Em uma longa lista de “afinidades” (sic) que teria com Bolsonaro – lista longa, pois a entrevista ao “Valor Econômico” até que é pequena, mas este é, praticamente, o seu único tema – o ex-vice-governador Márcio França, atualmente pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSB, afirma:
– “… é ‘super compreensível’ uma pré-candidatura do Partido Socialista Brasileiro ter pontos de afinidade com Bolsonaro”.
– “… sua proximidade com Bolsonaro é antiga, desde 2007, quando ambos eram deputados federais”.
– “… diz que foi em seu gabinete que Bolsonaro conheceu Michelle, com quem o presidente é casado”.
– “França afirma que sua família e a de Bolsonaro são da mesma região de São Paulo, do Vale do Ribeira, e que sua avó é de Eldorado, onde o presidente foi criado”.
– “… cita que Bolsonaro tem três ministros que foram do PSB, na época em que era líder da sigla na Câmara”.
– “ ‘Tem um monte de gente com relações cruzadas’, diz França, citando suas amizades com integrantes do governo”.
Diz Márcio França que seu partido precisa “contornar” as críticas a seu achegamento a Bolsonaro, e que “ninguém tem dúvida do meu posicionamento do ponto de vista ideológico, mas eu não me indispus e não me indisponho com as pessoas” (v. Valor, 14/08/2020, p. A-8).
Resta saber para que serve esse “posicionamento ideológico”, se não é para distinguir as pessoas que são a favor do povo e do país, daquelas que são contra o povo e contra o país.
Posicionamento ideológico, certamente, não é o nome de um biombo abstrato atrás do qual se possa esconder qualquer coisa – ou um condão que permita ao seu possuidor fazer tudo o que é contrário a esse mesmo “posicionamento ideológico”.
Considerando que já morreram 110 mil brasileiros na atual pandemia de COVID-19; que as relações de trabalho regrediram pelo menos 90 anos – ao período anterior à Revolução de 30 e à fundação do Ministério do Trabalho; que o país caiu no abismo da recessão mesmo antes da epidemia; que o Ministério da Saúde foi destroçado, no meio dessa epidemia, porque os ministros não queriam seguir Bolsonaro, Trump e outros anormais, na promoção de uma tentativa de genocídio; e que o Ministério da Educação, sufocado em seus recursos, depois de Vélez e Weintraub, oscila na ponta de uma agulha – considerando isso, e mais, não deveria ser tão difícil, assim, usar o “posicionamento do ponto de vista ideológico” para distinguir quem são os bons e quem são os ruins para o Brasil – e, consequentemente, para a cidade de São Paulo.
Entretanto, Márcio França não somente não faz isso, como exibe – e até exagera – a sua intimidade com Bolsonaro, como se isso fosse um mérito, ou lhe desse votos, ou, simplesmente, fosse alguma coisa bonita.
Por exemplo, é um exagero dizer que “eu não me indispus e não me indisponho com as pessoas”. Pois há, pelo menos, uma exceção importante – o governador João Doria.
Por que Doria mereceria tal distinção do ex-vice-governador, mas não Bolsonaro, que é chamado de “super gentil” por Márcio França?
Apenas por ressentimentos da última campanha eleitoral?
Pois é evidente quem, entre Doria e Bolsonaro, representa uma catástrofe para o país, quem é um elemento oposto à mais incipiente civilização – ciência, arte, cultura, humanidade.
É possível imaginar – e até mesmo ter pena – de pessoas que veem grande coisa em Bolsonaro, apenas porque são tão atrasadas, ignorantes e desumanizadas quanto ele.
Não são muitas, mas existem, assim como existem outros tipos de iludidos ou de gente que foi tapeada – com ou sem “redes sociais”, “robôs” e “fakenews”.
Porém, Márcio França não faz parte dessas turmas – ele é, afinal de contas, pré-candidato do PSB à Prefeitura da maior cidade do país, foi vice-governador do Estado economicamente mais robusto do país, foi prefeito de uma das nossas mais conhecidas cidades históricas e foi um dos que, com o governador Miguel Arraes, refundou o seu partido, após a derrubada da ditadura.
Que Bolsonaro possa distribuir algumas benesses a (poucos) apaniguados, promover um beija-mão, etc., não desmente o que acabamos de dizer sobre ele. Também Nero gostava, de vez em quando, desses alisamentos com o “centrão” da Roma Antiga… Mas não durava, e não dura, muito.
Entretanto, diz Márcio França, “a esquerda não pode ficar retida em guetos”.
Normalmente, as pessoas só “ficam retidas” em guetos quando se as obrigam a ficar neles.
Por vontade própria, somente se o sujeito for algum obtuso – é o caso, exatamente, do bolsonarismo.
Pelo jeito, Márcio França deixou de reparar no óbvio: quem está em risco de encerrar-se em um “gueto”, é ele mesmo. E sem receber nenhuma retribuição, em votos, por tal vocação para prisioneiro de Zenda.
Pois a ideia de que o bolsonarismo o apoiará como candidato oposto ao candidato de Doria, nas próximas eleições, não é racional.
Entretanto, Márcio França parece tão fixado nessa ideia sem base na realidade, que conta uma “narrativa” bem pouco real da campanha passada: “já houve voto ‘BolsoFrança’. Claro. Eu tive os votos majoritariamente do público que votou no outro campo, mas eu tive os votos de quem votou Bolsonaro“.
Certamente, não. Com exceções que não têm significado, Márcio França foi o candidato de quem não votou em Bolsonaro nas últimas eleições. Na época, o eleitorado bolsonarista votou em Doria.
Entretanto, como o vento desfaz os caminhos na areia, Doria não acompanhou Bolsonaro na descida ao Inferno – isto é, em seu “projeto” de destruição do Brasil. E vários dos apoiadores de Bolsonaro que apoiaram Márcio França – por exemplo, o senador Major Olímpio – deixaram, em boa hora, o apoio a Bolsonaro.
Infelizmente, é ele quem procura, agora, “afinidades” com Bolsonaro, depois que outros descobriram que não tinham essas afinidades.
Daí, não somente essa memória falsa sobre os votos que recebeu na última eleição, mas a afirmação de que “o governo federal precisava arrumar R$ 1 trilhão para dar R$ 600 para todo mundo e Bolsonaro deu um jeito e fez”.
A conta está errada, inflacionada e hipervalorizada – até agora, o governo federal gastou R$ 182,87 bilhões com o auxílio emergencial de R$ 600, em uma previsão de R$ 254 bilhões (v. HP 18/08/2020, Em 5 meses, governo só gastou 60% dos recursos de combate à pandemia e HP 19/08/2020, Bolsonaro manipula números para inflar gastos com Covid).
O resto, somos obrigados a dizer, é, apenas, mentiroso.
Bolsonaro queria, no máximo, um auxílio emergencial de R$ 200.
Foi o Congresso que, contra o governo, contra Bolsonaro, ampliou a ajuda, na pandemia, para R$ 600.
Márcio França sabe disso. Por isso mesmo, é tão grave essa sua bajulação a um elemento tão antinacional, antipopular e antidemocrático – tão pequeno, degradado e estúpido – quanto Bolsonaro.
Porque ele sabe que Bolsonaro não é o autor dos feitos que está celebrando.
CARLOS LOPES
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Márcio França: não concordo em nada com a sua entrevista o Bolsonaro é uma pessoa má e mentirosa, arbitrário e simpatizante do fascismo e do nazismo inclusive chegou ao poder mentindo muito a CPI das Fake News mostrou tudo inclusive as milhares de mensagens feitas por robôs é muitas mentiras, mais aos poucos está sendo desmascarado.