O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou na sexta-feira (18/01) que tem “remetido ao lixo” pedidos como o de Flávio Bolsonaro, para paralisar as investigações sobre as movimentações financeiras suspeitas de seu motorista, Fabrício Queiroz.
“Já na sexta-feira, pela manhã, assinarei a decisão”, disse o ministro. E repetiu: “sexta, dia 1º de fevereiro”.
Segundo Marco Aurélio, “o Supremo não pode variar, dando um no cravo outro na ferradura. Processo não tem capa, tem conteúdo. Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo. Não é antecipação de decisão. É só coerência com o que, até aqui, fiz”.
E acrescentou: “O procedimento tem de ser único. A lei vale para todos, indistintamente. Isso é república, é democracia“.
O ministro Marco Aurélio é o relator do pedido de Flávio Bolsonaro para impedir as investigações.
Alguns bolsonaristas – por incrível que pareça – lembraram que Bolsonaro, em vídeo onde aparece junto a Flávio Bolsonaro, em março de 2017, repudiara o foro privilegiado (“eu não quero essa porcaria de privilégio”), que é a base do pedido do mesmo Flávio para impedir as investigações sobre Queiroz.
O vídeo é o seguinte:
Embora, também é verdade que, com sua elasticidade moral, Bolsonaro defendeu a manutenção do “foro privilegiado” em abril de 2018, ou seja, pouco mais de um ano após condená-lo (v. Bolsonaro copia PT e defende a continuação do foro privilegiado).
INVESTIGAÇÃO FUNDADA
Na quinta-feira, 17/01, o ex-procurador geral Rodrigo Janot fez um sucinto comentário, no Twitter, sobre a decisão do ministro Luiz Fux, a pedido de Flávio Bolsonaro, de suspender as investigações sobre as atividades de Fabrício Queiroz:
“Heinnnnnnnnnnnnn???????????”
Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, fez movimentações, em sua conta bancária, que somaram R$ 1,2 milhão – “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira”, segundo constatou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) -, inclusive com um repasse de R$ 24 mil para a mulher de Jair Bolsonaro.
Na época dessas movimentações, Queiroz estava lotado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), como motorista do deputado estadual Flávio Bolsonaro, e nove outros funcionários do gabinete do filho de Bolsonaro depositavam em sua conta.
Diante do protesto geral – que assumiu proporções de escândalo na quinta-feira, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informou que a investigação fora suspensa por decisão do STF -, o ministro Fux tomou a providência de tornar pública a sua liminar.
Além disso, emitiu a seguinte declaração:
“Tomei uma medida de urgência provisória até o pronunciamento do ministro Marco Aurélio [relator do pedido de Flávio Bolsonaro], que deve ocorrer daqui a nove dias úteis, quando acaba o recesso [do STF]. A minha atuação antecedente e independente em todos os processos demonstra não ser inerente à minha atuação suspender investigações fundadas.”
É verdade. Apenas, os protestos – e, evidentemente, as inevitáveis suspeitas – não se referem às “investigações fundadas” que Fux não suspendeu, mas a uma que ele, concretamente, suspendeu.
A leitura da liminar que Fux concedeu, demonstra que é justificado o espanto, inclusive entre procuradores, promotores, juízes – até mesmo ministros do STF -, e, também, entre os oficiais-generais das Forças Armadas (v. a coluna de Gerson Camarotti, Área militar do governo mostra desconforto com suspensão da investigação do caso Queiroz).
Diz o ministro, como já mencionamos em outra matéria (mas, então, apenas baseado em um relato sobre a liminar, não na leitura dela):
“O reclamante [Flávio Bolsonaro] foi diplomado no cargo do senador da República, o qual lhe confere prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal. À luz do precedente firmado, compete ao Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento dos parlamentares por atos praticados durante o exercício do mandato e a ele relacionados.”
O ministro Fux sabe perfeitamente – porque votou a favor e foi um dos maiores defensores da medida – que o STF, em decisão tomada em maio do ano passado, estabeleceu que “o foro privilegiado de senadores e deputados somente vale para crimes cometidos durante o mandato e somente para crimes relacionados com o mandato” (v. Supremo Tribunal Federal limita o foro privilegiado).
Portanto, não se aplica o citado (pelo ministro Fux) “princípio da Kompetenz-Kompetenz”, pelo qual um juiz, ou tribunal, tem competência para decidir sobre a sua própria competência (daí o nome alemão: “competência-competência“).
Nesse caso, o tribunal (isto é, o STF) já decidiu qual a sua competência – e ela abarca somente os crimes cometidos durante o mandato (e somente os crimes relacionados com o mandato).
No caso do período investigado nas atividades de Queiroz, Flávio Bolsonaro nem ao menos era candidato a senador.
Portanto, ele não pode usar seu futuro mandato de senador para fugir da investigação.
Muito menos para impedir as investigações sobre Queiroz, que não é senador, e, ao que tudo indica, não vai ser.
Mas, sejamos justos com o ministro.
Essa não é sua única alegação para paralisar as investigações (ainda que seja por nove dias, como disse) sobre Queiroz.
A outra é a seguinte:
“Da análise dos autos, constata-se que a autoridade Reclamada [o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ)] teria solicitado informações ao COAF, acerca de dados bancários de natureza sigilosa, titularizados pelo Reclamante [Flávio Bolsonaro], abrangendo período posterior à confirmação de sua eleição para o cargo de Senador da República, sem submissão a controle jurisdicional”.
Até agora, o MPRJ não falou sobre isso. A forma como foi escrito esse trecho é, no mínimo, estranha: começa com um “constata-se”, mas, em seguida, o verbo muda para o condicional, aliás, futuro do pretérito (“teria solicitado”). Por que o ministro não escreveu “solicitou”, ao invés de “teria solicitado”, se houve uma “constatação”?
Até agora, tanto os advogados de Flávio Bolsonaro quanto o Ministério Público declararam que o então deputado estadual não era um dos investigados nesse Procedimento de Investigação Criminal (PIC). O investigado era Queiroz.
Na sexta-feira (18/01), o Ministério Público reafirmou, em nota oficial, que não estava investigando Flávio Bolsonaro, embora não exclua essa hipótese para o futuro, “de acordo com a dinâmica da investigação”.
Mas, “mesmo que Flávio Bolsonaro seja investigado e mesmo que ele tenha prerrogativa de foro, ela não faria diferença no caso (…). Primeiro porque ele ainda não é senador, já que não tomou posse do cargo. Depois porque os fatos investigados pelo MP do Rio são anteriores ao mandato que ainda não começou” (cf. Sérgio Rodas e Gabriela Coelho, Se Flávio Bolsonaro tivesse foro no STF, não valeria para caso Queiroz, dizem juristas, Consultor Jurídico, 17/01/2019).
Mas, vamos imaginar que Flávio Bolsonaro estivesse coberto pelo “foro privilegiado”.
Por que o ministro Fux, para valer esse direito ao privilégio, precisava suspender todo o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) – inclusive as investigações sobre os 10 deputados que foram presos como receptadores de propina e os 75 funcionários da Alerj com movimentações financeiras suspeitas?
A resposta, inclusive de alguns (não poucos) bolsonaristas, é que esse era o modo de paralisar as investigações sobre Queiroz. Aqui, estamos apenas colocando a questão.
DENTRO DO PLANALTO
Houve um consenso, entre os juristas, de que o pedido de Flávio Bolsonaro foi uma espécie de estilingue manejado ao contrário: nesses casos, geralmente, a pedra bate na testa do atirador.
Um jurista observou: Flávio Bolsonaro, ao entrar com o pedido no STF, agiu como “procurador de Queiroz” – ou seja, demoliu seu próprio discurso de que nada tinha a ver com as movimentações financeiras de seu motorista.
Alguns ministros do STF, que falaram “em off” – ou seja, sem aparecer –, lembraram que, se prevalecer o pedido de Flávio Bolsonaro, a investigação será tocada pela Procuradoria Geral da República – que estará obrigada a investigar Jair Bolsonaro.
A consequência, portanto, seria, disse um ministro do STF, “levar o problema para dentro do Palácio do Planalto”.
Fabrício Queiroz foi colocado no gabinete de seu filho por Jair Bolsonaro.
Os dois se conheceram em 1984, quando estavam no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista (a propósito, existe outro membro do governo Bolsonaro que esteve ligado a Queiroz nessa época: o vice-presidente Hamilton Mourão, que era comandante de Queiroz quando este deixou os paraquedistas, em 1987).
O que fazia Queiroz, então, no gabinete de Flávio Bolsonaro?
Pois ele fazia alguma coisa, ao contrário de outros funcionários, como um certo Wellington Servulo Romano da Silva, que morava em Portugal (segundo Queiroz disse, em entrevista ao SBT, “o número de funcionários é tão grande que eles não cabem no gabinete“).
No que aqui nos interessa – as movimentações financeiras – Queiroz recolhia dinheiro dos funcionários, que transferiam parte do salário para a sua conta (v. Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro e Movimentações de Queiroz eram sincronizadas com depósitos de funcionários).
As duas filhas de Queiroz e sua mulher também eram funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Aliás, a relação dos Queiroz e dos Bolsonaro é muito parecida com aquela da família Butler com a família Fowl na popular série “Artemis Fowl”, do escritor irlandês Eoin Colfer, na qual uma das famílias existe para servir a outra.
Assim, uma das filhas de Queiroz, Nathalia, personal trainer bastante conhecida no Rio de Janeiro, que recebia um salário de R$ 9.835,63 no gabinete de Flávio Bolsonaro, depositou R$ R$ 97.641,20 na conta do pai – praticamente tudo o que recebeu enquanto esteve na Alerj.
Demitida da Alerj, Nathalia foi nomeada assessora em Brasília, no gabinete do deputado federal Jair Bolsonaro, sem que sua rotina de vida mudasse em nada, muito menos a sua residência e o seu trabalho como personal trainer no Rio de Janeiro.
C.L.
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