“E ainda por cima querem colocar nas costas dos consumidores os custos de suas tramoias para favorecer donos de termoelétricas e grandes grupos econômicos”, afirma o professor Ildo Sauer, titular do Instituto de Energia da USP
“A crise do setor elétrico brasileiro não deveria nos surpreender, porque ela é fruto, muito menos do comportamento do clima, isto é, das chuvas e do vento, do que da política dos últimos governos”, afirmou o professor Ildo Sauer, titular do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás. Ele comentou, em entrevista ao HP, o apagão ocorrido na sexta-feira (28) em várias regiões do país. “Isso é fruto da incúria deste governo”, disse.
PROMESSA ERA DE MENORES TARIFAS. NADA DISSO ACONTECEU
“Desde que começamos a reformar o setor elétrico nos anos 90, com Fernando Henrique Cardoso, a promessa foi tarifas menores, melhor qualidade de energia e garantia do suprimento. Nenhuma das três promessas foi cumprida”, denunciou o especialista. “As tarifas de energia elétrica brasileira são as mais caras do mundo e, desde então, aumentaram mais de 100% acima da inflação”, acrescentou.
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Ildo Sauer lembrou ainda os apagões de 2001 e dos vários outros apagões nacionais que se sucederam desde que o sistema começou a ser modificado. “Recentemente”, disse ele, “só para lembrar, a crise do Amapá e, ainda, na sexta-feira (28), um apagão parcial em algumas regiões do Brasil”. “Por que estamos nessa situação?”, indagou. Ele mesmo respondeu: “porque o modelo foi reformado para atender os grandes grupos interessados nele, no setor elétrico”.
DESDE AO APAGÃO DE 2001 NÃO HOUVE MUDANÇA NO MODELO
“Desde o apagão e o racionamento de 2001, o governo, que em grande parte foi eleito por causa da crise energética, que mostrou claramente que as políticas econômicas neoliberais não funcionaram, prometeu reformar e não reformou”, observou o professor. “E não reformou por quê?”, indagou novamente. “Fez pequenos ajustes, mas manteve a lógica de que os grande consumidores, isto é, menos de mil consumidores que consomem cerca de 25% da eletricidade brasileira, metade do consumo industrial brasileiro elétrico, conseguiram pagar tarifas abaixo do custo de produção mediante tramoias e arranjos regulatórios”, apontou.
“Segundo, os interessados em investir em usinas, preferem investir em usinas termoelétricas, porque o custo de capital delas é menor. Mais ou menos entre um terço e metade do que uma usina eólica, uma usina hidráulica ou uma usina fotovoltaica. O problema delas é o combustível. Então o investidor ganha no que ele investe numa usina termoelétrica e o combustível é pago quando este combustível é consumido, ou seja pela população”, denunciou Ildo Sauer.
“Quando fazem o modelo de contratação, a previsão é de que essas usinas operariam muito pouco, portanto o consumo de combustível seria muito pequeno. Aí elas acabam sendo declaradas vencedoras dos leilões que são fajutos, porque sempre subestimam o tempo que elas iriam operar”, observou o especialista.
TERMOELÉTRICAS TÊM FUNCIONAMENTO MUITO MAIS CARO
“Um exemplo claro”, disse ele, “são as contratações feitas a partir de 2005, que mostraram que, de 2012 a 2015, as usinas térmicas operaram continuamente e gastaram combustível com custos acima de R$ 200 o KW/H”. “Lembrando que as usinas eólicas, hidráulicas e a solar, fotovoltaicas, têm custo total menor, porque o combustível é de graça. Elas têm um custo menor do que R$ 150 o KW/H”, assinalou Ildo, chamando a atenção para o fato de que, “mesmo assim, elas foram contratadas”.
“E aí, de 2012 a 2015 nós gastamos combustível com usinas acima de R$ 200 o KW/H, na ordem de R$ 100 bilhões, o que daria para ter construído usinas fotovoltaicas ou usinas hidráulicas na faixa de 10 mil MW médios, isto é, operando continuamente”, explicou ele. Sauer acrescentou que “para isso se exige cerca de 20 mil MW médios instalados de usinas eólicas, ou cerca de 50 mil MW/H de usinas fotovoltaicas, porque as fotovoltaicas operam cerca de 15% do tempo e as eólicas operam metade do tempo assim como as hidráulicas”.
“Nada disso foi feito. E agora a desgraça brasileira é tão grande que a crise elétrica só não vai ser profunda, e o racionamento talvez nem aconteça, por causa da crise sanitária. Portanto duas situações em que o povo brasileiro é vitima da incúria de todos os governos, e principalmente desse último, que não tratou a pandemia adequadamente com vacinas, com isso a economia não vai retomar. E a desgraça é tão grande que mesmo com a redução do consumo elétrico, por causa da crise econômica, nós estamos com risco de crise”, afirmou Ildo Sauer.
QUEREM MAIS UMA VEZ CULPAR O CLIMA
“E querem mais uma vez culpar o clima. Nós conhecemos como o clima se comporta. Temos medição de como se comporta o ritmo da vasão dos rios desde 1931. A maior crise hidráulica anterior foi de 1953 ou 1954. E como desde então nós devastamos as bacias hidrográficas e florestas, deveríamos estar preparados para uma situação pior do que aquilo. Para enfrentar a situação basta construir as usinas hidráulicas, eólicas e fotovoltaicas em número suficiente para atender, ao mínimo custo, a demanda, quando acontece uma situação de escassez hidráulica e eólica combinada como agora”, observou o professor Sauer.
“Estão querendo nos vender usinas termoelétricas mais caras, aliás, o crime maior é que querem vender a Eletrobrás mesmo nesse quadro. Estão querendo entregar o controle dos rios e das águas, que têm o uso para energia elétrica, têm uso para navegação, têm uso para irrigação, para saneamento, para abastecimento público de humanos e animais”, prosseguiu Sauer. “Mesmo para a transposição para enfrentar a escassez nas regiões do Nordeste, mesmo assim querem vender. E o que vai acontecer? Vão aumentar mais ainda as tarifas”, denunciou o especialista.
Concluindo, o professor Ildo Sauer fez questão de destacar que “o problema energético não é do clima, não é da chuva, não é do vento e não é do sol, é do modelo energético brasileiro”. Ildo completou dizendo que a crise “é fruto da satisfação apenas dos interesses econômicos por um governo submisso, que não atende os interesses da população”.
SÉRGIO CRUZ