“Ontem o Amilton – pastor ligado à Davati – falou com o Bolsonaro, ele falou que vai comprar tudo”, diz uma das mensagens trocadas por Dominghetti com um interlocutor
O reverendo Amilton Gomes, chefe da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, a Senah, uma entidade privada, esteve, segundo mensagens obtidas no telefone do policial militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominghetti, com o presidente Jair Bolsonaro para tratar da compra de vacinas da AstraZeneca por meio da intermediária americana Davati.
O cabo da PM prestou depoimento à Comissão no dia 1º de julho, quando acusou o ex-diretor do Ministério da Saúde, Roberto Dias, de pedir propina de US$ 1 por dose na negociação de vacinas. Com a quebra do sigilo telefônico e telemático de depoente, pedido pela CPI, chegou-se às mensagens envolvendo as tratativas de vacinas do reverendo Amilton Gomes e Dominghetti com Jair Bolsonaro.
O reverendo aparece numa foto no dia 12 de março ao lado de Dominghetti e de seu chefe na Davati, Cristiano Carvalho, e de Laurício Cruz, diretor da Secretaria de Vigilância em Saúde, numa reunião que contou com a participação de Élcio Franco, secretário executivo do órgão.
As informações de Dominguetti são de que o grupo teria seguido duas linhas de negociação. Uma por intermédio da Senah, coordenada pelo reverendo Amilton Gomes, e que “levou ao senhor Laurício Cruz e ao senhor Élcio Franco”. A outra seria através do coronel Blanco, que levou a Roberto Dias.
Segundo Dominguetti, que se apresentava como representante da empresa americana Davati, alguns dias antes, no dia 25 de fevereiro, ele esteve reunido com Roberto Dias, diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e com o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do órgão, para discutir a oferta, feita pela empresa, de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca.
Na na ocasião, segundo o cabo Dominghetti, Dias teria cobrado propina de US$ 1 por dose. Ele disse que mesmo tendo recusado seguir com as tratativas, foi convidado para uma reunião no dia seguinte no ministério. Que lá compareceu na reunião agendada para as 15 horas e teria sido novamente cobrado por Dias sobre a proposta. As mensagens reveladas pela quebra de sigilo de seu telefone confirmam que o negócio de vacinas conduzido pela Davati junto ao governo chegou às altas autoridades do Ministério da Saúde pelos dois caminhos apontados acima.
O reverendo foi convocado a depor na CPI da Covid. Ele tem ligações também com o senador Flávio Bolsonaro. O depoimento estava marcado para quarta-feira (14), mas ele apresentou um atestado médico que o impede de depor por 15 dias. A Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, a Senah, chegou a ser reconhecida oficialmente pelo ministério como intermediária na negociação paralela por 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca com a Davati, empresa americana localizada no Texas.
Os senadores querem que Amilton explique como chegou até a cúpula do Ministério da Saúde e as conversas que indicam que o presidente Jair Bolsonaro teria sido procurado pelo grupo. As mensagens estão no aparelho celular do policial militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominghetti, apreendido pela CPI. Em reportagem no Jornal Nacional, da Rede Globo, na terça-feira (13), o reverendo foi questionado sobre as conversas e não soube explicá-las.
Leia as mensagens envolvendo Jair Bolsonaro
Uma das mensagens traz um diálogo entre Dominghetti e Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil. No dia 13 de março, Dominghetti envia uma mensagem a Cristiano:
“Estão viabilizando sua agenda com presidente.”
Cristiano responde em áudio, pedindo a confirmação:
“Dominghetti, por favor, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã ou até na terça, porque aí eu preciso mudar o voo e preciso reservar o hotel, ‘tá’ bom? Obrigado.”
O policial responde que “já estão trabalhando para agendar” e que “me falaram que estão esperando uma resposta do Palácio.”
Mais tarde, cobrado novamente sobre a marcação, Dominghetti responde em áudio:
“O que eles me falaram, eu nem sabia que ia ter agenda com o Bolsonaro, você que me falou. O que eles me falaram é assim, que estão atuando fortemente lá, e agora depende é do presidente. Ele não marca agenda, ele fala assim: ‘Vem aqui agora’, né? Então, assim, de uma forma mais urgente. Agora, para falar com ele em agenda, eles conseguem marcar segunda, terça, quarta, que aí entra na agenda oficial. O que eles estão tentando é que o presidente te receba de forma extraoficial, entendeu? Devido à urgência, é o que eles estão tentando. Agora, a agenda oficial eles conseguem marcar, isso aí… O que eles estão tentando correndo é uma agenda extraoficial.”
Ainda no mesmo dia, Cristiano envia um áudio a Dominghetti. É quando aparece a referência ao reverendo Amilton.
“Dominghetti, agora nós precisamos aí… O reverendo está falando que está marcando um café da manhã com o presidente amanhã, às 10h, 9h, sei lá, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai entrar no vácuo, ‘tá’? Agora tem que fazê-lo confirmar isso aí para a gente colocar uma pulguinha atrás da orelha do presidente, ‘tá’?”
Dominghetti responde: “Isso mesmo”.
No fim do dia, Cristiano reclama em mensagem: “Reverendo me fez ficar aqui e até agora não confirmou o café da manhã com o presidente”.
O policial responde: “Ele está aguardando a resposta do cerimonial com presidente”.
Não há registro de encontro do presidente com líderes religiosos no dia seguinte, mas sim dois dias depois.
No dia 15 de março, Jair Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto líderes religiosos para um encontro de duas horas. O nome de Amilton não consta dos participantes do evento.
Segundo a agenda oficial do presidente, a reunião durou duas horas, entre 16h e 18h.
No mesmo dia, às 17h, Dominghetti pergunta a um auxiliar do reverendo Amilton: “Como foi a visita do reverendo ao 01?”. Amauri responde: “O reverendo nesse momento está com o 01″.
Amauri é identificado na agenda de Dominghetti como “Amauri vacinas embaixada”, uma referência a outro nome usado pela Senah, de Embaixada Mundial pela Paz.
Já no dia 16, a conversa de Dominghetti é com o reverendo Amilton. O nome registrado pelo policial em sua agenda é reverendo Anderson, mas a TV Globo apurou que o número é usado por Amilton.
Questionado por Dominghetti sobre atualizações, Amilton diz: “Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!”.
No mesmo dia, outras duas pessoas ligadas à Senah citam a possível reunião do reverendo com o presidente da República.
Registrada na agenda como “Maria Helena embaixada”, uma auxiliar do reverendo diz ao policial: “Ontem o reverendo esteve com o presidente”.
Já um interlocutor registrado como “Renato compra vacinas Chapecó” diz: “Ontem o Amilton falou com o Bolsonaro, ele falou que vai comprar tudo.”
Em entrevista à TV Globo por telefone, o reverendo Amilton negou que tenha conversado sobre vacinas com o presidente da República, mas não soube explicar a quem se referia ao falar que havia conversado “com quem manda”.
Amilton: “Mas não, eu não estava na reunião, eu não compareci. A informação que me passaram é que haveria de desmarcar essa reunião de líderes por compromisso em uma Igreja Católica e ia rezar. Não houve”.
Repórter: E o senhor, o senhor mandou essa mensagem no dia seguinte para o Dominghetti dizendo: “Ontem conversei com quem manda”. Quem que seria?
Amilton: Bom, conversei com quem manda, a gente pode ter assim várias ideias de que quem manda, né? Quem manda é quem está na frente, a gente conversa, quem manda é quem está na direção, né?
Repórter: Quem era nesse caso?
Amilton: Bom, era, várias, várias situações. Várias situações, a gente, eram uma pessoa assim que a gente não pode direcionar para de fato ter uma resposta concreta nessa questão.
Repórter: O senhor não lembra quem era, por que quando coloca para o Dominghetti nessa mensagem?
Amilton: Não, eu não, quem manda tem que ver, né? Várias, o dia que fosse, a hora que fosse. Ele fica passando muita coisa, fica atendendo vocês e, assim, fico sem uma resposta.