O anúncio do candidato do PSB a prefeito de São Paulo, Márcio França, de que adaptará o programa “Nome Limpo”, de Ciro Gomes (também chamado “SPCiro”), à sua plataforma eleitoral para a capital paulista, não seria notável, se não fosse a intenção que tal anúncio revela.
Pois, a julgar pela nota aparecida na coluna de Mônica Bergamo, na “Folha de S. Paulo”, Márcio França – que se dedicou, nos últimos meses, a acenar e mesmo destacar sua proximidade com Bolsonaro – pretende, como estratégia para chegar à Prefeitura da maior cidade do país, somar, aos votos bolsonaristas, os votos anti-bolsonaristas.
Assim, ele seria um candidato, ao mesmo tempo, bolsonarista e anti-bolsonarista…
O transformismo – mesmo o transformismo simultâneo, aquele em que o candidato se apresenta ao mesmo tempo como duas coisas opostas – não é uma novidade nas eleições brasileiras. Aliás, Bolsonaro, em certas faixas, é quase isso, ou, talvez, seja exatamente um transformista desse tipo.
Porém, Ciro Gomes é um dos principais nomes da oposição democrática, isto é, da oposição ao fascismo, da oposição a Bolsonaro.
Portanto, é um político sério.
Em sua campanha a presidente, nas eleições de 2018, Ciro lançou um programa que previa a renegociação da dívida daqueles cidadãos que, por ter seu nome inscrito no SPC, não tinham crédito no comércio. Assim, com o “nome limpo”, esses consumidores poderiam voltar a fazer compras no crediário, com o efeito de ajudar a revitalização da economia, como um fator para o seu crescimento.
Uma medida desse tipo vai no sentido oposto ao da política econômica de Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Se depender destes, a economia do Brasil será apenas uma cópia em tamanho maior daquela “economia do bodo”, que, segundo José Saramago (v. “O Ano da Morte de Ricardo Reis”), era a economia de Portugal sob a ditadura salazarista.
Com a diferença, talvez, que no lugar do “bodo” – distribuição de parcos alimentos aos mais necessitados – estaria o paupérrimo “renda Brasil” ou algum outro sucedâneo do ainda mais paupérrimo “bolsa-família”.
O marasmo econômico e o raquitismo social, entretanto, seriam os mesmos – elevados à vigésima potência, no caso do Brasil.
Nada mais oposto ao programa que Ciro Gomes tem apresentado (v. o seu livro, Projeto Nacional: O Dever Da Esperança, LeYa, 2020).
Porém, Márcio França não vê oposição – provavelmente, nem diferença de caráter – entre a política de Guedes/Bolsonaro e a medida proposta por Ciro Gomes.
Com um agravante: o anúncio de Márcio França está sendo excelente para que os blogs lulistas e petistas tentem implicar Ciro Gomes nas “afinidades” que Márcio França diz ter com Bolsonaro (v. HP 19/08/2020, Márcio França apresenta suas afinidades com Bolsonaro).
O que é injusto, pois Ciro nada tem a ver com essa aderência ao bolsonarismo, que ignora, precisamente, o seu cunho fascista, ou seja, antidemocrático, antipopular e antinacional.
De resto, a estratégia eleitoral de Márcio França se parece muito com as aventuras do Mundico – aquele personagem das cartilhas escolares da década de 50, que queria equilibrar copos, pratos, cálices, taças e até talheres, numa pirâmide colossal, que, claro, sempre se esboroava no chão, com as consequências que o leitor pode imaginar.
Nas últimas eleições, Márcio França, que era candidato a governador, teve os votos anti-bolsonaristas.
Foi assim que, no município de São Paulo, teve 58,1% dos votos no segundo turno (3 milhões, 393 mil e 92 votos).
Enquanto isso, seu adversário, o atual governador João Doria, que recebeu os votos dos eleitores de Bolsonaro, teve 41,9% dos votos (2 milhões, 447 mil e 309 votos).
Uma diferença, portanto, de 16,2 pontos percentuais (ou 945 mil e 783 votos) a favor de Márcio França (e, a grosso modo, dos votos anti-bolsonaristas).
A estratégia de França é, na próxima eleição, captar os votos bolsonaristas pela propaganda – inclusive hipertrofiada, para não dizer enganosa – de sua intimidade com Bolsonaro.
Assim, pretende chegar a prefeito da capital de São Paulo.
No entanto, Márcio França não parece levar o óbvio em consideração: que as “afinidades” recém-descobertas com Bolsonaro fazem com que sua votação se reduza no eleitorado anti-bolsonarista.
É inútil pensar que conservará o voto de quem votou nele, para governador, porque era o candidato contrário ao candidato de Bolsonaro – que, naquela época, era Doria.
Embora, sua tentativa de incluir um dos pontos do programa de Ciro em sua plataforma para a Prefeitura, pode refletir alguma consciência de que está perdendo votos ao aproximar-se de Bolsonaro.
Mas França não quer estancar essa perda afastando-se de Bolsonaro. Pelo contrário, quer juntar-se a Bolsonaro e usar Ciro como contrapeso.
Em suma, quer estancar essa perda de votos à custa de comprometer Ciro Gomes, que, no 1º turno de 2018, teve 15% dos votos para presidente no município de São Paulo – um resultado, aliás, extraordinário, contra Bolsonaro.
O mais provável, entretanto, é que Márcio França prejudique a si próprio – e aos que o apoiam para prefeito – com tanto contorcionismo político.
CARLOS LOPES
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