
“Peço o apoio e a força de todos os artistas, mobilizadores, realizadores e agentes culturais do Brasil”, destacou a cantora e produtora cultural baiana
A cantora baiana Margareth Menezes, de 60 anos, aceitou o convite do presidente eleito Lula (PT) para comandar o Ministério da Cultura, que será recriado na gestão petista, após ter sido rebaixado a uma secretaria vinculada ao Ministério do Turismo na gestão Bolsonaro.
“Agradeço ao presidente Lula pela confiança, tendo a certeza de que será um grande desafio e uma enorme responsabilidade. Vamos trabalhar incansavelmente para reerguer a Cultura do nosso país!”, afirmou Margareth no Twitter.
Também pela rede social, onde recebeu diversas manifestações de carinho e incentivo dos internautas, a cantora pediu o apoio dos artistas para “juntos, de mãos dadas, restabelecermos com plenitude essa área que é tão ampla”.
“Eu, como artista, sei que não será fácil, por isso, peço o apoio e a força de todos os artistas, mobilizadores, realizadores e agentes culturais do Brasil e também de cada cidadão, para juntos, de mãos dadas, restabelecermos com plenitude essa área que é tão ampla, tão diversa”.
Margareth nasceu em 1962, em Salvador (BA). Ingressou no meio artístico em 1980, no teatro. Lançou o seu primeiro álbum em 1988 e hoje soma 14 discos lançados. Já conquistou dois troféus Caymmi e quatro troféus Dodô e Osmar, além de receber várias indicações ao Grammy, considerado o “Oscar da Música”.
Em 2004, fundou a Associação Fábrica Cultural, destinada a combater o trabalho infantil, exploração sexual e violações de direitos. Margareth também dirige o Mercado Iaô, uma agência de produção cultural na Bahia, e é embaixadora da IOV-UNESCO, grupo que visa fomentar e preservar a produção cultural. Neste ano, foi eleita pela lista Most Influential People of African Descent como uma das pessoas negras mais influentes do mundo.
Precursora do axé, movimento musical que surgiu no estado da Bahia na década de 1980 durante as manifestações populares do Carnaval de Salvador, e que tem como grandes expressões Daniela Mercury e Ivete Sangalo, entre outros, o termo “axé” também tem acepção religiosa: no candomblé e na umbanda ele significa energia positiva.
Em sua carreira, a cantora tem criado pontes entre a música negra baiana e a jamaicana, gravando com Jimmy Cliff, e assimilando temas de religiões de matriz africana em sua estética. Desde o começo da década de 1990, Margareth alavanca uma carreira internacional, tendo feito shows de abertura e cantado na banda de David Byrne, ex-vocalista do Talking Heads, além de ter sido indicada ao Grammy, nos Estados Unidos, como já citado, e se destacado no nicho da world music.
Margareth chegou a se apresentar com ícones da música mundial, como os guitarristas Jimmy Page, do Led Zeppelin, e Ron Wood, dos Rolling Stones, além de ter estabelecido, com frequência, parcerias com os tropicalistas e conterrâneos Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre muitos outros.
“Faraó”, “Dandalunda” e “As Áfricas Que a Bahia Conta” são algumas das principais canções de Margareth. A cantora deverá ser uma das atrações do “Festival do Futuro“, show que será realizado após a posse de Lula, no dia 1º de janeiro.
A artista integrou desde o começo os trabalhos do governo de transição, como parte do grupo de cultura ao lado da atriz Lucélia Santos, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, o secretário nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares, o músico e poeta Antônio Marinho e a deputada federal Áurea Carolina.
Apesar de alguma resistência ao seu nome por parte de alguns colegas, Margareth recebeu o apoio de Caetano Veloso. “Acho ela muito boa. Se ela foi convidada, então tem que ser mantido o convite”, afirmou à Folha de São Paulo, quando a artista ainda não havia confirmado se aceitaria o convite.
“Margareth vem como um respiro e um símbolo. Mulher, preta, baiana. Passou por teatro, atuou internacionalmente como movimentador cultural. Fez turnê com David Byrne”, declarou a cantora Maria Gadu. “Não é só esse lance de ser artista. Ela circula há tantos anos colocando o Brasil em outro panorama. Chegou a hora de o Brasil recolocar Margareth no panorama”, ressaltou Gadu.
RECONSTRUÇÃO
Margareth Menezes assume o Ministério com o desafio de reinserir a cultura no papel de destaque e importância que ela merece. Rebaixado à secretaria no governo de Jair Bolsonaro, a pasta é ocupada, atualmente, pelo policial militar André Porciúncula, defensor do armamentismo.
Porciúncula, anteriormente secretário de Fomento e Incentivo, setor responsável pela Lei Rouanet, durante uma convenção de um grupo pró-armas, em março, recomendou que os participantes usassem R$ 1,2 bilhão de recursos dessa lei para produzir conteúdo a favor da política armamentista. Neste mês, foi nomeado secretário pelo combalido presidente Jair Bolsonaro.
Em abril, a Agência Pública revelou que o policial disse que daria R$ 1 bilhão da Lei Rouanet para conteúdo pró-armas. A ideia, porém, não foi para frente. A promessa foi feita no fim de março, quando ele ainda não havia deixado a pasta para disputar as eleições.
Antes do ex-capitão, esteve à frente da Secretaria de Cultura o decadente ator Mário Frias, desempregado à época, eleito deputado federal por São Paulo (PL) nas eleições de outubro. No comando da pasta, Frias travou uma batalha pela destruição da Cultura no país. Atuou pelo desmonte da Lei Rouanet, que tem como objetivo incentivar a cultura e pressionar por leis benéficas para o setor, como a Aldir Blanc e a Paulo Gustavo, além de atacar artistas e escritores.
Antes de Frias ser indicado ao cargo, a Secretaria da Cultura foi ocupada pela atriz Regina Duarte, fervorosa apoiadora do presidente Bolsonaro. Regina ficou no cargo por menos de cinco meses. Foi demitida em 20 de maio de 2019. O anúncio da sua demissão ocorreu depois de uma série de desencontros: a atriz fez nomeações consideradas inadequadas ao perfil ideológico do governo e foi criticada pelo presidente em razão dos períodos que passou longe de Brasília.
Humilhada por Bolsonaro, que lhe prometeu a direção da Cinemateca em São Paulo, mas nunca fez a nomeação, Regina acabou tendo seu contrato rompido com a Rede Globo, onde trabalhou por mais de 50 anos e atuou em diversas novelas e minisséries. Inacreditavelmente, manteve o apoio ao candidato presidente derrotado na disputa deste ano.
Durante as eleições, o governo recém-eleito assumiu com a classe artística o compromisso de recriar – e reestruturar o Ministério da Cultura. “Quem tem medo de cultura é quem não gosta do povo e não gosta de liberdade, é quem não gosta de democracia, e nenhuma nação do mundo será uma verdadeira nação se não tiver liberdade cultural. O país vai recuperar a sua cultura”, afirmou Lula ao discursar durante um ato da sua campanha na Avenida Paulista, em São Paulo.