DENOY DE OLIVEIRA
“Máquina Mortífera 2”, de Richard Donner, foi lançado em 41 cinemas, Mel Gibson, sem dúvidas “hamletianas”, é o astro do filme, empunhando moderníssima metranca.
O filme tem todos os ingredientes para você levar um bruto impacto nos peitos, nos tímpanos e na retina. Espaços em todas as mídias. Casas cheias. Esse é o filme que o povo está querendo ou é o filme que estão querendo que o povo queira?
Na verdade, nada é tão simples assim, mas o fato é que eles se acumulam mais de um lado que de outro. Pra tirar o verniz de implicância, vou lembrar do filme “Mandrake”, do Fellini, e que a mídia abrigou com fotos do Mastroiani na pele do mágico e o filme nem aconteceu. Eu torcia pelo filme porque vibro com HQ, Fellini e Mastroiani.
Claro que o meu objetivo é o CB – Cinema Brasileiro. O João Batista de Andrade, grande amigo e parceiro, estava em Cannes e “cantava” um possível comprador. O gringo simpaticamente negaceava e acabou explicando: “Sabe qual é o problema? Vocês só fazem filme brasileiro”. Simples não?
E vejam quantas implicações neste papo arrevesado em Cannes. Só que, na verdade, o buraco é mais embaixo. Nesse buraco mergulham a explosão do Cinema Japonês e seus signos imperiais, exemplares como “Máquina Mortífera”, e até produções esmerilhadas pelo mercado, em que mais se trombeteia é a influência das Ideologias que abrem caminho às sabedorias do Mercado na reconciliação dos Homens com os Deuses.
Mas, nos seus “Crepúsculos”, Wagner já vaticinava que os Deuses não retomam o acesso à humanidade a não ser pelos liames da Pureza, da Essencialidade que cederam lugar à Esperteza e a Ganância.
Mais do que nunca, existe (sim!) uma Ideologia, somando Gerson, Maquiavel e Ademar, da “vantagem em tudo”, “dos fins justificando os meios”, do “rouba mas faz”.
E que tem nosso cinema com isso? Ah! Sim… Falamos da “Máquina Mortífera 2″ (2… o que prenuncia quantas mais?). Bem, só que é muito barulho por nada. Dizem que isso é bom porque sublima a violência, acalmando e tranquilizando as pessoas. Mas de qual violência nos sublima? A agressividade também é o ‘habitat” do inconformismo. Nessa história tem treta. O Cinema não é uma arte ingênua. A arte não é ingênua. É bom começar a pensar nessa sublimação. Impotência e ejaculação precoce não dão pra gozar a dois. Só a um.
“A Falecida” é vídeo para coleção
“Falecida” de Leon Hirszman, de 1965, é outro vídeo para sua coleção. Roteiro sobre o texto de Nelson Rodrigues e a presença fulgurante de Fernanda Montenegro em seu primeiro trabalho no cinema. Com o rigor que caracterizava seus trabalhos, Leon adaptou com precisão o clima da peça, realizando um dos filmes que marcaram o Cinema Novo.
Nelson Rodrigues tem um legado importante em nossa dramaturgia. Foi dos poucos a entender que a complexidade convive com os simples e despossuídos. Eles não gritam apenas de fome e sede de justiça. Eles carecem de afeição, identidade e alimento espiritual. Parece evidente, mas nem sempre foi. E certamente essa falha levou nossa arte e nosso povo a retrocessos dolorosos.
“Falecida” é Zulmira, mulher simples e suburbana, obcecada pelo fantasma da morte. Seu projeto maior é um enterro grandioso, que compense sua vida vazia, sem grandes lances e encantamentos. Algo lhe diz que ela vai morrer cedo. Mas o marido possessivo e alucinado torcedor do Vasco, não vai entender os sonhos da mulher, misturando traição e dinheiro.
O elenco é exemplar. Fernanda Montenegro é a alma do filme. Paulo Gracindo, o amante fortuito e Ivan Cândido, o marido. Outros grandes atores: Joel Barcelos, Vanda Lacerda e Hugo Carvana. Música de Radamés Gnatalli e o samba “Luz Negra”, de Nelson Cavaquinho.
“Falecida” foi premiado no Festival Internacional do Rio. Leon Hirszman foi um artista com a alma torturada pela criação e os dramas de seu povo. Eu me recordo dele, dias após o golpe de 64, murmurando obsessivo: “Precisamos fazer alguma coisa…”. Sua militância roubou muito do artista. Produziu relativamente pouco. Seus últimos longas foram “São Bernardo” e “Eles Não Usam Black Tie”. Despediu-se com uma trilogia belíssima: “Imagens do Inconsciente”, sobre um trabalho da psicanalista Nise da Silveira. Leon, um lutador, um artista, um amigo.