“Me querem presa ou morta”, denunciou a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner que apontou as “20 mentiras” que os juízes utilizaram na sentença condenatória
A sentença de primeira instância que condenou, sem nenhuma prova, nesta terça-feira (6), a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, a seis anos de prisão e à “inabilitação especial perpétua para o exercício de cargo público”, foi alvo de repúdio do conjunto dos movimentos sociais, do governo argentino e de manifestantes diante do tribunal que a condenou.
Na verdade, como a própria Cristina, de 69 anos, já havia denunciado, a sentença já estava escrita. Afinal, os supostos atos de corrupção na concessão de obras públicas na província de Santa Cruz durante sua presidência nunca foram analisados por juízes, mas por um tribunal que a vice-presidente qualificou de “pelotão de fuzilamento”.
CONLUIO ESCANDALOSO
Os promotores trabalharam com afinco, denunciou, para “inventar fatos, ocultar outros, tergiversar e mentir” de modo tão afrontoso e com farta repercussão nos meios de comunicação, a ponto de gerar um clima hostil que estimulou agressões à ex-presidente e até um atentado contra a sua vida em primeiro de setembro.
Continua repercutindo o vazamento dos áudios do “escândalo do Lago Escondido’, a reunião em Bariloche em que juízes, promotores e ex-agentes de inteligência, transportados por um jatinho executivo do grupo midiático Clarín, acertaram os passos que se seguiriam na perseguição a Cristina.
“UMA INOCENTE FOI CONDENADA”, ALERTA O PRESIDENTE
“Hoje, na Argentina, uma pessoa inocente foi condenada. Alguém a quem os poderosos trataram de estigmatizar por meio da mídia e perseguir por meio de juízes complacentes que frequentam jatos particulares e mansões de luxo nos fins de semana”, reagiu o presidente Alberto Fernández.
Ainda segundo o presidente, foram violados os princípios do devido processo e de duplo julgamento.
O ministro da Justiça, Martín Soria, disse: “Há mais de uma década, Cristina Kirchner foi condenada na mídia pelo Grupo Clarín. Hoje, a Máfia Judicial transformou esse ódio em uma sentença ilegítima que tem a assinatura do antiperonismo e um desejo indescritível: nos proibir mais uma vez e controlar a democracia”.
Ele acompanhou sua mensagem com uma imagem da capa do jornal Clarín na qual se lê o criminoso editorial do jornalista Pablo Vaca, intitulada “A bala que não saiu e a decisão que vai sair”.
Cristina assinalou que “a verdadeira sentença não é a prisão, é a inabilitação perpétua para ocupar cargos públicos”, que deram porque “condenam o modelo econômico” do peronismo. Ela compartilhou um extenso documento nas suas redes sociais sobre a farsa de que é vítima. Veja no link:
https://www.pagina12.com.ar/502683-una-por-una-las-20-mentiras-sobre-la-causa-vialidad-que-deta
CTA, CGT E AVÓS DA PRAÇA DE MAIO NAS RUAS POR CRISTINA
Por sua vez, o deputado nacional da Frente de Todos e secretário-geral da Central de Trabalhadores da Argentina, Hugo Yasky, disse que “essa sentença vergonhosa é a estocada final do lawfare na Argentina. O partido judicial deu mais um passo na perseguição e proscrição de Cristina Kirchner.”
“A história absolverá Cristina e o povo, como sempre, a defenderá nas ruas”, acrescentou, reiterando “o mais enérgico repúdio à sentença” e à promotoria encabeçada por Diego Luciani e Sergio Mola. “Se trata dos mesmos agentes judiciais que demonstram ter uma conivência escandalosa com setores políticos e econômicos interessados em proscrevê-la porque não se dobra diante do seu poder”. A CGT também se solidarizou com a vice-presidente.
A presidente da Associação Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, manifestou apoio incondicional à vice-presidente: “Parece que esses criminosos querem que ela morra de ataque cardíaco, de tantos problemas que estão lhe dando, ou que vá para a cadeia”. Carlotto propôs que “o mais rápido possível, esse Judiciário, que está governando o país, deve ser punido com o peso da lei”.
Além disso, a líder das Avós da Praça de Maio assegurou que, com a sentença, “estão transgredindo todas as regras, como criminosos”, conclamando o governo a “retirá-los do lugar que ocupam”. “É preciso dar ideias ao presidente para proceder com a rapidez necessária e justa para que paguem por estes crimes de mentiras e denúncias, que não são só contra a Cristina, mas contra muitos mais”, analisou.
PODER ECONÔMICO E MIDIÁTICO CONTROLA ESTADO PARALELO
A verdade, explicou Cristina Kirchner, é que “o poder econômico e midiático controla uma espécie de Estado paralelo. É um sistema disciplinador da liderança política argentina. Não dos que pensam como eles, os de Juntos pela Mudança [a principal aliança opositora, que trabalha para Mauricio Macri]. Falo de nós, do peronismo, dos que temos um compromisso com os direitos das pessoas”.
“Uma máfia, um Estado paralelo. Quem pagou pelo avião? Era o Grupo Clarín, Magnetto, através de seus representantes. Jorge Rendo, a quem não há político ou juiz que não o conheça, o operador todo-o-terreno da Magnetto e do Grupo Judicial”, acrescentou.
É uma situação tão absurda que, para apelar da sentença, ela terá de se dirigir “a Hornos, que é tio da esposa do presidente do tribunal que me condenou. Além disso, eles jogam futebol com o promotor da causa”.
“PROCESSO CRIVADO DE IRREGULARIDADES E VIOLAÇÕES”
O governo divulgou um documento destacando que o “processo judicial é crivado de irregularidades e violações de legalidades, constituindo um claro cerceamento de seus direitos [de Cristina] e do eleitorado”, uma armação “que busca cassá-la em vista das próximas eleições”.
Para ser legítimo, esclarece, “este processo judicial e a sentença deveriam estar baseados em provas categóricas sobre sua responsabilidade criminal e respeito irrestrito ao devido processo legal e ao direito de defesa que a protege”. No entanto, “sob o pretexto de investigar e punir atos de corrupção, foram violadas as garantias fundamentais do Estado de Direito: foram ignoradas as garantias básicas do devido processo, como a presunção de inocência, o direito de defesa e o princípio da objetividade que deve orientar as ações do Ministério Público”. Só assim, defende o governo, abrindo espaço para o que foi pedido pelos procuradores federais, o Tribunal poderia construir e ditar essa sentença ilegítima.
ARMAÇÃO VIOLA OS DIREITOS HUMANOS
Consequentemente, “nos encontramos diante de um ato antirrepublicano do Judiciário”, que se sustenta como prática que “viola os direitos humanos” e que opera como “condição dos processos eleitorais e da agenda política”.
O fato, sublinha o documento, é que estamos diante da “perseguição à principal referência política deste país”, enquanto “permanecem impunes ex-funcionários que permitiram ou endossaram o endividamento criminoso da Argentina e geraram pobreza e indigência na população”.
“Por sua vez, a escassa evolução no processo do atentado contra a vice-presidente, com a inexplicável divisão das investigações entre mandantes e autores do crime, e a relutância em apurar ligações políticas, evidenciam a falta de legitimidade do Judiciário”, protesta o governo.
“APURAR O ENCONTRO SECRETO E AS RELAÇÕES ESPÚRIAS”
Nesse sentido, acrescenta, “as evidências de um encontro secreto entre juízes, poder político e poder econômico no Lago Escondido fazem parte do mesmo problema, sendo mais um indício das relações espúrias entre esses setores”.
“A situação atual do funcionamento do Judiciário e suas relações obscuras com o poder político e econômico, que hoje tem uma sentença ilegítima contra a vice-presidente Cristina Fernández”, conclui o documento, implica expor a responsabilidade do Estado argentino perante organismos internacionais, que devem realizar uma apuração exaustiva desses processos judiciais irregulares.