Mesmo assim não deu certo, graças à firmeza do funcionário de carreira da alfândega
Se havia alguma dúvida sobre os relatos de que Jair Bolsonaro perseguia implacavelmente qualquer um que se arvorasse a investigar os malfeitos seus e de sua família, a notícia neste terça-feira (7) do Estadão, da demissão do ex-secretário da Receita Federal, José Tostes, que dirigia o órgão quando da apreensão das joias sauditas contrabandeadas, dirimiu todas elas.
Pouco mais de um mês após o episódio da descoberta pelos fiscais da Receita de joias no valor de R$ 16,5 milhões escondidas no fundo da mochila de um assessor do ministro Bento Albuquerque, o então secretário da Receita, José Tostes, foi afastado do cargo. A demissão ocorreu após as primeiras tentativas frustradas de Bolsonaro de retirar as joias trazidas ilegalmente para o Brasil.
A estratégia usada pelo governo para disfarçar a demissão de José Tostes foi o anúncio de Paulo Guedes de uma mudança geral de sua equipe. Tostes, que já era servidor aposentado da Receita quando comandava o órgão, era bem avaliado pela área técnica em geral. Ele foi afastado também por conta da nomeação do corregedor da Receita. Nesta época, o clã queria perseguir servidores que denunciaram ilícitos de Flávio Bolsonaro e o corregedor não permitiu.
Antes de Bolsonaro tirar Tostes, quatro tentativas já tinham sido feitas para ficar com as joias. A primeira foi a decisão da comitiva do então ministro de Minas e Energia (MME) Bento Albuquerque de entrar com as joias escondidas. Depois, o próprio Albuquerque voltou ao aeroporto e tentou levar os pacotes na marra. A terceira foi enviar um ofício do MME ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro daquele ano, solicitando ajuda. O MRE, por sua vez, pediu informações para saber que providências tomar para liberar as joias.
Como a delegação do ministro Bento Albuquerque escondeu as joias em duas mochilas – uma delas conseguiu entrar e a outra foi apreendida -, não declarou os bens trazidos. Depois, alegou que as joias eram destinados à primeira-dama, recusando-se a informar que eram presentes oficiais, portanto, destinadas ao acervo da Presidência, o que levou à sua apreensão. As viagens de Bento Albuquerque já vinham sendo monitoradas pela alfândega.
O substituto de Tostes foi o auditor fiscal Julio Cesar Vieira Gomes que assumiu em dezembro de 2021. Ele fez pressão sobre os fiscais do órgão para que liberassem as joias apreendidas em 26 de outubro de 2021. O novo chefe da Receita tentou, por diversas vezes, reaver as joias, sem sucesso.
Em 30 de dezembro de 2022, a um dia de sair do governo, Bolsonaro presenteou Julio Cesar com um cargo na Embaixada brasileira em Paris, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reverteu a nomeação no início do governo Lula.
A última tentativa de se apoderar das joias por parte de Jair Bolsonaro foi feito três dias antes de deixar a Presidência. O ofício encaminhado para resgatar as joias apreendidas pela Receita dizia que “os bens foram ofertados ao presidente da República pelo reino da Arábia Saudita”.
Alegavam, no documente, que retirariam as joias e depois definiriam se os presentes eram pessoais ou oficiais. A Receita refuta essa versão. A lei diz que as joias só poderiam entrar no país legalmente, pagando-se os impostos, se fosse de caráter pessoal, ou isentas se destinadas ao acervo oficial.
Essa tentativa de última hora desmente a versão dada por Bolsonaro e de sua mulher de que não sabiam da existência do “presente”. O documento da Presidência, divulgado pelo Estadão, foi enviado no fim do dia 28 de dezembro de 2022, restando três dias para o fim da gestão Bolsonaro, e é assinado pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens, o “faz-de-tudo” de Bolsonaro. No dia seguinte, um sargento ligado a Mauro Cid foi enviado até Guarulhos, mas não conseguiu sair de lá com as joias, como queria o mandatário.