“Você faz uma meta que é ilusória e não a cumpre e, por conta disso, você fica prejudicado”, apontou Lula, em entrevista à Rede TV, sobre a meta de inflação do Banco Central
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou na campanha que daria isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos. Ele gostaria de iniciar já este ano com a isenção para quem ganha até dois salários mínimos, mas sua intenção está esbarrando em uma forte resistência da área econômica do próprio governo, que calcula uma perda fiscal de cerca de R$ 10 bilhões.
REAJUSTE NA TABELA DO IR
A tabela com os percentuais de tributação do Imposto de Renda (IR) por faixa de renda, sem correção pelo índice de inflação, acumula, até o final de 2022, uma defasagem média de 51% em relação a 2015, quando houve o último reajuste parcial da tabela. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, a defasagem foi de 26,25%, período no qual não se cumpriu a promessa de campanha de corrigir a tabela.
A alegação para não atender ao que deseja – e pretende – o atual presidente da República é de que a medida afetaria a arrecadação. Essa é também a opinião do chamado “mercado”, bastante criticado por Lula – que na verdade não passa de um grupo de bancos e monopólios – e que não admite qualquer medida que favoreça a população ou que ameace afetar o sacrossanto pagamento dos juros da dívida pública.
RECUPERAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
Trata-se da mesma lógica dos que estão contra o início – também pretendido por Lula – da política de recuperação do poder de compra do salário mínimo. Eles são contra elevar o salário mínimo de R$ 1.302, definido por Bolsonaro, para R$ 1.320, como quer o atual presidente. Alegam que estas “despesas” a mais – de cerca de R$ 6,7 bilhões – afetariam o equilíbrio das contas públicas. O curioso é que não se observa o mesmo comportamento restritivo por parte do mercado e dos tecnocratas quando há aumento dos juros e, por consequência, das despesas financeiras, que já consomem 66% do recursos orçamentários.
Só para se ter uma ideia, dos R$ 5,3 trilhões previstos de receita no Orçamento proposto para o ano de 2023, os gastos com o refinanciamento da dívida consumirão R$ 3,33 trilhões, ou seja, 66% dos recursos orçamentários. Apenas com juros são previstos gastos de R$ 700 bilhões para 2022 e, com a Selic mantida nas alturas, podem chegar a R$ 800 bilhões em 2023. Mas, para os “fiscalistas” é o salário mínimo e a revisão da tabela do IR que vão “desequilibrar as contas”.
Em seus discursos recentes, o presidente Lula tem feito críticas contundentes a esta “desinteressada” prioridade nos gastos públicos. Aliás, ele quer redefinir o termo “gastos”. Para o presidente, recursos para Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia, por exemplo, não são gastos, mas sim, investimento. O “mercado” chama esses investimentos de “gastança”.
GASTOS FINANCEIROS
Só nos últimos 12 meses até setembro, a transferência de recursos da União, Estados e municípios ao setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, atingiu a soma de R$ 591,996 bilhões. De acordo com dados do Banco Central, essa cifra bilionária representa 6,29% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. No mesmo intervalo de meses de 2021, haviam sido transferidos R$ 351,8 bilhões (4,17% do PIB).
São duas as questões levantadas como solução para o “problema” do salário e do imposto. A primeira, apontada por Lula em sua entrevista à Rede TV desta quinta-feira (2), é a redução das taxas de juros. O Brasil está com uma taxa Selic de 13,75%, a maior taxa real de juros do mundo. “O presidente do Banco Central tem que explicar por que 13,5%, e por que qualquer perspectiva de voltar a aumentar se nós não temos inflação de demanda”, questionou o presidente da República na entrevista.
“O que está na pauta é a questão da taxa de juros”, assinalou o presidente Lula. “Nós fizemos uma meta de 4,5% com menos 2 e mais 2. Eu estou dizendo que o Brasil não precisava disso. Ora, este país, com 4% de inflação, com a economia crescendo, esse país vai embora, esse país cresce. É que o presidente do Banco Central nunca viveu a inflação que eu vivi de 80% ao mês. Nunca viveu”, disse o novo mandatário.
INFLAÇÃO PADRÃO EUROPEU
“Então ele quer chegar à inflação padrão europeu, e não, nós temos que chegar à inflação padrão Brasil. Uma inflação de 4,5% no Brasil, de 4%, é de bom tamanho se a economia crescer”, prosseguiu. “Você, com 4% de inflação, com 4,5, com a economia crescendo, é uma coisa extraordinária. Agora, você faz uma meta que é ilusória, você não a cumpre e, por conta disso você fica prejudicado”, argumentou Lula.
Uma outra questão é a meta apresentada para as contas públicas deste ano. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que a meta é transformar o déficit previsto de R$ 230 bilhões em superávit de R$ 11 bilhões ainda em 2023. Assim como a meta de inflação do Banco Central, criticada por Lula como irrealista, a meta de obtenção de um superávit de R$ 11 bilhões ainda este ano, vai na mesma direção.
Ou seja, apresenta-se bastante irrealista e promove um “ajuste” num grau desnecessário. Não há necessidade de um ajuste fiscal tão arrojado e tão rápido. É por isso que despesas relativamente pequenas como a elevação do salário mínimo ou a redução de receita com o reajuste da tabela do IR são tão combatidas. É preciso, como diz Lula, ser mais realista nas metas.
Recentemente a professora Mônica de Bolle, ex-diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica (IEPE/Casa das Garças), membro sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins, se somou às críticas feitas por Lula às altas taxas de juros e às metas irrealistas.
FISCALISMO ASFIXIA O PAÍS
“Parece razoável gastar 10% do PIB com juros da dívida, quando 15 meses antes gastavam-se menos de 2% do PIB?”, indagou a economista.
“Ou seja, é justificável esse aumento da despesa financeira? Essa pergunta é muito importante pois, com recursos limitados, o aumento da despesa financeira estrangula a capacidade de aumentar o salário mínimo e de fazer o que é necessário com os programas sociais para reduzir a extrema pobreza e a fome no País“, prosseguiu.
“O fiscalismo tem por princípio a obsessão pelas despesas primárias como objeto de asfixia. Dito de outro modo, pretende o fiscalismo emplacar como discurso único o de que as despesas primárias devem sempre ser reduzidas. Dentre os componentes da despesa primária que mais repulsa causam aos fiscalistas estão programas sociais e aumentos do salário mínimo“, completou a economista..
Dados do FMI mostram que nos últimos 42 anos, período em que, salvo alguns raros momentos, o país adotou os dogmas neoliberais dos “ajustes fiscais” e a priorização da obtenção de superávits primários a qualquer custo, o PIB brasileiro cresceu 233%, o que corresponde aproximadamente a 2% ao ano, enquanto o mundo cresceu 392%, ou 3,3% a cada ano. Ou seja, como a população cresce neste mesmo índice, o país ficou parado.
De fato, é preciso mais sintonia com o que pretende o presidente da República. Ele está colocando no centro do debate nacional a retomada do crescimento do país e a melhoria nas condições de vida da população. Esta é a verdadeira forma de garantir que seu programa de governo seja cumprido e também é a forma adequada de se obter o verdadeiro equilíbrio das contas públicas.
SÉRGIO CRUZ
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