A empregadora da mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que morreu ao cair do 9º andar do prédio Pier Maurício de Nassau, no bairro de São José, na região central de Recife, foi presa em flagrante nesta terça-feira (2) por homicídio culposo.
Segundo as autoridades, ela agiu com negligência, porém, após pagar fiança de R$ 20 mil, responderá em liberdade. A informação foi divulgada em coletiva de imprensa na tarde de quarta-feira (04).
Miguel, de 5 anos, estava passando o dia no trabalho da mãe, no apartamento localizado no 5º andar do Píer Maurício de Nassau, um dos prédios das Torres Gêmeas, no bairro de São José. A criança faleceu após despencar de uma altura de aproximadamente 35 metros.
Os patrões da mãe de Miguel, são o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker e sua esposa, Sari Corte Real, que inicialmente não tiveram sua identidade revelada.
Sari foi parcialmente responsabilizada pelo crime, de acordo com o delegado Ramón Teixeira, da Delegacia Seccional de Santo Amaro, por estar com a “guarda momentânea da criança”, enquanto a mãe, a empregada doméstica Mirtes Renata, caminhava com os cachorros da empregadora nos arredores do prédio. Ainda de acordo com o delegado, o caso está previsto no Art. 13 do Código penal, que trata de ação culposa, por causa do não cumprimento da obrigação de cuidado, vigilância ou proteção. “A responsabilidade legal, naquela circunstância, temporariamente jazeria sobre a empregadora.
“A criança, filha de sua funcionária, permaneceu na sua unidade sob sua responsabilidade. Ela tinha o poder e dever naquele caso de cuidar daquela criança e impedir, em última análise a ocorrência do trágico resultado que, é bom enfatizar, advém de uma tragédia, uma fatalidade”, afirma o oficial.
Impaciente à espera da mãe, o garoto tentou sair do apartamento, foi impedido pela primeira vez pela mulher, mas conseguiu se desvencilhar na segunda tentativa.
“Por meio da oitiva da mãe, da análise mais apurada dos nossos investigadores e da ordem cronológica dos fatos, nós conseguimos observar uma sequência em que a moradora não consegue retirar a criança do elevador, aperta um andar superior a sua unidade e permite que a porta se feche. Quando o elevador para, no nono andar, a criança desembarca. Local de onde viria a cair fatalmente”.
Miguel desembarcou somente no 9º andar, onde aconteceu a tragédia. “Recebemos informações que a criança gritava pela mãe, provavelmente ele a viu na via pública, enquanto caminhava com o cachorro, e lamentavelmente acabou por cair”, diz Ramón durante a coletiva. Ainda de acordo com a polícia, a dona do apartamento estava em casa em companhia de outra mulher, que seria manicure.
O delegado ainda afirmou que quando a polícia chegou ao local, a cena do caso, da queda até o trágico fim, havia sido preservada e por ela foi possível afirmar que a morte de Miguel foi acidental.
“A queda categoricamente se deu de modo acidental, o que restava era identificar a responsabilização de alguém, pelo fato de a criança ter ficado só. Conduzimos as partes envolvidas na ocorrência à delegacia. Fizemos esse convite tanto a moradora quanto a genitora para que elas pudessem nos passar informações úteis sobre o ocorrido”, afirma Ramón.
“Acompanhamos todo o trabalho de perícia criminal, trabalho bastante qualificado de um perito que já tivemos a oportunidade de acompanhar anteriormente, com qual nós concordamos integralmente. A cena do fato rechaçava de forma bastante clara qualquer possibilidade da existência de uma segunda pessoa no nono andar da edificação. Local, sem sombra de dúvidas, do qual caiu a criança” disse o delegado.
Ainda segundo o delegado, é um caso típico previsto no Artigo 13 do Código penal, que trata de ação culposa, por causa do não cumprimento da obrigação de cuidado, vigilância ou proteção.
“Ela tinha o dever de cuidar da criança. Houve comportamento negligente, por omissão, de deixar a criança sozinha no elevador”, explicou.
O primeiro atendimento à vítima foi feito pela mãe e por um médico que mora no edifício, no momento ela ainda estava viva. O SAMU chegou a ser acionado às 13h23, mas quando chegou o menino já estava sendo encaminhado ao Hospital da Restauração, no bairro do Derby, na área central do Recife. Miguel não resistiu e morreu ainda no caminho.
Segundo o perito André Amaral, do Instituto de Criminalística, as câmeras de vigilância do prédio registraram imagens da criança sendo colocada no elevador do 5º andar do prédio pela empregadora da mãe, Sari Corte Real, onde a mesma, por crueldade, apertou o botão do 9º andar. Na sequência, Miguel teria se dirigido ao hall de máquinas, área comum onde ficam localizados os condensadores dos ares-condicionados daquele pavimento. Esta é a única parte do prédio que não é protegida por telas, e foi de onde a criança caiu.
‘Se fosse eu, meu rosto estaria estampado’
Em entrevista à TV Globo, Mirtes confirmou que era empregada doméstica do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, e da mulher dele, Sari Corte Real. Ela criticou o fato dos nomes dos patrões terem sido ocultados pela Polícia Civil. “Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”, condenou.
Mirtes explicou que, ao longo de toda a pandemia, ela e a mãe continuaram trabalhando para o casal. A família dos patrões optou por se isolar em Tamandaré, no Litoral Sul. “Ela disse que a gente não era obrigado a ir. A gente foi porque precisa trabalhar, precisa ganhar nosso salário para pagar as contas e também em questão que ‘mainha’ é grupo de risco”, explicou.
Depois de um tempo em Tamandaré, todos voltaram ao Recife.
Miguel havia passado a manhã brincando com a filha dos patrões. Era preciso descer com o cachorro de estimação dos patrões e ela avisou às crianças que nenhuma delas iria junto. “Eu disse que eles não iam descer comigo porque estavam aperreando. Se eles se comportassem, eles passeavam mais tarde”, recordou.
“Ela confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para tirar [do elevador]. Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”, lamentou a mãe.
REVOLTA
Mais cedo nesta quinta-feira (04), durante o velório de Miguel, em Santo Amaro, na área central do Recife, os parentes estavam revoltados.
A tia da criança Lourdes Cristina, irmã da mãe de Miguel, Mirtes Renata, questionou o fato de dois adultos, a moradora e a manicure, não conseguirem cuidar de uma criança. Segundo ela, o menino começou a chorar e a patroa não chamou a mãe dele de volta.
O enterro da criança ocorreu no distrito de Bonança, em Moreno, no Grande Recife, onde mora parte da família materna. A mãe teria optado por sepultar o filho no mesmo local onde o irmão dela havia sido enterrado.
REPERCUSSÃO
Nas redes sociais milhares de pessoas se inconformaram com mais esse caso de racismo velado e negligência por parte dos patrões de Mirtes.
Segue abaixo alguns comentários:
“Miguel Otávio, 5 anos, estava com a mãe, empregada doméstica na casa da patroa (em plena quarentena), que vive no quinto andar de uma dessas torres, conhecidas como gêmeas e que simbolizam tudo que tem de pior na cidade do Recife. A sinhazinha mandou a mãe de Miguel descer para passear com o cachorro e ela ficou com a manicure (!). Miguel começou a chorar. E como vidas negras não importam, ela, irritada, colocou uma criança de cinco anos sozinha em um elevador, e ainda, por crueldade, apertou um botão de andar de cima, tudo gravado. Ele ficou confuso e se perdeu, tem imagens dele no elevador apertando vários botões. Foi parar no nono andar e caiu de uma área reservada para ar condicionados. “Recebemos informações que a criança gritava pela mãe, e provavelmente ele a viu na via pública, enquanto caminhava com o cachorro, e lamentavelmente acabou por cair”, disse o delegado. Um horror”.
“A mãe (empregada), dormia no trabalho a criança foi levada para lá por ter saudades da mãe. A patroa é esposa de um prefeito de um município daqui de Pernambuco. A mídia local passou o dia noticiando o caso, os vídeos das câmeras de segurança exibidos só mostravam a criança sozinha, a família relata que foi suprimido o trecho que revela a patroa colocando a criança no elevador. Esta patroa teve sua imagem e nome preservados pela mídia. Enquanto hoje o enterro da criança preta foi transmitido pelos noticiários locais com contínuo assédio de jornalistas ávidos por uma declaração da mãe negra chorando, foi o espetáculo da dor, com requintes de violência racial. Em nenhum momento as narrativas televisivas pontuaram o atravessamento de raça e classe. O cachorro, passa bem”.