A atual legislatura, que começou em 2 de fevereiro, trouxe mais uma cena que vai tornar o debate no Congresso mais complexo.
Cinco partidos de centro e de direita criaram formalmente na Câmara dos Deputados, nesta semana, novo bloco parlamentar que reúne 142 dos 513 deputados.
Até então integrante do trio que formava o Centrão ao lado do PL de Jair Bolsonaro e do PP de Lira, o Republicanos aderiu agora ao MDB, PSD, Podemos e PSC, formando assim a maior força política da Casa — MDB e PSD integram a base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, juntos, ocupam seis ministérios.
A movimentação tem reflexos não só no dia a dia das votações no Congresso, como também na montagem da base de Lula e na sucessão de Lira em fevereiro de 2025.
De acordo com parlamentares ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo, o governo, que tem trabalhado até agora em alinhamento com o presidente da Câmara, não influenciou na montagem do bloco.
RAZÃO REAL
A divergência que levou o Republicanos à essa movimentação, segundo atento observador da cena parlamentar, é o fato de Lira ter a intenção, com antecedência inexplicável, de apresentar o sucessor dele no comando da Casa — o deputado Elmar Nascimento (União-BA).
O braço político da Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus) não concorda com essa antecipação.
Após a formalização da união, líderes de Republicanos, MDB, PSD e Podemos se encontraram com o presidente da Câmara, na última quarta-feira (29), para sinalizar que não há intenção de afronta.
Lira postou foto nas redes sociais dele em que parabeniza os partidos e afirma que sempre defendeu a redução dos partidos, “fortalecendo-os e dando à sociedade confiança no nosso sistema partidário”.
RAZÃO APARENTE
A união do Republicanos aos governistas PSD e MDB teve como objetivo formal fazer frente às articulações de Lira para formar federação entre PP e União Brasil, o que acabou não vingando.
Os dois partidos, porém, podem ainda formar um bloco.
PP e União Brasil, porém, somariam 108 deputados, ficando atrás dos 142 do novo bloco capitaneado por MDB, PSD e Republicanos.
A criação dessa nova força política na Câmara não significa que Lira deixa de ser peça fundamental no Congresso. Na cadeira da presidência, ele tem o poder de pautar matérias e influenciar na distribuição de verbas do Orçamento, tendo ascendência inclusive sobre parlamentares do bloco recém-formado.
MEDIDAS PROVISÓRIAS E ORÇAMENTO
Além do simbolismo político de reunir o maior contingente de cadeiras, a união dá poder ao bloco na composição das comissões mistas (entre Câmara e Senado) que devem ser retomadas para a análise das medidas provisórias, na Comissão de Orçamento e no dia a dia das votações em plenário.
Alguns integrantes do novo bloco afirmam que a união pode ser estímulo para adesão futura de parte do Republicanos a Lula, embora dois componentes conspirem contra:
1) a avaliação consensual de que nenhum partido de centro e de direita deve dar apoio fechado ao governo; e
2) o fato de o partido abrigar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos nomes cotados para a disputa presidencial de 2026.
Outra implicação da formação do bloco, essa a longo prazo, diz respeito à sucessão de Lira no comando da Câmara.
O líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA), é considerado por vários parlamentares como o candidato de Lira à sucessão dele.
NOVOS POSTULANTES AO COMANDO DA CÂMARA
Com o novo bloco, ganham força outros nomes, como o presidente do Republicanos e vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), e o líder do MDB, Isnaldo Bulhões Jr. (AL).
Embora dois anos seja tempo mais do que suficiente para bruscas mudanças na política, se a eleição para o comando da Câmara fosse hoje, Elmar teria apoio potencial de cerca de 200 deputados — a soma de PP, União Brasil e o oposicionista PL — contra 142 do candidato do novo bloco.
Os cerca de 120 votos do PT e demais partidos de esquerda, nesse caso, seriam decisivos para um dos dois lados.
MENOS PODER
O movimento ocorre ao mesmo tempo em que o presidente da Câmara trava disputa com o Senado em torno da tramitação das medidas provisórias — que são o principal mecanismo do governo para legislar —, mas que precisam ser validados pelo Congresso.
Lira defende modelo que mantenha nas mãos dele o poder sobre a tramitação dessas medidas. Todavia, o Senado quer retomar o que está previsto na Constituição: a formação inicial de comissões mistas, compostas meio a meio por deputados e senadores.
Lira já cedeu no pleito inicial, propondo que essas comissões tenham três deputados para cada senador, mas essa proposta de proporcionalidade deve ser recusada pelos senadores.
O imbróglio persiste, com potencial de estrago para os interesses do governo. Alguns aliados de Lira dizem, reservadamente, que o presidente da Casa forçou a mão nesse episódio e que agora será obrigado a ceder.
ADESÃO DE DISSIDENTES DO CENTRÃO
Eleito — com base de partidos de esquerda e centro esquerda que ocupam apenas 1/4 das cadeiras da Câmara —, Lula buscou num primeiro momento atrair para a base do governo PSD, MDB e União Brasil, distribuindo três ministérios para cada uma destas legendas de centro e de direita.
Fruto da fusão do DEM (ex-PFL, partido arquirrival do PT) e PSL, partido que elegeu Bolsonaro, o União Brasil projeta-se como a sigla com potencial de ter o maior número de dissidentes contra o Planalto.
Na votação da última quarta-feira (29), por exemplo, a sessão da Câmara foi derrubada a pedido da própria liderança do governo por receio de derrota, já que Elmar Nascimento, o líder da bancada do União Brasil, havia orientado os deputados a entrar em obstrução.
Mesmo que haja adesão majoritária de PSD, MDB e União, o governo terá base condicionada, que não é considerada folgada, porque tem que negociar a cada votação.
Assim, para isso, precisaria de apoio que superasse, com relativo conforto, o mínimo necessário para aprovação de emendas à Constituição, que são 308 das 513 cadeiras. Por isso, Lula busca também a adesão de dissidentes do Centrão.
M.V