O físico e engenheiro Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), reforçou a importância do Brasil apresentar na COP 26 metas efetivas para controlar a emissão de gases e frear o desmatamento ilegal, mas manifestou dúvidas sobre o cumprimento desse compromisso.
Na segunda-feira (1), o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou a meta de reduzir pela metade a emissão de gases de estufa até 2030. O pronunciamento feito em Brasília foi transmitido no Pavilhão Brasil, instalado 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que acontece em Glasgow, na Escócia.
Para o professor Galvão, entretanto, a gestão de Jair Bolsonaro já deu mostras que “não tem credibilidade” para levar a efeito a promessa.
“A pergunta é se ‘isso é crível?’ Eu tenho dúvidas. Porque o governo não tem uma credibilidade aceita internacionalmente, atualmente. Nos últimos anos, o Brasil (ao contrário de todos os outros países) substanciou a emissão de gás carbônico, de gás estufa na atmosfera. O desmatamento já está mostrando que a Amazônia está deixando de ser uma ‘sequestradora de carbono’ para ser uma ‘emissora de carbono’. Então, é importante que o governo mostre essas metas, mas ele não tem credibilidade para que elas sejam amplamente aceitas pela sociedade mundial”, afirmou, durante entrevista ao canal de notícias CNN Brasil.
Ricardo Galvão, que é professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, foi exonerado do cargo no Inpe por defender a credibilidade do monitoramento realizado pelo Instituto — que constatou um aumento em 88% no desmatamento da Amazônia em 2019 — , após Bolsonaro afirmar que os dados eram mentirosos. O presidente chegou a acusar Galvão de estar “a serviço de alguma ONG”.
As dúvidas do ex-diretor do Inpe têm fundamento. Um estudo feito pela BBC News Brasil mostra que Bolsonaro cortou em 93% os gastos para estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos três primeiros anos da sua gestão, quando comparado com os três anos anteriores.
Os dados, levantados por meio do Sistema Integrado de Orçamento do Governo Federal (Siop), revelam que entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018 os investimentos nessa área foram de R$ 31,1 milhões. Na gestão Bolsonaro, porém, os gastos foram de apenas R$ 2,1 milhões.
O levantamento da BBC News Brasil mostra ainda uma redução drástica do investimento do governo federal em estudos para preparar o país para os efeitos da crise no clima.
A pesquisa considerou duas ações orçamentárias destinadas, especificamente, a produzir estudos e projetos com essa temática: 20G4 — Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente); e 20VA — Apoio a Estudos e Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento à Mudança do Clima (a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).
Segundo os dados, o ritmo de investimento entre 2016 e 2018 era de redução. Ou seja, já era ruim e Bolsonaro piorou. Em 2016, por exemplo, o governo gastou R$ 20,7 milhões. No ano seguinte, esse valor caiu para R$ 8,4 milhões. Em 2018, chegou a R$ 2 milhões. A queda prosseguiu com Bolsonaro. Em 2019, o governo investiu R$ 1 milhão. Em 2020, foram gastos R$ 659 mil. Neste ano, até outubro, foram gastos R$ 426 mil. Já no Ministério do Meio Ambiente os investimentos em estudos sobre mudanças climáticas foram zerados a partir de 2019.
Em 2019 e 2020, o Brasil registrou as piores taxas anuais de desmatamento desde 2008. No período, foram desmatados mais de 20 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a 13 cidades de São Paulo.
Por conta disso, o Brasil participa da COP 26 pressionado pelas altas taxas de desmatamento verificadas nos últimos anos.
Bolsonaro sequer viajou para a Escócia, ficando de fora da lista de 117 chefes de Estado e autoridades presentes na primeira parte do encontro. Ele decidiu não ir à Conferência do Clima, argumentando que se tratava de uma “estratégia nossa”.
Para o vice-presidente Hamilton Mourão, a ausência de Bolsonaro na COP 26 é uma tentativa de evitar um vexame, porque “todo mundo vai jogar pedra nele”.