
“A tentativa de criminalização e perseguição de ONGs historicamente dedicadas à proteção da floresta é inaceitável”, denunciou a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede).
Quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que mostravam o aumento do número de queimadas na Amazônia em relação aos anos anteriores, Bolsonaro se prontificou para dizer que as queimadas eram causadas por ONGs e que o presidente do Instituto estava a serviço de uma delas.
Depois do incêndio que atingiu Alter do Chão, oeste do Pará, que aconteceu em setembro, membros de uma brigada que ajudou a conter o desastre passaram a ser perseguidos pela Polícia Civil.
Na última terça-feira, quatro brigadistas foram presos temporariamente por “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação”. As supostas provas anexadas ao inquérito, porém, provam somente que os brigadistas não agiram senão com o intuito de conter o incêndio.
A conversa a seguir é entre Gustavo de Almeida Fernandes, que está preso, e uma interlocutora chamada Cecília:
GUSTAVO: Tá triste, foi triste, a galera está num momento pós-traumático, mas tudo bem.
CECÍLIA: Mas já controlou?
GUSTAVO: Tá extinto, é.
CECÍLIA: Que bom.
GUSTAVO: Mas quando vocês chegarem vai ter bastante fogo, se preparem, nas rotas, nas rotas inclusive.
CECÍLIA: É mesmo?
GUSTAVO: Vai, o horizonte vai tá todo embaçado…
CECÍLIA: Puta merda
GUSTAVO: Mas normal, né?
CECÍLIA: Não começou a chover ainda? Porque em Manaus…
GUSTAVO: É, vai começar a chover em dezembro pra janeiro. Se vocês tiverem sorte, chove um pouco antes ou depois que vocês ir embora (sic).
A interpretação que a Polícia Civil teve da conversa deixou claro que estão perseguindo os brigadistas. Para ela, a conversa deixa “perceptível referir-se a queimadas orquestradas, uma vez que não é admissível prever, mesmo nessa época do ano, data e local onde ocorrerão incêndios”.
Em outra conversa interceptada, e que o Blog da Folha teve acesso, membros da brigada conversam com um representante da WWF, que a patrocinou, e mostram certo desconhecimento sobre como as coisas funcionariam. Um dos brigadistas pergunta para o representante da WWF, por exemplo, se ao final do contrato de patrocínio eles deveriam devolver os equipamentos. “Não, é de vocês”, respondeu o representante.
O representante diz ainda que a empresa apenas quer aparecer nas imagens de divulgação da brigada, como contrapartida à doação. “O que a gente quer é a imagem de vocês. Porque a gente tem que prestar conta desse dinheiro que tá vindo de um outro fundo”.

Mais uma vez ignorando o real conteúdo da conversa, a Polícia Civil interpretou que a conversa “deixa compreensível o objetivo do grupo de brigadistas de Alter do Chão em obter vantagem financeira a título de patrocínio e outras formas de contrato, tendo como contraprestação fornecer conteúdo exclusivo de imagens do combate às queimadas, fazendo alusão ao patrocinador”.
O inquérito diz ainda que “as interceptações indicavam que o grupo de brigadistas estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão buscando beneficiar financeiramente a ONG”.
De acordo com o Blog da Folha, os brigadistas demonstram, nas conversas interceptada, bastante preocupação em manter o controle de notas fiscais emitidas em postos de gasolina.
Para Marina Silva, “a ação da Polícia Civil do Pará que prendeu brigadistas de incêndio em Alter do Chão e apreendeu equipamentos da ONG Saúde e Alegria exige esclarecimentos urgentes”.
O irmão de um dos presos fez um apelo em vídeo pela liberdade do brigadista:
Em nota publicada hoje (27), a ONG Brigada, acusada pela polícia de ter provocado incêndios em Alter do Chão, esclarece algumas questões referentes à prisão preventiva de quatro de seus brigadistas:
Nota de esclarecimento da Brigada de Alter do Chão
A Brigada de Alter do Chão vem a público comunicar que o pedido de revogação de preventiva feito pelos advogados de defesa para os quatro brigadistas presos preventivamente na madrugada de 26/11 pelo juiz da 1a Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, foi negada na audiência de custódia realizada nesta quarta-feira dia 27/11. O juiz pediu o prazo de dez dias para que a Polícia Civil pudesse evoluir na investigação que fundamentasse a prisão cautelar. Por considerar que os brigadistas não preenchem os requisitos do art. 312 do CPP, a defesa vai impetrar Habeas Corpus.
Aproveitamos para esclarecer informações equivocadas que têm sido divulgadas desde a manhã do dia 26 de novembro, quando quatro de seus voluntários foram detidos pela Polícia Civil em Santarém, no estado do Pará.
O primeiro esclarecimento a ser prestado diz respeito à relação entre a Brigada Alter do Chão e o Instituto Aquífero Alter do Chão. A Brigada é uma iniciativa lançada em 2018 e faz parte da organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Aquífero Alter do Chão para cooperação no combate a incêndios na região, com apoio de pessoas físicas voluntárias. Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização.
A respeito da menção a vídeos publicados na plataforma YouTube em que voluntários da Brigada de Alter do Chão supostamente apareceriam ateando fogo em matas, a Brigada não teve acesso a tais vídeos. Por desconhecer seu teor, a Brigada pode desenvolver duas hipóteses. Uma hipótese é de que as imagens sejam de treinamento de voluntários da Brigada, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes. A outra hipótese é de que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como “fogo contra fogo” – realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios. Cabe ressaltar que a Brigada de Alter do Chão aplica a tática de fogo contra fogo exclusivamente com a presença e o apoio do Corpo de Bombeiros.
A Brigada de Alter do Chão esclarece também que fez a devida declaração de doações no final do mês de setembro. Doações recebidas após esta data estão ainda sendo consolidadas em relatório e serão declaradas apropriadamente. Quanto ao valor destinado pela organização WWF-Brasil, ao contrário das informações veiculadas, trata-se não de uma doação, e sim de uma parceria firmada com o Instituto Aquífero Alter do Chão visando à aquisição de equipamentos para a Brigada. Conforme previsto no acordo, o Instituto Aquífero Alter do Chão prestará contas ao WWF-Brasil no dia 10 de dezembro de 2019.
Nota de esclarecimento WWF-Brasil: https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?74225/nota-de-esclarecimento-brigada-alter-chao
Além disso, é importante ressaltar que os documentos contábeis da organização estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos – valores estes que incluem doações de outras organizações não governamentais e de um elevado número de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior. Quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas – e serão dirimidas a seu tempo – pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento.
Faz-se necessário esclarecer, ainda, que os trechos de áudio de um brigadista voluntário que foram vazados para a imprensa estão sendo disseminados sem a devida contextualização.
Por fim, a Brigada de Alter do Chão salienta que os advogados de defesa de seus quatro voluntários detidos na manhã do dia 26 de novembro de 2019 consideram que a prisão é irregular. Os brigadistas voluntários foram levados para presídio e tiveram seus cabelos raspados, quando, pela lei, deveriam ser detidos na delegacia e ter sua integridade mantida.
Brigada de Alter do Chão