
Esquema bilionário usava fintechs como “banco paralelo” para lavar dinheiro do tráfico proveniente da adulteração e venda fraudulenta de combustíveis.
A megaoperação com 1400 agentes cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisão em oito estados contra a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A ação realizada nesta quinta-feira (28), mira a sonegação e a lavagem de dinheiro no setor de combustíveis.
Considerada a maior operação contra o crime organizado da história do país e reúne três frentes: Carbono Oculto, da força-tarefa do MP-SP, MPF, Receita Federal e as Polícias Federal, Civil e Militar, e Quasar e Tank, da Polícia Federal. Ao todo, 350 mandados de busca e apreensão foram expedidos contra pessoas físicas e jurídicas nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina. O valor do tributo sonegado ultrapassa os R$ 7,5 bilhões.
Todos os alvos são suspeitos de crimes como fraude fiscal, lavagem de dinheiro, estelionato, adulteração de combustíveis, crimes ambientais e crimes contra a ordem econômica. Segundo a Receita Federal, cerca de mil postos vinculados ao grupo movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024 e foram autuados em mais de R$ 890 milhões.
As irregularidades foram identificadas na importação, produção, distribuição e comercialização de combustíveis, além da ocultação de patrimônio. Uma fintech, uma instituição de pagamento, atuava como um banco paralelo da organização, movimentando sozinha R$ 46 bilhões não rastreáveis. A facção também controlava pelo menos 40 fundos de investimento com patrimônio de R$ 30 bilhões.
Segundo os agentes, o grupo teria comprado um terminal portuário, quatro usinas de álcool e 1.600 caminhões para transporte de combustíveis. A organização também teria adquirido mais de 100 imóveis, como seis fazendas em São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma casa em Trancoso, na Bahia, por R$ 13 milhões.
De acordo com o Ministério Público de São Paulo, proprietários de postos de gasolina que venderam seus estabelecimentos não receberam os valores da transação. Eles ainda foram ameaçados de morte caso fizessem qualquer tipo de cobrança.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, comemorou a megaoperação. Para ele, esta quinta é um momento “auspicioso” no combate ao crime organizado.
Ele também disse que o Brasil, nos últimos anos, tem observado a migração de organizações criminosas da ilegalidade para a legalidade, fenômeno que, segundo o ministro, também ocorre em outros países.
“Hoje é, para a segurança pública e para o governo do Brasil, um momento muito auspicioso no que diz respeito ao combate ao crime organizado. Estamos observando migração da ilegalidade para a legalidade. Importante dizer que esse não é só um fenômeno brasileiro, mas mundial, e tem se intensificado”, declarou Lewandowski.
“Temos verificado que, para combater esse fenômeno, não basta mais apenas uma operação, ou várias operações de natureza policial. É preciso uma atividade integrada de todos os órgãos governamentais, e nesse caso os órgãos fazendários, da Receita Federal, são imprescindíveis nessa tarefa”, acrescentou o ministro.
Lewandowski disse que a operação desta quinta é uma das maiores contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro no Brasil e no mundo, “sobretudo em sua atuação no mercado legal” de combustíveis.
Durante entrevista a jornalistas em Brasília, o titular do Ministério da Justiça apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, enviada pelo governo ao Congresso. O texto tem enfrentado a resistência de parlamentares da oposição.
“Quero dizer sobre a importância da PEC da Segurança que tramita no Congresso. O objetivo da PEC é que todas as forças de segurança se entrosem, inteligências compartilhadas e operações coordenadas. Precisamos institucionalizar isso. Esperamos que a PEC seja aprovada em breve, o que tornará essas operações cotidianas”, afirmou.

BALANÇO
Além de Ricardo Lewandowski, participaram de uma coletiva de imprensa em Brasília, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, além de representantes da Receita Federal.
Haddad afirmou que a megaoperação alcançou o “andar de cima” do crime organizado e a “refinaria do crime”. Segundo o ministro da Fazenda, a organização criminosa movimentou R$ 52 bilhões em quatros anos.
Já o diretor da Polícia Federal apresentou um balanço parcial da operação. Segundo Andrei Rodrigues foram até o momento:
- 141 veículos apreendidos
- 1.500 veículos sequestrados
- Mais de R$ 300 mil em dinheiro vivo apreendido
- 41 pessoas físicas e 255 pessoas jurídicas alvos de ordens judiciais
- bloqueados de mais de R$ 1 bilhão
- fechados 21 fundos de investimentos
- sequestrados 192 imóveis
- apreendidas duas embarcações

ESQUEMA
De acordo com as investigações, um dos principais eixos da fraude investigada passa pela importação irregular de metanol. O solvente, que chegava ao país pelo Porto de Paranaguá (PR), não era entregue aos destinatários indicados nas notas fiscais.
Em vez disso, era desviado e transportado clandestinamente, com documentação fraudulenta e em desacordo com normas de segurança, colocando em risco motoristas, pedestres e o meio ambiente.
O metanol, altamente inflamável e tóxico, era direcionado a postos e distribuidoras, nos quais é utilizado para adulterar combustíveis, gerando lucros bilionários à organização criminosa.
Segundo eles, consumidores pagavam por volumes inferiores ao informado pelas bombas (fraude quantitativa) ou por combustíveis adulterados fora das especificações técnicas exigidas pela ANP (fraude qualitativa).
Proprietários de postos de gasolina que venderam seus estabelecimentos comerciais para a rede criminosa também não receberam os valores da transação e foram ameaçados de morte, caso fizessem qualquer tipo de cobrança.
“O produto e proveito das infrações econômicas e penais foram realocados em uma complexa rede de interpostas pessoas que ocultam os verdadeiros beneficiários em camadas societárias e financeiras, especialmente em shell companies, fundos de investimento e instituições de pagamento”, explicam os membros do MPSP.
“Parcela substancial desses recursos sem lastro financiou a aquisição de usinas sucroalcooleiras e potencializou a atuação do grupo que absorveu em sua estrutura criminosa distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis”, completam.
FINTECHS
Considerada o principal centro financeiro do país, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo reuniu 42 dos 350 alvos da megaoperação. Só em um dos prédios da Faria Lima, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão. Policiais apreenderam documentos, computadores em empresas, corretoras e fundos de investimentos, as chamadas fintechs.
As transações financeiras do grupo criminoso passavam por fintechs controladas pelo crime organizado, cujo portfólio de clientes é formado majoritariamente por empresas do setor de combustíveis, segundo a Receita Federal.
Pelo menos 40 dessas empresas financeiras foram identificadas como financiadoras do esquema. Essas fintechs têm patrimônio de R$ 30 bilhões e ajudaram a comprar postos e caminhões de combustíveis, usinas de álcool, fazendas no interior de São Paulo e casas de luxo
Investigadores afirmam que o uso de instituições de pagamento, em vez de bancos tradicionais, tinha o objetivo de dificultar o rastreamento do dinheiro.
As fintechs operavam com contabilidade paralela, permitindo transferências entre empresas e pessoas físicas sem que os beneficiários finais fossem identificados.
MONITORAMENTO
De acordo com a Receita Federal, a dispensa de obrigatoriedade para que fintechs reportassem operações por meio do sistema e-Financeira foi explorada pela facção criminosa para escapar da fiscalização.
No fim de 2024, as fintechs e outras instituições de pagamento chegaram a ser incluídas no sistema e-Financeira, medida que ampliava também o monitoramento sobre o PIX. A regra, contudo, foi revogada após campanhas de desinformação sobre uma suposta cobrança de imposto no PIX.
“Publicamos essa instrução em setembro do ano passado, para valer a partir de janeiro. O que aconteceu em janeiro todos nós sabemos. A Receita Federal recebeu o maior ataque da história dela, de mentiras, de fake news, dizendo mentirosamente que aquela instrução normativa tratava de tributação de meios de pagamento”, disse o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
Segundo ele, o governo tentou manter a norma, que era positiva para o país e para combater o crime organizado, mas foi obrigado a recuar em razão da forte repercussão negativa nas redes sociais.
“Essas fake news foram tão fortes, que apesar de todo o esforço da Receita Federal, nós não conseguimos seguir essas mentiras, por conta da força de quem as impulsionava, o que já estava, inclusive, prejudicando o uso dos meios de pagamento instantâneo. Nós tivemos que dar um passo atrás e revogar essa instrução normativa. E as operações de hoje mostram quem ganhou com essas mentiras, com essas fake news”, completou.
Haddad anunciou que o governo retomará o monitoramento detalhado dessas instituições. Atualmente, mais de 200 instituições financeiras estão dispensadas de informar dados de movimentação à Receita.
“A partir de amanhã [sexta-feira, 29], a Receita Federal enquadra as ‘fintechs’ como instituições financeiras. O que significa isso? Que as ‘fintechs’ terão que cumprir rigorosamente as mesmas obrigações que os grandes bancos”, disse Haddad.
“Com isso, aumenta o potencial de fiscalização da Receita e a parceria da Receita com a Polícia Federal para chegar aos sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro que o crime organizado tem utilizado”, afirmou o ministro.
A partir desta sexta-feira (29), as fintechs deverão enviar à Receita as mesmas informações já exigidas dos grandes bancos, medida que será oficializada por uma instrução normativa do órgão.