Os militares – dentro e fora do governo – que, nos últimos dias, têm se manifestado na imprensa, ainda que “em off”, pela substituição de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, expressam uma saudável preocupação.
Não é somente pela evidente incompetência de Pazuello, cuja única credencial para ser ministro da Saúde é o seu servilismo em relação a Bolsonaro, seu “negacionismo”, seu desprezo pela vida dos brasileiros.
Existem coisas que são totalmente antagônicas ao patriótico e altivo espírito militar.
Caxias nos ensinou, por seu exemplo e por suas palavras, que um militar – mais ainda um comandante militar – não pode ser covarde, servil, escasso de caráter ou ter desprezo pela sorte e pela vida de outros seres humanos, a começar por aqueles que formam o seu povo e a sua Pátria.
Um militar – sobretudo um oficial-general – não pode ser um mentiroso, um indivíduo que não assume o que faz; que não se responsabiliza por suas ações; que diz que não fez aquilo que fez; ou diz que não disse aquilo que disse.
Pois foi assim que o sr. Eduardo Pazuello, nomeado por Bolsonaro ministro da Saúde, sem ter a menor condição ou conhecimento necessários à função, se apresentou diante das câmeras de TV na segunda-feira, 18/01.
Por covardia – a catástrofe de Manaus é um crime que não ficará impune; e por servilismo a um insano fascista, antibrasileiro, antipopular e antidemocrático.
A uma jornalista, que lhe perguntou por que falara em “atendimento precoce”, mas omitira a prescrição da cloroquina, disse ele:
“Nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos. A senhora nunca me viu receitar ou dizer, colocar para pessoas tomarem este ou aquele remédio. Não aceito a sua posição.”
O sr. Pazuello é aquilo que os praças, no Exército, chamavam de “um paiol de ignorância”. Particularmente com mulheres, que trata com uma estupidez que nada tem a ver com o garbo militar – é, aliás, o seu oposto. O modo como, na própria segunda-feira, tratou, pela manhã, a governadora do Rio Grande do Norte, foi replicado à tarde, no tratamento com as jornalistas, durante sua entrevista coletiva.
E, o que é ainda pior: trata as mulheres desse jeito para mentir, ou porque está mentindo – ainda que não seja essa a única razão.
O primeiro ato de Pazuello, logo depois da demissão do ministro Nelson Teich, em maio do ano passado, foi instituir o famigerado “protocolo da cloroquina” – uma orientação aos médicos do SUS para que receitassem cloroquina no “tratamento” da Covid-19 (v. HP 25/05/2020, Cloroquina: a ciência médica contra o “terraplanismo” genocida de Bolsonaro; e Teich diz que saiu porque discordou de Bolsonaro sobre uso da cloroquina).
Pazuello assinou essa infâmia ainda como ministro interino da Saúde.
Não havia (como não há) qualquer indicação para o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Todos os estudos verdadeiros – isto é, sérios – chegaram à mesma conclusão: a cloroquina não tem qualquer efeito positivo contra a Covid-19. Pode ter resultados negativos, ao piorar, por conta de efeitos colaterais, a condição de muitos pacientes, sobretudo idosos.
O que havia, então, era apenas Bolsonaro e Trump, conhecidas sumidades médicas, dizendo que bastava tomar cloroquina, que o cidadão não precisava fazer mais nada – nem distanciamento social, nem vacinação, nem higiene sistemática, nem o uso de máscaras – contra a Covid-19.
Por isso, os ministros Mandetta e Teich recusaram-se a assinar a orientação aos médicos do SUS para que receitassem cloroquina.
Essa orientação criminosa foi assinada, como vimos, por Pazuello, que entende tanto de medicina quanto o cavalo de Calígula entendia de Direito Romano.
Porém, Pazuello fez mais do que assinar essa desorientação.
Sob ordens de Bolsonaro, desde que Pazuello assumiu o Ministério da Saúde, o Laboratório do Exército fabricou 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina.
O governo, não contente com isso, importou 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina dos EUA.
Mais: estabeleceram-se negociações com a Índia para importar hidroxicloroquina daquele país.
Além disso, o governo comprou hidroxicloroquina do laboratório suíço Sandoz.
Tudo foi perpetrado por Pazuello, com fenomenal resultado: um encalhe de milhões de comprimidos de cloroquina (em novembro, o encalhe estava em 400 mil comprimidos, mais 2,5 milhões dos importados dos EUA).
Com o requinte (requinte?) de que o governo federal quis obrigar Estados e municípios a não somente receber os comprimidos de cloroquina, como a gastar dinheiro para fracionar as embalagens (eles foram enviados em caixas de 100 e 500 comprimidos, inadequadas para distribuição a pacientes individuais).
Todos esses dados são públicos – e já publicados por nós e por outros órgãos de imprensa.
Entretanto, há mais sobre Pazuello.
No dia 22 de outubro de 2020, numa “live” gravada com Bolsonaro, Pazuello, infectado pela Covid-19, declarou que estava “zero bala”, após tomar hidroxicloroquina e os outros componentes do que chamou de “kit completo”.
Seguiu-se, na “live”, o seguinte diálogo (diálogo?):
BOLSONARO: “Se algum médico não quiser receitar a hidroxicloroquina, o que faz?”
PAZUELLO: “O médico chama outro médico, se o paciente quiser tomar, assina lá o compromisso, receita”.
Resta saber para que médico, se é o paciente que decide o que vai “tomar”… Na verdade, Bolsonaro e Pazuello estavam induzindo pessoas ingênuas a fazer uso de algo sem nenhum efeito para a atual pandemia – e, inclusive, com efeito prejudicial à sua saúde.
Para Pazuello, não deu muito certo. A Covid-19 do “zero bala” se complicou, apesar da cloroquina, e ele teve que ser internado.
Mas nem por isso deixou de ser subserviente. Foi durante esse internamento que Pazuello, mais uma vez com Bolsonaro, depois de ser obrigado a romper o contrato para a aquisição da Coronavac, do Instituto Butantan, disse a frase imortal: “É simples assim: um manda e o outro obedece” (v. HP 24/10/2020, Humilhação de Pazuello causa indignação no Exército; HP 25/10/2020, “Hierarquia e disciplina não significam subserviência”, diz general Santos Cruz; e HP 21/10/2020, Bolsonaro diz que vacina chinesa “não será comprada” e dificulta país de se livrar da Pandemia).
Infelizmente, há ainda mais.
Com Manaus já em crise por falta de oxigênio para tratar pacientes com Covid-19, Pazuello visitou a cidade, agora em janeiro.
O que fez lá?
Tomou alguma providência para que o suprimento de oxigênio dos hospitais fosse reposto?
Pelo contrário, Pazuello foi exigir (?!) que os médicos de Manaus fizessem “tratamento precoce” (sic) – isto é, receitassem cloroquina e outros fármacos sem nenhuma indicação para a Covid-19.
Pazuello disse, explicitamente, em discurso no dia 11/01, em Manaus, que era a falta desse “tratamento precoce” que estava causando a crise sanitária na capital do Amazonas.
Aliás, o Ministério da Saúde dirigiu ofício à Secretaria de Saúde de Manaus, onde está escrito que é “inadmissível” não receitar “o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença”. (v. HP 14/01/2021, Faltam oxigênio e UTIs em Manaus e Bolsonaro insiste no uso à força da cloroquina).
A expressão “tratamento precoce” aparece, portanto, inclusive em documentos oficiais do Ministério da Saúde.
É essa expressão que esse mentiroso, Pazuello, negou na segunda-feira, substituindo-a por “atendimento precoce” (como se isso fizesse alguma diferença – a pior característica de certos indivíduos é que eles julgam que os outros são tão inteligentes, ou tão imbecis, quanto eles).
Ainda em Manaus, Pazuello lançou o TrateCOV, um aplicativo para médicos receitarem cloroquina e outras substâncias sem qualquer efeito positivo na Covid-19.
Na mesma cidade praticamente já sem oxigênio, Pazuello montou, e bancou com dinheiro público, uma “força-tarefa” que percorreu as unidades de saúde de Manaus, promovendo, com o uso de “folders”, o uso da cloroquina e de outras charlatanices para a Covid-19 (v. HP 16/01/2021, Em meio às mortes, governo pagou “força-tarefa” da cloroquina em Manaus).
É esse o sujeito que, quando uma jornalista se refere – e com delicadeza – aos seus feitos, descarrega sobre ela a bile de sargento de anedota:
“Nunca indiquei medicamentos a ninguém. Nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos. A senhora nunca me viu receitar ou dizer, colocar para pessoas tomarem este ou aquele remédio. Não aceito a sua posição.”
Como deixar de registrar que esse sujeito é uma vergonha para o Exército de Caxias, Osório, Deodoro, Floriano e Benjamin Constant?
Pazuello também mentiu sobre outras coisas.
Por exemplo, não é verdade que o governo federal – isto é, o Ministério da Saúde – pagou toda a pesquisa, importação e produção da Coronavac, do Instituto Butantan.
O Butantan assinou, em dezembro, um convênio de R$ 63,2 milhões, com o Ministério da Saúde, com o objetivo de adquirir equipamentos para a fábrica da Coronavac.
O total foi empenhado pelo Ministério da Saúde, mas não foi pago até agora (ver os documentos oficiais, publicados por O Antagonista, em Ministério da Saúde empenhou, mas não pagou 63 milhões para Butantan ampliar produção).
Portanto, Pazuello está mentindo também sobre isso. O dinheiro para o desenvolvimento da Coronavac no Brasil, até agora, veio do governo de São Paulo, mais R$ 130 milhões de captação privada pelo Butantan.
Talvez merecesse um outro capítulo sobre as mentiras de Pazuello as suas explicações sobre a tragédia de Manaus – ora causada pela excessiva “umidade do ar” (sic), ora pela convergência entre outras doenças que ficaram sem tratamento devido à pandemia com a própria pandemia.
Ou suas considerações sobre supostos “perfis” de vacinas que determinariam “estratégias” diferentes para cada uma (de onde se poderia concluir que nós vamos ter que tomar todas as vacinas, para cobrir todas as “estratégias” do Pazuello…).
Ou sobre os problemas com a Índia, causados por um “fuso horário muito complicado” (sic) – por isso é que o avião do Pazuello não trouxe a vacina da Índia. Aliás, ele nem decolou para a Índia… Fuso horário é fogo!
Mas, leitores, chega desse elemento por hoje. O ridículo não compensa suportar a repugnância que essa falta de caráter nos causa; tudo tem seus limites – psicológicos e fisiológicos.
CARLOS LOPES
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