A doença americana – uma repetição ritualizada de genocídio – voltou a ocorrer neste domingo (1º) em Las Vegas, quando um atirador, depois identificado como Stephen Paddock, de 64 anos, irrompeu em fúria assassina desde o 32º andar de um hotel contra um festival de música country ao ar livre, massacrando 59 pessoas e ferindo mais 527 com disparos de rifle automático e, ao final, se suicidou.
Desde o massacre da Columbine High School de 1999 com 13 vítimas – que o cineasta Michael Moore transformou em instigante documentário-denúncia, à matança no ano passado em uma boate gay na Flórida com 48 mortos, passando pela chacina de 26 pessoas na escola primária Sandy Hook, das quais 20 crianças de seis e sete anos, em 2012, mesmo ano em que um atirador matou 27 em uma sessão de cinema, todo ano, várias vezes por ano, implacavelmente se repetem nos EUA as cenas de tiroteio em massa.
O irmão do serial assassino mostrou-se surpreso com o massacre, e retratou Stephen como um apostador, que fizera dinheiro com imóveis, dono de dois aviões pequenos e uma casa confortável e que tinha uma companheira. Foi, ainda, por três anos auditor da Lockheed Martin.
Desta vez, coube a Trump exorcizar o fantasma, classificando o ataque de Las Vegas como “o mal puro” – logo ele, que diante da Assembleia Geral da ONU há duas semanas ameaçou incinerar nuclearmente 27 milhões de pessoas da Coreia Popular.
Já os democratas, como de praxe, buscaram reduzir o problema à frouxidão das regras de venda de armas nos EUA e ao poderio do cartel do rifle, a NRA. No entanto, como Michael Moore já apontara lá atrás, no Canadá a posse de armas tem a mesma característica massiva dos EUA, e não há rotina de matança de inocentes a esmo. Como ele costuma dizer, não são as armas que matam por si, são as pessoas que empunham essas armas.
O que tais matanças refletem é uma sociedade profundamente doentia, de um narcisismo exacerbado que alimenta perversões e isolamento, marcada pela desigualdade cada vez maior, em que a apologia do massacre é veiculada nos meios de comunicação 24 horas por dia como ‘direito à revanche’, enquanto o Estado propala a ideologia fascistizante do “excepcionalismo”, em que o Império está livre de qualquer trava para bombardear, invadir, matar, torturar, promover golpes de Estado e grampear em massa, e que tem estado ininterruptamente em guerra há mais de duas décadas e em cujo gênese sempre esteve o genocídio. E onde o poder dos monopólios coisifica e aliena a tudo e a todos e infla o parasitismo e a especulação.
Uma sociedade tremendamente estéril e que leva muitos a perderem qualquer capacidade de identificação com o próximo, caracterizada por um vazio existencial próprio da iminência de colapso ou desagregação de um sistema apodrecido. O que muitas vezes explode como um ódio irracional, incontrolável, em que pessoas que sequer são percebidas como pessoas se tornam meros alvos aleatórios sobre o qual se descarrega as armas, tendo frequentemente como final a autossupressão, último estágio de uma situação em que nada já faz sentido. A.P.