quadro de marasmo, de mediocridade, para assuntos simbólicos, para a política identitária, que é o inverso das guerras culturais da direita, e declarações estapafúrdias do presidente da República, como esta de que os ministros do Supremo Tribunal Federal poderiam votar em segredo”.
Para Mangabeira Unger, “o presidente Lula parece estar desinteressado do Brasil. Parece que é mais agradável ficar viajando pelo exterior, frequentando essas reuniões em que ele pronuncia discursos entediantes”. “Como se estivesse se candidatando ao Prêmio Nobel da Paz ou a mais diplomas honoris causa, enquanto isso o Brasil afundando no primitivismo produtivo e educacional”.
“Não há qualquer indício de um projeto nacional produtivista e capacitador”, lamentou. Mangabeira criticou ainda o PDT, PSB e PCdoB por apoiarem o governo.
Na entrevista, defendeu um projeto baseado na “economia do conhecimento”, adequando-a “de acordo com as realidades de cada região”.
“O Brasil fervilha de criatividade, energia empreendedora, há uma multidão de emergentes que encarnam essa energia produtivista”, falou.
“O nosso grande projeto é construir as estruturas que permitam transformar esse dinamismo desequipado e inculto em flexibilidade preparada. Esse é o projeto e há um mundo de possibilidades, mas estamos evadindo todas elas pelo discurso açucarado das compensações e pela submissão aos interesses financistas”, concluiu o filósofo.
Mangabeira Unger foi ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos do segundo governo Lula e do segundo governo Dilma. Ele explicou que, diferente de hoje, “nos mandatos anteriores de Lula “havia uma luta entre tendências produtivistas e tendências compensatórias”.