
O professor de economia e escritor norte-americano Michael Hudson desvenda a extensão da crise desencadeada por Trump na economia dos EUA neste seu segundo mandato. Ele aponta que o presidente biliardário “criou uma crise para a agricultura dos EUA com seu armamento da Guerra Fria do comércio exterior com a China e a Rússia”, para a manufatura “como resultado de suas tarifas de aço e alumínio”, “para a inflação dos preços ao consumidor principalmente por suas tarifas” e para moradias populares “com seus cortes de impostos que mantiveram altas as taxas de juros de longo prazo para hipotecas, compra de automóveis e equipamentos” e “desregulamentação dos mercados dando carta branca aos preços de monopólio”.
Hudson, da Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard Colege, autor de livros como “Killing the Host” [Matando o Hospedeiro], “J is For Junk Economics”, “Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire” [Superimperialismo: a Estratégia Econômica do Império Americano], “… And Forgive Them Their Debts: Lending, Foreclosure and Redemption – From Bronze Age Finance to the Jubilee Year” [… E perdoai as vossas dívidas: Empréstimo, Execução pelo Credor e Redenção – Das Finanças da Era do Bronze ao Ano Jubileu] e “The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Capitalism or Socialism’ [O Destino da Civilização: Capitalismo Financeiro, Capitalismo Industrial ou Socialismo]. Consultor de organismos internacionais e de governos. No início da carreira, foi analista de balanço de pagamentos do Chase Manhatan Bank e pesquisador do Hudson Institute (de Herman Khan).
1. O EMPOBRECIMENTO DA AGRICULTURA DOS EUA
“Trump criou uma tempestade perfeita para a agricultura dos EUA, primeiro em sua política da Guerra Fria que fechou a China como um mercado de soja contra a Rússia, em segundo lugar em sua política tarifária bloqueando as importações e, assim, aumentando os preços de equipamentos agrícolas e outros insumos, e terceiro em seus déficits orçamentários inflacionários que estão mantendo as taxas de juros altas para empréstimos hipotecários imobiliários e agrícolas e financiamento de equipamentos – enquanto mantêm os preços das terras agrícolas baixos.”
O exemplo mais notório “é a soja, a principal exportação agrícola dos Estados Unidos para a China”. A instrumentalização de Trump do comércio exterior dos EUA “trata as exportações e importações como ferramentas para privar países estrangeiros dependentes do acesso aos mercados dos EUA para suas exportações e das exportações controladas pelos EUA de commodities essenciais, como alimentos e petróleo (e, mais recentemente, alta tecnologia para chips e equipamentos de computador)”.
Após a revolução de Mao em 1945 – relembra o economista – os EUA “impuseram sanções às exportações de grãos e outros alimentos dos EUA para a China, na esperança de matar de fome o novo governo comunista. O Canadá quebrou esse bloqueio alimentar – mas agora se tornou um braço da política externa da OTAN dos EUA.”
A transformação do comércio exterior em arma por Trump – destacou Hudson -, mantendo aberta uma constante ameaça dos EUA de cortar as exportações das quais outros países passaram a depender, “levou a China a interromper totalmente suas compras antecipadas da safra de soja dos EUA deste ano.”
“A China, compreensivelmente, procura evitar ser ameaçada por um bloqueio alimentar novamente e impôs tarifas de 34% sobre as importações de soja dos EUA.” O resultado foi “uma mudança em suas importações para o Brasil, com zero compras nos Estados Unidos até agora em 2025”.
“Isso é traumático para os agricultores dos EUA”, sublinha o economista, porque “quatro décadas de exportações de soja para a China resultaram em metade da produção de soja dos EUA normalmente sendo exportada para a China; em Dakota do Norte, a proporção é de 70%”.
Hudson assinalou que a mudança da China em suas compras de soja para o Brasil “é irreversível”, pois os agricultores daquele país ajustaram suas decisões de plantio de acordo. “Como membro do BRICS, especialmente sob a liderança do presidente Lula, o Brasil promete ser um fornecedor muito mais confiável do que os Estados Unidos, cuja política externa designou a China como um inimigo existencial.”
Em sua avaliação, “há poucas chances de a China responder a uma promessa dos EUA de restaurar o comércio normal, transferindo suas importações para longe do Brasil, porque isso seria traumático para a agricultura brasileira e tornaria a China um parceiro comercial não confiável”.
“Portanto, a questão é: o que acontecerá com a enorme quantidade de terras agrícolas dos EUA que foram dedicadas à produção de soja? Incapazes de encontrar mercados estrangeiros para substituir a China, os agricultores sofrem uma perda em sua produção de soja, que está se acumulando além da capacidade de armazenamento da safra existente.”
O resultado “é uma ameaça de execuções hipotecárias e falência, o que reduziria os preços das terras agrícolas”. E como as taxas de juros permanecem altas para empréstimos de longo prazo, como hipotecas, isso impede que os pequenos agricultores adquiram propriedades problemáticas, acrescentou Hudson. “O resultado é acelerar a concentração de terras agrícolas nas mãos de grandes fundos financeiros ausentes e dos ricos.”
Para o economista, essa mudança é irreversível. “Apesar da decisão da Suprema Corte de que as tarifas de Trump são inconstitucionais e, portanto, ilegais, parece provável que Trump possa simplesmente fazer com que o Congresso e o Senado bipartidários anti-China imponham essas tarifas. De qualquer forma, a política de Trump representa uma mudança radical, um salto quântico para a agressão comercial coercitiva dos EUA.”
Não há chance de o comércio de soja ou outras necessidades básicas chinesas ser revivido, ressalta o economista. “Nem ela nem outros países ameaçados pela agressão comercial dos EUA podem correr o risco de depender do mercado dos EUA.”
Hudson enfatiza que “o custo agrícola e o aperto de renda dos Estados Unidos vão muito além das vendas de soja”. Os custos de produção “também estão aumentando como resultado das tarifas de Trump, especialmente sobre máquinas agrícolas, fertilizantes e aperto de crédito”, à medida que aumenta o risco de atrasos na dívida agrícola.
2. TARIFAS DE TRUMP AUMENTAM CUSTOS DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL NOS EUA
A anarquia tarifária de Trump também está causando perdas e demissões de dois mil funcionários para a John Deere and Company, com uma demanda também caindo para outros fabricantes de equipamentos agrícolas, registra Hudson. “O problema mais sério é que seus equipamentos de colheita, como automóveis e todas as outras máquinas, são feitos de aço, junto com alumínio.”
Assim, Trump “quebrou a lógica básica das tarifas – para promover a competitividade da indústria intensiva em capital de alto lucro (especialmente para monopólios estabelecidos), em grande parte minimizando o custo das matérias-primas. Aço e alumínio são matérias-primas básicas.”
Essas tarifas atingiram a John Deere de duas maneiras. Para sua produção doméstica, as vendas são baixas devido à depressão da renda agrícola citada acima. Os rendimentos dispararam este ano para o milho e a soja, levando seus preços e renda agrícola a cair. Isso limita a capacidade dos agricultores de comprar novas máquinas.
“A Deere importa cerca de 25% dos componentes de seus produtos, cujo custo é aumentado como resultado das tarifas de Trump.” As instalações de fabricação da Deere na Alemanha foram “especialmente atingidas”. Trump surpreendeu a Deere ao decidir que, “além de suas tarifas de importação de 15% sobre as importações da UE, ele está impondo um imposto de 50% sobre o teor de aço e alumínio dessas importações.”
Isso também atinge os produtores estrangeiros de equipamentos agrícolas – reporta Hudson -, levando a novas reclamações da UE sobre as constantes “surpresas” de Trump em aumentar sua demanda por “devoluções” em troca de não aumentar ainda mais as tarifas sobre as importações da UE.
3. TRUMP ACELERA DEPENDÊNCIA DO PETRÓLEO E, PORTANTO, O AQUECIMENTO GLOBAL
“Opondo-se a qualquer alívio do aquecimento global, Trump se retirou do acordo de Paris e cancelou os subsídios para a energia eólica e também para o transporte público”, ressalta o economista. “Este é o efeito do lobby da indústria do petróleo. Não apenas a política externa dos EUA é dominada pela demanda pelo controle do petróleo como a chave para armar as sanções ao comércio exterior, mas também a política econômica interna dos EUA.”
Ele lembrou como logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, “Los Angeles descartou seus bondes, forçando seus habitantes a ingressar na economia automobilística. Dwight Eisenhower iniciou o programa de rodovias interestaduais para favorecer o transporte de automóveis – e com ele o consumo de petróleo.”
Também o aprofundamento da escassez de água para as plantações e a destruição causada por inundações, secas e outros eventos climáticos extremos assolam a agricultura dos EUA. “Uma das causas é o clima extremo resultante do aquecimento global, que Trump nega como parte de sua política de apoiar o petróleo e o carvão dos EUA enquanto luta ativamente contra a produção de energia eólica e solar.” E, ainda, Trump “retirou o apoio dos EUA ao Acordo de Paris com outras nações para descarbonizar a produção mundial”.
A que se acresce que os custos de seguro estão subindo para “níveis inacessíveis” em muitas áreas mais propensas a tempestades e inundações, assim como “o custo anual da habitação disparou em Miami e outras cidades da Flórida e nos estados fronteiriços do sul ameaçados por furacões”.
Segundo Hudson, uma interrupção paralela é “o aumento do preço da eletricidade, bem como a escassez de água causada pela crescente demanda para resfriar os computadores necessários para o suporte de Trump à inteligência automática e à computação quântica”.
Trata-se que a crescente demanda por eletricidade está “muito além dos planos de investimento das concessionárias de energia para aumentar sua produção. Esse planejamento leva muitos anos – e as concessionárias estão felizes em ver a escassez empurrar a demanda muito acima da oferta, permitindo que os preços da eletricidade sejam um dos principais contribuintes para inflar o custo de produção.”
Trump e seu gabinete zombaram da China por gastar tanto dinheiro em seu serviço de trem de alta velocidade, observa Hudson. “Os cálculos ocidentais de eficiência econômica deixam de fora os importantes efeitos da balança de pagamentos desse desenvolvimento ferroviário: evita forçar os chineses a dirigir carros usando petróleo importado.” A China – ele acrescenta – não tem indústria petrolífera doméstica para dominar seu planejamento econômico ou política externa. “Na verdade, seus objetivos de política externa em relação ao comércio de petróleo são opostos aos dos Estados Unidos.”
4. OS EFEITOS DAS SANÇÕES DE TRUMP SOBRE AS EXPORTAÇÕES DOS EUA
“A ameaça de Trump (e do Congresso) de sabotar as exportações de comutadores de computador com ‘interruptores de desligamento’ secretos para desligá-los por decreto dos EUA levou a China a cancelar suas compras planejadas da Nvidia.” A empresa alertou que, “sem os lucros das exportações para a China, não poderá arcar com a pesquisa e desenvolvimento necessários para se manter competitiva e manter seu monopólio na fabricação de chips”.
Essas políticas comerciais que reduzem os mercados de exportação e as importações dos EUA são apenas uma das razões pelas quais o dólar está enfraquecendo, assinala Hudson. “Outras causas são o declínio do turismo como resultado do assédio dos EUA, especialmente de estudantes estrangeiros da China, dos quais as universidades americanas dependem como os alunos mais bem pagos.”
Essas tendências – acrescenta o economista – não comerciais da balança de pagamentos explicam “por que a política de altas tarifas de Trump não levou a taxa de câmbio do dólar a se fortalecer, apesar de seu efeito sobre o desestímulo às importações”. Normalmente, isso “aumentaria a balança comercial”.
“Mas a guerra de Trump contra todos os outros países (principalmente seus aliados europeus, Japão e Coréia) levou a uma mudança de sua dependência das exportações dos EUA (como soja) e produtos contra os quais eles estão retaliando para proteger sua própria balança de pagamentos, por exemplo, cortes no turismo estrangeiro para os EUA, estudantes estrangeiros, dependência das exportações de armas dos EUA – e acima de tudo, fuga de capital financeiro, visto que o encolhimento do mercado doméstico dos EUA deve reduzir os lucros estrangeiros e o declínio do dólar reduzirá sua avaliação em termos de moeda estrangeira.”
Além disso, como os BRICS e outros países realizam comércio em suas próprias moedas, “isso reduz a necessidade de manter reservas cambiais em dólares”. Eles estão mudando para as moedas uns dos outros e, claro, para o ouro, cujo preço acaba de subir mais de US $ 3.500 a onça.
5. O AUMENTO ACENTUADO DA INFLAÇÃO SOB TRUMP
Hudson enfatiza “o aumento acentuado da inflação de Trump, de eletricidade e habitação a produtos industriais feitos de alumínio e aço, ou sujeitos a tarifas incapacitantes sobre o fornecimento de peças e insumos necessários”.
A decisão de Trump de impor “tarifas sobre insumos básicos”, liderados por alumínio e aço, está “aumentando os preços de todos os produtos industriais feitos desses metais”.
E, claro, “suas tarifas geralmente estão aumentando os preços em geral”, já que as empresas educadamente esperaram um mês ou mais antes de aumentar os preços, já que seus estoques existentes de bens produzidos pela China, Índia e outros países estão esgotados.
Hudson destaca que a deportação de imigrantes por Trump “aumentou o custo da construção”, que dependia em grande parte da mão de obra imigrante – assim “como a agricultura na Califórnia e em outros estados na época da colheita”. Não está claro quem, se alguém, substituirá esse trabalho.
Em vez de atrair investimentos estrangeiros, como Trump exigiu que a Europa e outros “parceiros” comerciais fornecessem, ele tornou esse mercado muito menos desejável. O que ele fez foi fornecer uma lição prática sobre o que outros países precisam evitar na criação de regulamentos, regras fiscais e política comercial para minimizar seus custos de produção e se tornarem mais competitivos.
6. POLÍTICA DE TRUMP AUMENTA DRASTICAMENTE JURO DE LONGO PRAZO
Hudson adverte que “a política monetária de Trump está aumentando drasticamente as taxas de juros de longo prazo, mesmo que as taxas de curto prazo caiam”.
As taxas de juros de longo prazo – ele acrescenta – determinam o custo das hipotecas e, portanto, a acessibilidade da habitação. A política inflacionária de Trump também aumentou as taxas de juros para títulos de longo prazo. “O efeito é concentrar os empréstimos em vencimentos de curto prazo, concentrando os problemas de rolagem da dívida em tempos de crise financeira. Isso prejudica a resiliência da economia.”
“Muitas importações de bens de consumo são compradas pelos ultra-ricos – os 10% da população que são responsáveis por 50% dos gastos do consumidor, Para eles, preços mais altos simplesmente aumentam o prestígio de tais itens de status de consumo conspícuo (incluindo iguarias alimentares caras).”
*Reproduzido do portal Counterpunch. Tradução e edição Hora do Povo.