Engenheiros criticaram a “inovação europeia e o complexo de vira-lata do prefeito Melo
Após a apresentação de relatório parcial sobre as enchentes de maio em Porto Alegre por uma equipe de especialistas holandeses contratada pelo prefeito Sebastião Melo [MDB], a única “novidade” foi a sugestão do uso de sacos de areia para contenção das cheias. Ao mesmo tempo, as conclusões apontadas no documento elaborado pelos europeus corroboram um manifesto divulgado no início da catástrofe por um grupo de estudiosos brasileiros. Esses estudos constatam: houve falhas no sistema anticheias em Porto Alegre, o que agravou a tragédia climática na vida da população.
“Comportas externas e casas de bombas vazando, a água do Guaíba invadindo ruas pela própria canalização e fazendo chafarizes em bocas-de-lobo”, descreve o engenheiro Vicente Rauber, ex-diretor do Departamento de Esgotos Pluviais [DEP], extinto em 2017, sobre o texto divulgado pelos estudiosos brasileiros. Os profissionais ficaram indignados com a situação e a ausência de ações preventivas por parte da prefeitura que poderiam ter mitigado os efeitos da tragédia.
“O grupo redigiu então uma ‘Manifestação aos porto-alegrenses’, com um diagnóstico da situação e propostas emergenciais, com a cidade ainda inundada, e propostas para depois de as águas baixarem”, explica o engenheiro. Ao contrário de acatar as recomendações, “a reação dos dirigentes da prefeitura e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) foi atacar os signatários e negá-la”, denuncia Rauber.
“Preferiu-se, então, trazer uma ampla delegação holandesa que, após avaliar a situação, anunciou preliminarmente: ‘É necessário recuperar a integridade do sistema, fazer o monitoramento de seus níveis de integridade e monitorar vazões e ventos, com alertas à população’”, continua. “Não há erro estrutural de projeto no sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre. Há sim uma gestão que deixou de cumprir com seus compromissos públicos”, aponta o ex-diretor do DEP.
“É importante fazer uma troca de experiências com os holandeses, por todo seu conhecimento e experiência histórica”, ressalta Rauber. Porém, “a questão ruim é como foram trazidos, para tentar negar o que era bem conhecido em nível local. Na segunda-feira, dia 19, a delegação entregou o relatório final à direção do Dmae, que somente divulgará sua íntegra daqui a dois meses. Porque escondê-la, se é de interesse público? Resolveu chamar uma entrevista coletiva para divulgar a sua versão”, critica o engenheiro.
Pesquisador e professor da Ufrgs, Fernando Meirelles, integrante do Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH/UFRGS – afirma que o plano original estabeleceu condicionantes claras. “Para a casa de bombas, é explícito que o sistema de diques e muro não poderia ser ultrapassado, pois isso inviabilizaria o seu funcionamento”, afirmou. “Não temos informações sobre como o projeto foi executado, nem sobre as alterações realizadas pelo Trensurb ou pela Fraport”, pontua. “Sendo assim, não havia possibilidade de concluir que houve problemas estruturais decorrentes da construção do sistema de proteção contra inundações na capital”, esclareceu Meirelles.
Ele afirma que houve negligência do Poder Público nas ações que poderiam diminuir o impacto da catástrofe no RS. “Existiram falhas evidentes na vedação, na permanência do portão no lugar da comporta, na permanência de casas sobre os diques, nas comportas das casas de bombas e nas ligações ‘irregulares’ identificadas no Dilúvio e no Centro Histórico. Além disso, há a alteração na Assis Brasil que deve ter sido realizada pelo DNIT”, enfatiza.
INOVAÇÃO EUROPEIA
A “inovação” europeia para o enfrentamento das enchentes na capital gaúcha consiste na construção do muro entre o rio Guaíba e os armazéns do Cais Mauá com até quatro metros de largura e sacos de areia também seriam colocados acima dele, e seriam realocados conforme a emergência do momento. Especialistas e internautas ridicularizaram a “proposta” pelas redes sociais e criticaram o complexo de vira-lata do prefeito Melo.
“A prefeitura de Porto Alegre pagou R$ 7,3 milhões para holandeses sugerirem soluções para as cheias do Guaíba, já que os nossos especialistas não teriam conhecimento suficiente”, ironizou o economista André Augustin, ex-servidor do Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão [SPGG/RS], e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre. “Espero que pelo menos os holandeses ensinem à prefeitura e aos nossos militares o básico de como usar sacos de areia, como os sacos não serem de plástico”, completou.
“Ou seja: eles chegaram as mesmas conclusões de nossos técnicos do instituto de pesquisas hidráulicas da UFRGS. Isso que dá ficar viralateando!”, disse um internauta; “Era pra reconstrução de POA ser exemplo mundial de urbanidade contemporânea…mas o que vemos é mais do mesmo e vira-latismo”, apontou outro; “Vou te falar que isso tem muito de viés ideológico, não pode dar moral pras universidades públicas locais, porque a direita quer enfraquecê-las pois visam sempre favorecer o setor privado. Aí vem injetar dinheiro em universidade lá da Holanda, tendo opções locais de excelência”, alertou outro internauta.
Vale lembrar que a Prefeitura de Porto Alegre contratou a consultoria privada Alvarez & Marsal para atuar na reconstrução da cidade após as enchentes. A A&M esteve à frente da reedificação de Nova Orleans, nos Estados Unidos, destruída pelo furacão Katrina em 2005, onde provocou mais sofrimento à população daquela cidade, com privatizações e desmonte de serviços públicos.
Li o relatório completo dos holandeses antes da divulgação pela PMPA, pois ele já estava publicado no site da Agência Empresarial Holandesa há vários dias.
Dentre as medidas “temporárias” (definitivas, na verdade), eles propõem a construção de um.dique.fluvial entre os armazéns e o rio Guaiba.
O dique teria a altura de apenas 1 metro, e seria complementado, quando necessário, por 2 metros de sacos de areia, para atingir a cota de coroamento do atual muro de contenção (muro da Mauá, 6 metros).
A base do dique teria 4,5 metros e o topo com 2,5 metros de largura.
Eles afirmam que essa altura seria “compatível” com o moribundo “projeto” Cais do Porto …
Também propõem que para tal mister os depósitos de areia deveriam estar “alinhados” com a proposta de dique, isto é, próximos do cais Mauá. Quer dizer, defendem a instalação de terminais areeiros no cais Navegantes, no entorno dos silos da antiga CESA. É uma sugestão que está alinhada aos interesses da mineração de areia, que pretende retornar ao rio Guaiba.
Em síntese, a proposta dos holandeses atende os interesses da construção civil e mercado imobiliário, de ocupar a área inundavel do cais do porto, e da mineração de areia.
Por outro lado, os holandeses revelam não conhecer o rio quando afirmam que o “canal dragado” possui 12 metros de profundidade, pois a profundidade dos CANAIS é de 6 metros. Também mostram que não conhecem as estruturas diferenciadas dos cais Mauá, Navegantes e Marcilio Dias, quando propõem um dique anão junto ao rio, uma ideia extremamente grosseira. Um disparate.
Uma breve estadia em Porto Alegre, cerca de 5 dias, não poderia resultar em algo de fundamento técnico, maa sim em algo superficial, epidérmico, que busca garimpar contratos para a iniciativa privada no futuro próximo.
Grato,
Eng. Hermes Vargas dos Santos*,
CPF 293.013.350-34.
* Engenheiro aposentado do antigo DEPRC, Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais.