Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) da Argentina condena “desnacionalização” de indústrias estratégicas argentinas sob o pretexto de “política de ajuste fiscal” . Inspeção secreta foi realizada pelo Pentágono em junho
A Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) da Argentina condenou a pretensão do governo de Javier Milei de entregar a estratégica estatal “Fabricaciones Militares Sociedad del Estado (FMSE)” – com mais de 80 anos de experiência – aos Estados Unidos. A medida neoliberal – e, sobretudo antinacional – seria parte da “política de ajuste fiscal e desamantelamento” que propõe a desnacionalização do setor produtivo, mudando inicialmente o nome da empresa para depois converter a figura jurídica de patrimônio público para Sociedade Anônima (S.A).
Conforme a reunião nacional da ATE na quarta-feira (7), Milei pretende transferir já em setembro o setor metalmecânico da Fabricaciones Militares em Rio Tercero, na província de Córdoba, e depois avançar para as demais das fábricas. Diante disso, os servidores entraram em “estado de alerta e assembleia permanente” no conjunto das unidades da empresa.
De acordo com os dirigentes, é preciso que “em cada linha produtiva” a categoria enfrente a situação negativa que atravessa a FMSE, “com o desmantelamento de grande parte das instalações de cada uma das fábricas, a caducidade das licenças de produção, a redução da produtividade e a perda da soberania nacional, produto dos acordos com outras empresas estrangeiras em setores estratégicos”.
Para exemplificar a dimensão da catástrofe em curso, citaram que a Fábrica Militar Azul (Fanazul) não produz o explosivo em pó Sipolex desde dezembro; falta de investimento na Usina Jachal, em San Juan, província onde haverá uma grande operação de mineração que será absorvida por uma multinacional privada, eliminando a possibilidade da estatal fornecer explosivos para aquele projeto; a não-participação da estatal no concurso público de US$ 1,5 bilhão para a fabricação e reparação de um lote de 45 vagões para a Linha Ferroviária Belgrano Carga; a paralisação da Usina Villa María; a queda nos níveis de produtividade da Usina Beltrán (a mais importante dos últimos 10 anos), entre outros.
O entreguismo é escandaloso, advertem os servidores. Em junho passado, ocorreu uma inspeção secreta do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e estima-se que a produção de armas não seria para as Forças Armadas Argentinas, mas para a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN).
“UNIDADE, MOBILIZAÇÃO E DETERMINAÇÃO PARA O COMBATE”
Coordenador nacional da ATE Fabricaciones Militares, Fernando Peyrano, recordou que o desmantelamento deste importante patrimônio público não pôde ser plenamente concretizado nos anos 90 devido à luta realizada pela entidade com o respaldo dos argentinos. “Naquela época éramos 25 fábricas conectadas, depois restaram 14, e delas quatro ficaram sujeitas à privatização. Em 2015 saímos daquela figura jurídica que nos sujeitava à privatização e há cerca de seis meses conseguimos o Acordo Coletivo de Trabalho. O novo avanço da direita nos encontra unidos, organizados e determinados a combater esta situação muito particular que quer tirar a nossa soberania, o caráter público das empresas estratégicas e nos jogar no olho das rua”, destacou.
Orgulhosamente, Fernando Peyrano resume que “essa é a obrigação que nos cabe hoje: lutar pela existência das nossas fábricas soberanas”. Por isso, acredita, tanto quanto à mobilização dos servidores deve ser dada prioridade à articulação com os líderes de províncias (estados) e com os parlamentares, “pois os neoliberais querem não só mudar o nome da empresa, mas também converter a figura de empresa pública para Sociedade Anônima”. O fato, reiterou, é que há um obstáculo legal para ser consumada a entrega e “somente mediante a autorização do poder Legislativo o Executivo poderá liquidar uma empresa estatal”.
“Essa modificação implica a possibilidade de participação de capitais privados – inclusive estrangeiros – e também de serem regidos por outro Acordo Coletivo de Trabalho, o que leva a uma reorganização dos setores por categoria. Além disso, as condições de trabalho dos trabalhadores não seriam as mesmas”, condenou a ATE.
“Estão em jogo não apenas bens do Estado, mas também empregos”, reiterou o integrante do Conselho Nacional de Administração Fabricações Militares, Damián Albornoz, recordando que desde que Milei assumiu “nenhum setor produtivo melhorou”. Pelo contrário, “em poucos meses foram incorporados quase seis milhões de argentinos às cifras da pobreza”, exemplificou a renomada escritora e jornalista Stella Calloni.
“PAÍS EM QUEDA LIVRE E À BEIRA DO COLAPSO”
Nesta semana também se soube que o ex-ministro da Energia do governo de Mauricio Macri (2015-2019), Javier Iguacel, criou uma empresa através da qual açambarca quatro importantes setores de exploração de petróleo, disse Calloni.
A premiada jornalista explicitou que trata-se do mesmo Iguacel que em outubro de 2018, quando era secretário de Energia, “tentou transferir para as contas dos usuários residenciais uma dívida de 350 milhões de dólares”. “Dívida que o Estado tinha acumulado com os produtores de gás devido à megadesvalorização daquele ano e que terminou com o famoso empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao governo Macri”, acrescentou.
“A tudo isto se soma o fato de duas novas cargas de ouro terem sido enviadas do Banco Central da Argentina para a Grã-Bretanha, razão pela qual o governo é obrigado a declarar publicamente o que está acontecendo, enquanto o país se encontra economicamente em queda livre e à beira do colapso”, protestou a veterana Stella Caloni.