
Nos primeiros protestos em todo o país desde o início do enfrentamento com a Rússia, milhares de pessoas foram às ruas em Kiev, Lviv, Dnipro, Odessa e outras cidades ucranianas. As marchas condenavam a assinatura de uma lei pelo presidente Vladimir Zelensky que põe fim à independência do Escritório Nacional Anticorrupção (NABU, na sigla local), e da Procuradoria Especializada em Combate à Corrupção (SAPO).
A legislação, aprovada na Rada Suprema (parlamento ucraniano), estabelece a completa subordinação da SAPO ao procurador-geral, indicado por Zelensky, outorgando-lhe o direito de supervisionar as investigações do NABU, exigir que qualquer caso seja encaminhado a este órgão e também poderá dar-lhe instruções. Além disso, o NABU realizará suas atividades sob a supervisão do procurador-geral etodos os acordos de culpa e suspeitas deverão ser acordados com ele.
Nos últimos meses, os órgãos afetados revelaram diversos casos de corrupção envolvendo figuras da administração de Zelensky, entre os quais o vice-premiê Alexey Chernyshov, acusado de integrar um esquema bilionário no setor da construção civil.
Cerca de 1.500 manifestantes em Kiev se reuniram em um parque logo abaixo de um prédio do governo conhecido como a Casa das Quimeras, entoando palavras de ordem como “Vergonha” e “Veto à lei”. A multidão era composta por estudantes, jovens ativistas e veteranos do exército, alguns deles envoltos em bandeiras ucranianas azuis e amarelas. O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, também participou da demonstração, juntamente com outros membros de sua família.
O deputado Yaroslav Zhelezniak, que se opôs à aprovação dessa lei, relatou à imprensa que, em um dos atos que ocorreu em frente ao Teatro Franko, na capital ucraniana, as pessoas acusavam o governo de promover uma “capitulação à corrupção”. Protestos semelhantes foram registrados em Lviv.
OPERAÇÃO PODE INTERROMPER CASOS EM ANDAMENTO
Antes de ser detido, um dos diretores do NABU, Ruslán Magamedrasúlov, declarou que a ofensiva do governo representa uma tentativa de desmobilizar seu trabalho, impedindo as investigações em andamento. A instituição também alertou para o risco de perda de sua independência funcional.
Parlamentares ucranianos, como Alexey Goncharenko, apontam que as recentes ações contra o NABU podem estar ligadas ao escândalo com o vice-premiê.
Goncharenko ressaltou que o interesse do governo sobre o NABU “surgiu depois do caso Chernyshov”. “Zelensky vem tentando destruir a independência do NABU há tempos. E agora está muito perto de conseguir”, afirmou.
A ONG Centro de Ação Anticorrupção argumentou que a nova lei tornaria essas agências irrelevantes, pois o procurador-geral poderia “interromper as investigações contra todos os amigos do presidente”.
REAÇÃO INTERNACIONAL
Os primeiros a reagir contra as medidas adotadas pelo regime ucraniano foram os embaixadores dos países do G7 — Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido — além da União Europeia, sentindo que a defesa de Zelensky fica insustentável com essas posições abertamente antidemocráticas.
“Todos compartilhamos o compromisso de apoiar a transparência, a independência das instituições e a boa governança, e valorizamos nossas parcerias na Ucrânia para combater a corrupção em conjunto”, afirmou o grupo em nota conjunta.
A Comissão Europeia também demonstrou preocupação com a nova lei. “Essas instituições são cruciais para a agenda de reformas da Ucrânia e devem operar de forma independente para combater a corrupção e manter a confiança pública”, declarou o porta-voz Guillaume Mercier.