A “moeda comercial” que está sendo discutida não acaba com o real e nem com o peso. “Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países para que a gente não tenha que depender do dólar”, afirmou Lula
Com a visita do presidente Lula ao seu colega argentino, Alberto Fernández, o Brasil retomou as discussões com seu maior parceiro regional com vistas a incrementar o comércio e fortalecer uma maior integração econômica entre os dois países. Uma das ideias discutidas durante a visita foi a criação de uma moeda comum para incentivar o comércio bilateral. O objetivo é que as trocas bilaterais possam ser feitas sem a utilização do dólar.
Essa moeda comercial que será usada para estimular o comércio entre Brasil e Argentina não acabaria com o real brasileiro nem com o peso argentino. Diferentemente do euro, que é a moeda em circulação em vários países da União Europeia, a moeda comum seria formatada para o propósito específico de ser usada em transações comerciais e financeiras entre os países, para que haja uma menor dependência do uso do dólar.
Mais do que ser um mecanismo benéfico para o comércio entre os dois países, para o Brasil, a “unidade de conta sul-americana”, como também está sendo chamada nova moeda, tem ainda a vantagem de permitir um incremento de exportações de produtos manufaturados brasileiros, já que a Argentina é um dos grandes importadores de produtos industriais brasileiros.
“Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países para que a gente não tenha que depender do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os países do Mercosul? Por que não tentar criar uma moeda comum entre os países do BRICS?”, afirmou o presidente Lula.
“O que nós estamos tentando trabalhar agora é que nossos ministros da Fazenda, cada um com sua equipe econômica, possa nos fazer uma proposta de comércio exterior e de transações entre os dois países, que seja feito numa moeda comum a ser construída com muito debate, muitas reuniões. Isso é o que vai acontecer”, prosseguiu Lula, durante discurso no país vizinho, onde se reuniu com o presidente argentino Alberto Fernandez.
“Eu acho que com o tempo isso vai acontecer e é necessário que aconteça, porque muitas vezes países têm dificuldade de adquirir o dólar e você pode fazer acordos, estabelecer um tipo de moeda para o comércio que os bancos centrais possam, todo mês ou no tempo que quiserem, fazer um acerto de contas para que os países possam continuar fazendo negócio”, acrescentou Lula.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad também falou sobre a iniciativa. “Estive com ele [Massa] mais de uma vez conversando e ele está querendo incrementar o comércio que está caindo muito. [A situação do comércio] está muito ruim, e o problema é exatamente a divisa, né?”, disse o ministro.
“Isso que a gente está quebrando a cabeça para encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação pra cá está caindo”, destacou o auxiliar de Lula.
O objetivo, segundo Haddad, é que as trocas bilaterais possam ser feitas sem a utilização do dólar e, com isso, tanto a Argentina quanto o Brasil ficariam menos pressionados, do ponto de vista cambial.
Em carta conjunta, divulgada antes do encontro, os dois presidentes informaram a intenção de intensificar as relações econômicas e comerciais entre os dois países. “Decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum, que possa ser usada tanto para os fluxos financeiros como comerciais, reduzindo os custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa”, afirma o documento divulgado por Lula e pelo presidente argentino Alberto Fernández.
O dólar americano é usado na maioria das operações financeiras e comerciais no mundo. A moeda foi adotada como a reserva global de valor em 1944, dentro do Acordo de Bretton Woods, feito ao final da Segunda Guerra Mundial. O acordo incluía a obrigação do dólar se manter lastreado em ouro. A partir de 1971, o presidente dos EUA, Richard Nixon rompeu unilateralmente os acordos do final da guerra e desvinculou o dólar do ouro.
Diferentemente dos EUA que, a partir da decisão de 1971, passou a emitir moeda livremente, sem nenhum lastro, muitos bancos centrais pelo mundo têm a necessidade de manter parte da riqueza de seus governos em dólares. As trocas bilaterais em moedas locais ou com mecanismos comerciais como o que está sendo discutido entre Brasil e Argentina podem ser intensificados sem a necessidade de uma maior dependência do dólar.
Ao longo dos últimos anos, estão havendo esforços para se expandir o comércio mundial com menor dependência do dólar. A China, por exemplo, vem promovendo tratados bilaterais com diversos países para que as trocas comerciais sejam realizadas em iuan e na moeda nacional do país. A China é o principal parceiro comercial do Brasil. As recentes sanções econômicas implementadas pelos EUA a outros países, entre os quais a Rússia, com confisco unilateral de reservas na moeda americana, gerou desconfiança no dólar e levou muitos países a pensar formas de depender menos dessa moeda.