
O governo Bolsonaro tentou realizar um evento contra a vacinação nesta terça-feira (04). A audiência pública convocada pelo Ministério da Saúde deu amplo espaço para negacionistas que, mesmo diante das comprovações científicas, afirmam que a imunização de crianças contra a Covid-19 é “coisa do passado” e que “devemos olhar além do buraco de avestruz onde só se vê vacina.
No entanto, as vozes da ciência, representadas por entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), Associação Médica Brasileira (AMB) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), prevaleceram às urras bolsonaristas e demonstraram a necessidade e a urgência da vacinação de crianças.
Ao abrir a audiência, a secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Leite de Melo, apresentou com empolgação o resultado da enquete realizada pelo governo federal na internet sobre a vacinação de crianças. Na votação, organizada como uma das barreiras para dificultar a imunização, foi concluído que os participantes são contra a vacinação obrigatória de crianças.
Mesmo com a maior parte das respostas contrárias à prescrição médica, o governo federal exigirá a apresentação do documento para a vacinação de crianças. A secretária Rosana Leite também pontuou que crianças com comorbidades serão prioridade. Depois, a vacinação será por faixa etária.

Circo
Para compor o grupo de “especialistas” anti-vacina, a deputada federal Bia Kicis (PSL-SP), uma das principais representantes da ala ideológica do governo Bolsonaro, indicou médicos Roberto Zeballos, José Augusto Nasser e Roberta Lacerda, reconhecidos contrários à imunização de crianças, defensores da imunidade de rebanho e propagadores de fake news, para falar em nome da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), que é presidida por Kicis.
“Devemos retirar a cabeça do buraco de avestruz onde só vê vacina e vamos olhar quais são as circunstâncias atuais do Brasil”, defendeu o médico Roberto Zeballos, em nome da CCJ da Câmara. Ao criticar a vacinação ele defendeu que “estamos usando uma solução para um problema do futuro”.
O médico que ficou conhecido por ser um dos principais porta-vozes da chamada imunidade de rebanho voltou a defender o contágio da população. “Pagamos um preço caríssimo, mas a cepa Gama imunizou muita gente, isso é imunidade adquirida”, defendeu Zeballos durante a audiência.
Em sua fala, Zeballos chegou a dizer que a cepa ômicron do coronavírus, que causa alerta em todo o mundo pelo seu alto índice de contágio e pode não ser coberta pelas vacinas atuais foi “enviada por Deus”.

Covid-19 causou a hospitalização de 34 mil crianças
Marco Aurélio Sáfadi, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, desmontou as bravatas dos indicados pelo governo durante a audiência pública.
Ele destacou que a Covid-19 tem total relevância na população pediátrica e não pode ser subestimada.
Sáfadi destacou que a taxa de letalidade em crianças, apesar de baixa em comparação ao total da população, é sim motivo de alerta. “Temos 22 milhões de casos, mais de 620 mil mortes, uma mortalidade de algo 2,5 a 3%. São 2.500 crianças mortas, 34 mil hospitalizações no grupo de 0 a 19 anos de idade. Para cada uma das 34 mil hospitalizações, o risco de morte era de 7%”.
“A cada 15 crianças hospitalizadas por Covid-19, uma delas era vitimada pelo vírus. Boa parte das que sobrevivem sofrem com as seqüelas do vírus”, ressaltou o médico.
Ele relembrou que o público alvo da vacina, crianças de 5 a 11 anos, representaram 1/5 das hospitalizações e 14% das mortes.
Sáfadi apontou ainda que a taxa de mortalidade no Brasil, “de 41 mortes para cada milhão de crianças, é cinco vezes maior que nos Estados Unidos e dez vezes maior que no Reino Unido”.
Todas as vacinas que estão sendo aplicadas em crianças no mundo cumpriram o seu objetivo principal: prevenir hospitalizações e prevenir mortes.
Destacou que os eventos adversos apontados pelo governo para dificultar a imunização das crianças, como os casos de miocardite em adolescentes é infinitamente superior nos casos de Covid, do que nos adolescentes que tomaram vacina.
Para encerrar, Sáfadi destacou que os dados sobre eficácia da vacina em crianças de 5 a 11 anos nos Estados Unidos, com a análise de 8 milhões de vacinados, evidenciaram que 97% do público não apresentou qualquer evento adverso grave, e que os casos de miocardite, neste público foi de apenas 11 casos. Todos eles de forma leve.

As crianças não merecem o vírus, diz Conass
Representando o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o secretário do Espírito Santo, Nésio Fernandes, defendeu combater “toda posição que estimule a hesitação vacinal”, pois reduz a capacidade do Sistema de Saúde de promover saúde e prevenir doenças.
“A vacinação é importante porque as crianças não merecem o vírus. Elas merecem uma proteção segura, cientificamente respaldada e aprovada pelas agências reguladoras. Elas merecem vacina”, defendeu Nésio.
Em resposta aos defensores da imunidade de rebanho e da infecção das crianças, o secretário relembrou que o surgimento de variantes do coronavírus acontece pela desigualdade na vacinação e na estratégia do governo federal.
“Eu faço um apelo para que não misturem Deus nas tragédias humanas e nos debates sobre o método científico. A variante ômicron não veio de Deus. Veio da desigualdade na distribuição mundial das vacinas e veio da incapacidade do mundo de apostar igualitariamente na vacinação como a principal medida de prevenção primária para doenças infectocontagiosas”.
“Assim tampouco a variante gama veio de Deus. Veio do desastre da adoção da estratégia da imunidade de rebanho como opção pelo governo central do Brasil”, ressaltou.
Ele criticou ainda a posição do Ministério da Saúde de exigir prescrição médica para a vacinação das crianças e relembrou que os Estados brasileiros não aceitarão tal exigência descabida. “Reitero a posição do Conass da não exigência de prescrição médica para a vacinação de crianças contra a Covid-19. Neste momento, 20 Estados do Brasil, que representam 80% da população brasileira, já publicaram norma sobre o tema”, disse.
“Nesses Estados não serão exigidas prescrições médicas para proteger as crianças da covid e das posições anti-vacinas. Acreditamos que ao longo da semana, todos os demais estados devem publicar normas semelhantes. Estados e Municípios tem competência para definir isso”, destacou.
O secretário de Saúde apontou ainda que as “vacinas não são experimentais. “Elas passaram pelas fases 1, 2 e 3. Tiveram autorização das agências reguladoras dos principais países do mundo e, no Brasil, pela Anvisa.
“A variante ômicron implica na necessidade de ampliar a vacinação para mais de 90% da população total. E isso só será alcançado com a imunização de crianças. O SUS está preparado para vacinar as crianças do Brasil. Tanto na cobertura vacinal, como também na proteção de qualquer uma que tiver algum evento adverso leve, moderado ou grave, no processo de imunização”.
“Não se pode aceitar mortes por doenças imunopreviníveis. Em sociedades civilizadas as crianças não morrem por doenças imunopreviníveis. Qual o projeto de país que nós queremos?”, questionou Nésio.
Vamos defender a vacinação, destacam entidades médicas
O médico Renato Kfouri, da Associação Médica Brasileira (AMB), conclamou que os pais e responsáveis vacinem seus filhos. Ele condenou as mentiras ditas pelos indicados do governo e rebateu as fake news apresentadas como “provas” pelos palestrantes e a desinformação causada por eles.
“Com muita experiência em vacina nesses mais de 25 anos [de carreira], estou tentando me recompor um pouco da quantidade de informações equivocadas que foram apresentadas para a gente durante essa manhã”, disse em referência aos palestrantes indicados por bolsonaristas.
“Quero tranquilizar as famílias e os pais que estão aqui. Porque se a gente acreditar em teorias conspiratórias, que os órgãos internacionais querem matar nossas crianças, [que] agem de má-fé, querem colocar em risco as vidas dos nossos filhos, realmente fica uma discussão muito desqualificada em termos de nível de entendimento”, acrescentou.
Para a representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM) Isabella de Assis Martins Ballalai, o momento é de vacinação das crianças. A médica disse que mesmo que os números indiquem que a variante ômicron seja menos letal, não deve ser desprezada.
“A Covid-19, graças à vacinação, deixou de ter o impacto de hospitalizações e mortes que teve desde o início da pandemia, e estamos vivendo isso. Mas a gente não pode menosprezar uma nova variante, a ômicron se mostra com uma incidência menor de hospitalizações e mortes, mas principalmente em pessoas vacinadas. Não é que ela é mais leve e não preocupa”, alertou.
A médica lembrou que as crianças foram muito prejudicadas pela pandemia, com o fechamento das escolas e as medidas de isolamento social.
“Elas ficaram sem escola, não foram vacinados, eles não podiam sair porque nós adultos estávamos morrendo, e agora que nós adultos não morremos mais porque estamos vacinados, nós levamos eles para o parque, para a [vida] social, na nossa flexibilização. Eles não têm direito a vacina?”, questionou.
O médico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Jose Davi Urbaez Brito também defendeu a inclusão dessa faixa etária no PNI como prioridade. Brito disse que a faixa etária de 5 a 11 anos de idade foi deixada de lado no planejamento do programa de vacinação, devido ao um “erro” de comparar a evolução da covid-19 em crianças com a evolução nos adultos, e que o certo seria comparar com doenças da própria faixa etária, o que demonstraria a importância da inclusão do grupo no PNI, devido ao caráter de imunização coletiva da vacinação.
ANDRÉ SANTANA