O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou tirar o corpo do caso das joias milionárias que recebeu de “presente” da Arábia Saudita e disse que foram “servidores de carreira” da Presidência da República que decidiram incorporá-la a seu acervo pessoal, sem que ele tenha dado ordens.
Bolsonaro não explicou a ordem direta para que um relógio Rolex de R$ 364 mil e outras joias com diamantes fossem enviadas para seu gabinete para ficarem sob “guarda do presidente da República”, como demonstram documentos oficiais.
Essas joias foram, depois, escondidas em uma fazenda do ex-piloto e amigo pessoal de Bolsonaro, Nelson Piquet.
O ex-presidente voltou ao Brasil nesta quinta-feira (30), depois de 89 dias nos Estados Unidos, onde fez palestras em eventos de extrema-direita e passeou, anônimo, por supermercados.
A Polícia Federal marcou para a próxima quarta-feira (5) o depoimento de Jair Bolsonaro sobre o caso das joias que foram desviadas.
Em pronunciamento, Bolsonaro falou que “quem classifica se é do acervo pessoal ou público não sou eu. Tem um pessoal na Presidência da República, que são servidores de carreira, que classificam”. Ele disse que sequer usa as peças.
Em junho de 2022, Bolsonaro deu uma ordem para que o relógio Rolex de ouro branco cravejado de diamantes e outras peças de luxo, referentes ao “terceiro pacote” de presentes, vindas da Arábia Saudita fossem transferidas do acervo privado para sua posse pessoal.
Essa movimentação é comprovada por registros no sistema da Presidência. O documento diz que as peças foram encaminhadas “ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro” e depois ficaram “sob a guarda do Presidente da República”.
Essa fala de Bolsonaro se soma a outras mentiras que já caíram por terra na defesa do ex-presidente no caso das joias.
É o caso de sua argumentação de que ficou “sabendo pela imprensa” da existência dos pacotes de joias que recebeu da Arábia Saudita como “presente”. Quando só era pública a existência de um pacote, Bolsonaro omitiu que recebeu em mãos outros dois.
Os dois primeiros pacotes foram enviados para Jair Bolsonaro pelos sauditas através do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
DESCAMINHO
O “primeiro pacote” foi retido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos por seu alto valor, depois estimado em R$ 16,5 milhões, e por não ter sido declarado e pela falta de pagamento de impostos para importação.
Jair Bolsonaro fez tudo o que podia, inclusive agindo ilegalmente, para recuperar o pacote sem pagar impostos. Ele mobilizou seu gabinete presidencial, três ministérios e até um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para o plano.
O “presente” da familia real saudita era composto por um relógio, destinado a Bolsonaro, um colar, um anel e um par de brincos, destinados à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, sendo todas as peças cravejadas de diamantes.
Segundo ele, a tentativa foi de recuperar o “conjunto da Michelle via ofício, não foi na mão grande”.
Como o objetivo era de se apropriar das joias, e não de transferi-las para o acervo público da Presidência da República, Jair bolsonaro tentou criar artifícios para não pagar os impostos exigidos para a importação de peças de luxo. Isso se ele estivesse bem intencionado, o que não é caso. O objetivo era se apossar das joias trazidas clandestinamente.
Foi para isso que enviou, em um avião da FAB, um funcionário de sua Ajudância de Ordens para o Aeroporto de Guarulhos com o objetivo de liberar as joias sem que o imposto fosse pago.
Até mesmo o então chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, indicado por Bolsonaro, era parte da missão ilegal.
Vieira Gomes foi contactado, por celular, pelo ajudante de ordens de Bolsonaro durante o atendimento na alfândega de Guarulhos para que pressionasse o servidor. O servidor da Receita se recusou a participar daquela ilegalidade.
PRESENTES MILIONÁRIOS
O “segundo pacote” passou despercebido pelas autoridades e foi entregue, como demonstram documentos, pessoalmente para Jair Bolsonaro, que visualizou seu conteúdo antes que fosse transferido para seu acervo pessoal.
Ele alega que foi tudo “registrado” e se não fossem esses registros as matérias sobre joias não existiriam. Se não fossem as matérias, o vilão teria embolsado os objetos milionários dos sauditas.
Pego com a boca na botija, agora diz que não queria usar os relógios e simula que gosta do seu “reloginho”. Como se o problema fosse simplesmente de usar ou não os objetos. Se seu “reloginho” é mais importante, por que não declarou tudo à Receita antes para ser encaminhado ao acervo público?
Esse segundo estojo continha um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta, um anel e um masbaha (espécie de rosário). Tudo era da marca suíça Chopard, conhecida por ser usada entre artistas no tapete vermelho do Oscar. O valor total é estimado em R$ 800 mil.
Por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), Bolsonaro teve que devolver essas joias e duas armas que recebeu dos Emirados Árabes ao estado brasileiro.
Já o “terceiro pacote” foi entregue a Bolsonaro em mãos, em 2019, quando o então presidente viajou para Arábia Saudita. Na viagem, se reuniu com a família real do país e deu declarações enfatizando sua proximidade com eles.
Esse pacote tinha um relógio da marca Rolex de ouro branco cravejado de diamantes, cujo valor chega a R$ 364 mil.
As outras peças, como a caneta da Chopard, um par de abotoaduras em ouro branco, um anel em ouro branco e um rosário árabe, também carregavam diamantes e pedras preciosas. Ao todo, o conjunto foi avaliado pelo Estadão em, no mínimo, R$ 500 mil.
No pronunciamento, Bolsonaro falou que não ligava para os presentes que recebia e que tinha o costume de doá-los à Biblioteca Nacional e ao Arquivo Nacional.
“Tem relógio que vale R$ 10 e tem relógio que vale R$ 200…”, acrescentou. No caso do relógio de R$ 364 mil, o ex-presidente preferiu pegar para si.
O relógio e as outras peças do terceiro estojo foram escondidas por Bolsonaro na “Fazenda Piquet”, de propriedade do ex-piloto Nelson Piquet, em Brasília, ao invés de terem sido guardados na Biblioteca Nacional.
ILEGALIDADES
“Joias caras? Sim, caríssimas. Até pela relação de amizade que eu tive com o mundo árabe”, justificou o ex-presidente na fala sobre os presentes.
Exatamente pelo alto valor das peças, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que Jair Bolsonaro deve devolvê-las ao estado brasileiro. Mesmo depois de devolver o “segundo pacote” vindo da Arábia Saudita e duas armas que recebeu dos Emirados Árabes, Bolsonaro omitiu a existência do terceiro conjunto de joias luxuosas.
A legislação só permite que ex-mandatários fiquem com presentes que sejam considerados de “natureza personalíssima”, como medalhas personalizadas, e itens de consumo direto, a exemplo de alimentos, camisetas e bonés.
O ministro Augusto Nardes, do TCU, determinou que “caso existam outros presentes recebidos” por Jair Bolsonaro “do governo da Arábia Saudita, estes deverão ser restituídos imediatamente, sob pena de sanção em face do descumprimento de decisão desta Corte”.
Em quatro anos, Jair Bolsonaro, seus ministros e representantes viajaram 150 vezes para a Arábia Saudita.
PRIVATIZAÇÃO E PROPINA
Ao mesmo tempo em que recebia os presentes milionários, transcorria o processo de privatização da refinaria Landulpho Alves, da Bahia, o que acabou acontecendo logo depois.
Quem comprou foi o fundo árabe Mubadala, que possui vários sócios árabes, mas o principal deles é exatamente o governo dos Emirados Árabes que enviou parte dos presentes.
A refinaria acabou sendo vendida para este fundo financeiro por R$ 10 bilhões, quando, na verdade, por ser uma das mais importantes do país, valia o dobro deste preço, R$ 20 bilhões.