A presa política e denunciante de crimes de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão, Chelsea Manning, impetrou nova apelação à corte federal do Distrito Leste da Virgínia pedindo sua libertação do cárcere e execrando a cínica chantagem lançada contra ela, de que enquanto não mentir para incriminar o jornalista Julian Assange por suposta espionagem, não será solta. Ela está presa há quase dois meses.
“A ideia de que eu tenho a chave da minha própria cela é absurda, conforme me deparo com a perspectiva de sofrer de um ou outro modo devido a esta intimação desnecessária e punitiva: posso ir para a prisão ou trair meus princípios”, afirmou Manning na apelação apresentada à corte por seus advogados.
A chantagem foi explicitada pelo juiz do caso, ao qual, na nova apelação, com a altivez que granjeou admiração no mundo inteiro entre as pessoas de bem, Manning asseverou que “trair meus princípios é uma prisão muito pior do que a que o governo pode construir”.
Para o tribunal-farsa montado para culpar Assange, o fato de Manning se recusar a mentir para incriminá-lo é um “desacato civil”.
Foi Manning que trouxe aos povos do mundo os arquivos dos crimes de guerra dos EUA, inclusive o tenebroso vídeo “Assassinato Colateral”, em que um helicóptero Apache chacina em 2007 uma dezena de civis desarmados, inclusive dois jornalistas da Reuters e um pai que levava as crianças para a escola numa van e tentou prestar socorro. Todo o massacre foi realizado sob orientação do comando central. Ele se deparou com essas provas dos crimes de guerra quando era analista em uma base no Oriente Médio.
“Depois de dois meses de confinamento, e usando todo mecanismo legal disponível até aqui, eu posso – sem qualquer hesitação – atestar que nada me convencerá a testemunhar perante este ou outro grande júri sobre essa questão”, declarou Manning. “A cada dia que passa, meu desapontamento e frustração crescem, mas também meu compromisso em fazer a coisa certa e mantenho minha recusa a me submeter”.
Para os advogados, a figura jurídica do “desacato civil” não permite a prisão indefinida de Manning. A defesa dela denuncia, ainda, que o propósito real dos esforços do governo para forçá-la a testemunhar perante o grande júri é para minar seu testemunho como testemunha de defesa de Assange.
A denunciante ficou presa por sete anos depois de ter sido condenada a 35 anos de prisão, enquanto os que cometeram os crimes de guerra que ela mostrou, e os que deram as ordens de cometer esses crimes, seguem impunes. Foi torturada por quase um ano, antes de ir a julgamento. O governo Obama, que não puniu nenhum criminoso de guerra, nenhum torturador, mas perseguiu jornalistas e denunciantes sob uma lei ‘antiespionagem’ fora de uso, da época da I Guerra Mundial, no finalzinho do segundo mandato resolveu comutar sua pena.
Durante as audiências na corte marcial a que foi submetida em 2013, Manning já dera extenso depoimento sobre sua decisão de levar ao conhecimento do público os malfeitos da ocupação no Iraque e no Afeganistão e já relatara tudo sobre sua interação com o WikiLeaks e Assange.
A prisão arbitrária de Manning está dentro das manobras do regime de Washington para punir exemplarmente o jornalista Assange, calar outros possíveis denunciantes de crimes de guerra dos EUA e criar o precedente de que a Casa Branca, a seu bel prazer, poderá exercer a mais drástica censura, em qualquer local do planeta, já que nem Assange é norte-americano, nem o WikiLeaks é uma organização jornalística com sede nos EUA.
A ira do establishment contra Assange é tamanha, que une a reação tanto na ala ‘democrata’, quanto na ala ‘republicana’. A então secretária de Estado Hillary Clinton, queria silenciar Assange “com um drone”. O secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, chamou o WikiLeaks de “ente de inteligência não-estatal hostil” e “não protegido pela Primeira Emenda” – a da liberdade de expressão.
Desde que o presidente traíra equatoriano, Moreno, chamou a polícia inglesa para arrancá-lo de dentro da embaixada onde se encontrava asilado, o jornalista Assange já foi condenado a quase um ano de cadeia por “violação de fiança” sobre um caso que a Suécia já havia retirado.
Na primeira audiência sobre o pedido de extradição apresentado por Washington, Assange, por videoconferência desde o presídio de segurança máxima em que foi jogado, disse ao tribunal de fancaria inglês, que “não ia se render à extradição por fazer jornalismo premiado”. Para facilitar a encenação na corte inglesa, a acusação apresentada oficialmente contra Assange é de que ele “tentou ajudar” Manning a “violar uma senha” no caso dos arquivos do Departamento de Estado. Mas todos sabem que o processo secreto, que existe há anos, tem como acusação “espionagem”, sujeitando-o à prisão perpétua ou pena capital.